terça-feira, maio 21, 2013

Perdoai-me

Mesmo com caruncho, amassados, rasgos na pele eu boto no saco batatas, maçãs, bananas, tomates (principalmente tomates) - desde que eu assisti "Ilha das Flores".

Mesmo sendo muito pouco, eu me sinto muito mal comprando presentes para as minhas filhas em épocas comemorativas, como Páscoa e Natal.

Sempre que chove, eu olho preocupada lá pra fora e penso naquela mulher sentada numa cadeira, encolhida e sem se mexer, com os três filhos sobre ela: dois pequenos em seus braços e um menino maior (8 anos, talvez?) sentado no chão, dormindo encostado em suas pernas. Em volta deles, uma tempestade dentro do barraco. Pela porta aberta, eu via, do carro da reportagem, enquanto o motorista e o fotógrafo trocavam o pneu sob uma chuva torrencial às duas da manhã, como a mulher tentava proteger os filhos do mar de goteiras que despencava à sua volta. Sempre que chove, eu me lembro dos olhos dela. Vejo ali o cansaço do dia seguinte, a tristeza em assistir, sem nada poder fazer, a destruição do pouco dentro do casebre, a esperança de um dia aquela merda de vida mudar - que seus filhos tenham ao menos o direito de dormir à noite secos e protegidos.

Sempre que gasto algo comigo, mesmo que necessário, me arrependo antes mesmo de receber a nota do caixa. Penso que Catatau precisa de um jeans, que Zé Colméia ainda não cortou o cabelo que está medonhamente crescido, que eu podia dar aquela vacina extra no cachorro (mesmo sabendo, lá no fundo, que ela é totalmente desnecessária), que poderia ter comprado mais carne, feito um estoque de leite, guardado pra uma emergência.

Culpa é meu primeiro nome.

domingo, maio 12, 2013

Ponto de vista

Quando a gente menos espera, o "já" virou "ainda". Como pode? É assim de repente, sem aviso, sem ninguém anunciando senhoras e senhores, a partir deste momento da sua vida, onde se lê "já" leia-se "ainda". Pedimos desculpas pelo incômodo e desejamos a todos uma boa viagem.

"Já senta, já anda, já come sozinha, já sei me vestir sozinha, já sei ler e escrever, já vou ao cinema com meus amigos, já volto sozinha da escola, já moro sozinha". Aí uns anos de recreio e você começa com "ainda consigo ler sem óculos, ainda vejo dessa série, ainda caibo em algumas roupas de solteira, ainda não preciso pintar o cabelo, ainda posso comer gordura, ainda não preciso ir ao médico, ainda uso isso, ainda me lembro."

A gente deixa de ser "já" pra ser "ainda".
A gente ainda.

terça-feira, maio 07, 2013

Diário de bordo

Duas semanas sem glúten.
A dor nas articulações foi-se.

Ai, que vontade doida de comer pão francês.

domingo, maio 05, 2013

Já deu

"Quero voltar pro útero."

Essa é a expressão que eu mais tenho usado ultimamente. Esqueça as trocentas caixas de mudança na sala. Esqueça a bagunça generalizada. O período de seca na seara do trabalho, o projeto pessoal emperrado, a aguda falta de dinheiro. Esqueça isso tudo.

As duas me contaram. Uma constrangida, a outra às gargalhadas. Vinham Zé Coméia e Catatau da escola. Elas agora voltam sozinhas. Às vezes, andam de mãos dadas - principalmente pra atravessar a rua. Então. As duas de mãos dadas, esperando o sinal fechar, uma dá um beijo na outra e as duas se abraçam.

"Mas que pouca vergonha! O que é isso? Vocês não têm mãe? [bora enfiar a mãe no meio - mãe é sempre culpada, mesmo quando o negócio não tá errado] Cadê a educação, a moral? QUE POUCA VERGONHA É ESSA DE SE ESFREGAR NO MEIO DA RUA, NA PORTA DE UMA IGREJA???!??"

Urrava, a mulher.

- Mãe, você precisava ver. Essa boba aqui ficou toda vermelha e assim que o sinal abriu, ela atravessou. Eu fui pra frente da doida e mostrei o dedo pra ela, saí correndo e gritei "A GENTE É IRMÃ, SUA MALUCA!"

Quero voltar pro útero. Comofas?