sábado, dezembro 07, 2013

Um ano

Dia 5 fez um ano que eu perdi meu pai.
E eu me perdi esses dias, tentando entender como eu ainda não realizei que não, se eu ligar ele não vai atender.
Ele não vai mais contar piadas idiotas quando eu ligar.
Não vai mais contar aquelas histórias intermináveis.

E eu ando com um medo muito louco de esquecer a voz dele, mesmo tendo descoberto uma gravação que meu mp3 vez, por acaso, quando eu estava em Friburgo. No silêncio do quarto (onde as meninas estavam lendo) dá pra ouvir ao fundo meu pai falando com minha mãe.

Esse fiapo de voz, gravado do andar de cima da casa, é o único e último registro que eu tenho da voz do meu pai. Duas frases.

É tudo o que tenho pra não esquecer.

segunda-feira, novembro 18, 2013

...

As coisas vão, aos poucos, se encaminhando. Depois de uma pneumonia e de um trabalho que me fez subir pelas paredes, estou voltando ao meu ritmo. Preparando, arrumando, doando, dando, jogando fora. Procurando apartamento em Londres. Fazendo uma lista de miudezas do tipo "como abrir conta em banco? Como ter linha de celular? Onde comprar roupas de inverno? Que documentos levar?"

Pânico define. Mas a gente empurra o que aparece com a barriga e deixa que ela esfrie às vésperas da viagem, quando não tiver mais jeito.

"Quando não tiver mais jeito" - essa é a minha técnica pra embarcar no avião sem olhar pra trás.

sexta-feira, setembro 13, 2013

É necessário selo

Eu tinha uma caneta tinteiro, dada pelo meu ex-marido, com que eu escrevia cartas. Como meu casamento, perdeu-se. Muita gente pra quem eu escrevia, eu sei, não dava muita importância a isso. Mas sempre foi importante para mim. Escrever é importante em minha vida. Cada resposta que eu dou, cada post que eu faço, cada mensagem que eu mando é importante para mim. É um pedaço do que eu sou, é o que eu quero que o mundo saiba, é o que eu vou deixar pra trás.

Procurando uma imagem para este post, encontrei a vida de Lore Dublon. Ela escreveu um diário, assim como Anne Frank e, como Anne Frank, morreu num campo de concentração. Eu só sei da sua existência porque ela escreveu. Eu só sei do que veio antes de mim porque pessoas se deram ao trabalho de escrever, escrever e escrever.

Eu não sou importante como o foram Anne Frank ou Lori Dublon (cujo diário, aliás, está no acervo do Museu Judaico de São Paulo). Mas eu quero, de alguma maneira, ser importante para as pessoas de quem gosto - ou, pelo menos, pensar que sou. Assim, saí ontem e comprei uma caneta-tinteiro para mim. E hoje à noite, depois que as meninas dormirem, o cachorro se recolher e o apartamento silenciar, vou começar a escrever cartas.

Espero que você responda.

quarta-feira, setembro 11, 2013

Depois

Amigo querido disse uma vez que, quando uma coisa muda na vida da gente, todo o resto da nossa existência se desloca para acompanhar o movimento. Tudo - TUDO - na minha vida está se deslocando. Eu não sei que peça foi que saltou da engrenagem e nem quando, mas tudo mudou. Principalmente lá dentro, onde a vontade de ter cada vez menos me faz olhar com desinteresse pra tudo o que é meu e me perguntar "Pra que isso?"

A vontade de viajar. De não mais pintar os cabelos. De ler e aprender o máximo que a vida me permitir. De tentar fazer coisas ousadas, doidas, daquelas que as pessoas fazem bico e dizem "mas pra que gastar esse dinheiro?" Prometer com a certeza de que vai cumprir. Ter certeza de que o esforço vai valer a pena.

Saber que nada vai ser igual ao que foi, exatamente para eu voltar a ser quem eu era.


quarta-feira, julho 31, 2013

Todo ouvidos

Você tá lá, uma profissional liberal certinha, limpinha, cheirosa e responsável, com seu livro contábil registrando o que vai sair e o que vai entrar de dinheiro no mês que começa amanhã. E - surpresa! - a coluna de créditos dá positivo. Beeeeeeeeem positivo. Você sussurra "Que bom que vai entrar um dinheiro extra!" e na mesma hora se arrepende.

