sexta-feira, abril 15, 2005

Dividindo o movimento das sobrancelhas

[...] Da onde vem essa fobia da longa convivência? Será que a mulher com quem vivemos se torna indiferente, deixa de oferecer toda a intensidade de antes, ou o amor é que se torna mais exigente com o tempo e se especializa em reivindicar? Poucos param para sondar essa hipótese: é natural o amor ficar excessivamente severo, já que agora tem uma história e a fortuna dos dias, a tal ponto que cobra o que nem precisava. Não é o amor de antes que acabou, o amor de antes ficou tão grande que vê tudo como falta de amor. Perto do que se transformou, o mundo é pequeno para alojá-lo.
O amor é insaciável. Quanto mais obtém mais quer. Diferente da amizade que não aposta alto e se contenta em proteger o que obteve em vida. A amizade larga a roleta ao empenhar um único lance. O amor não. O amor se endivida até pedir falência. O amor tem uma fome obscena, pois devora a própria memória se necessário, devora a própria imaginação se preciso. [...]

Fabrício Carpinejar

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