Mas é tarde demais. Ele escutou. Porque duas horas depois pimba! Seu computador tem uma síncope e agora tá respirando por aparelhos.

Suzana, você não aprendeu NADA com a geladeira, com a TV e com o micro-ondas, né?

domingo, julho 21, 2013

Aquilo que desejas

Às vezes a gente quer tanto uma coisa, mas tanto, que quando ela acontece o desapontamento é gigantesco.
Porque, no fundo, a gente não queria que acontecesse.
E só percebe isso quando começa a doer.

Aos 47



Então né? 50 - 3 e contando.

domingo, julho 07, 2013

Túnel do tempo

"Pois eu quero me casar virgem." "Pois eu quero transar muito antes de morar com alguém." Num nanossegundo você vai até o passado distante, quando uma dizia tocovelos e a outra usava macacão com rabinho de elefante, e no nanossegundo seguinte você volta pra mesa, onde o garfo está ali, parado na frente da sua boca. Transar. O garfo parado. Metaforicamente, ele nunca mais vai sair dali.

sábado, julho 06, 2013

De fábrica, mas com opcionais

Biscoitos: cookies cobertos de chocolate, água e sal, recheados de morango
Bolo: chocolate, ameixa, banana
Suco: uva, laranja, manga
Carnes: carne, peixe, frango
Verduras: nenhuma, espinafre, alface
Legumes: batata, cenoura, xuxu
Batata: Purê, assada, frita
Xampu: cabelos oleosos, cabelos secos, cabelos normais
Absorventes: sem aba, OB, com abas
Fluxo menstrual: pouco, muito, médio
Desodorante: rollon, spray, em creme
Maquiagem: pouca, nenhuma, diversas opções
Cores: frias, quentes, todas
Sono: pouco, muito, interminável
Fome: pouca, normal, incomensurável
Café da manhã: nenhum, normal, gigantesco

Se eu tivesse dinheiro contratava um personal family pra organizar essa joça. Porque fazer supermercado, arrumar o banheiro ou preparar o almoço é um roteiro de Além da Imaginação. Ou a prova de que, se eu não enfartei aos 40, não vou ter um derrame aos 50. 

sexta-feira, julho 05, 2013

Há 12 anos

Cabelos jamais podem ser presos, porque são a moldura do rosto. Prendê-los só em ocasiões especiais ou quando a profa de ginástica obriga. Ou eu, porque o espetáculo de vê-la comendo com as melenas lambendo o macarrão ainda não está (nem nunca estará) em cartaz aqui em casa.

Todo dia à noite "ir pra cama" se insere num ritual sagrado: a escolha do tema. Eu mesmo não entendia o que era isso, até que eu vi com meus olhinhos que a terra há de comer. O "tema" é o que determinará toda a montação, o look, a cartela de cores, os acessórios. É a inspiração do dia que a acompanhará até a noite, quando outro tema será escolhido.

Então. "Escolhi para amanhã o tema 'flores campestres'." Isso quer dizer que rosas não entram. Os brincos são margaridinhas, as pulseiras, verdes e nude e a de berloques de joaninhas. "Não vou usar colar porque vai ficar over", mas no cabelo (solto) brilhará a fivela (uma roseta multicor feita de filó em torno de um brilhante rosa). O make é básico: lápis coral claro, sombra rosa pálido (levemente dourada, se o dia prometer sol) e, na boca, um gloss levemente rosado. Pra dar uma incrementada no visual, esmalte verde (ela aprendeu a fazer sozinha as unhas em uma tarde).

Eu tenho um moedeiro onde guardo meu rímel, dois batons e três cores diferentes de gloss, além de um lápis de olho nunca usado. Zé Colméia tem uma necessaire com uns quatro batons, um gloss e um estojo de sombras. Catatau tem uma caixa de ferramentas com maquiagem (só de lápis de olho são nove, sendo três pretos, de espessuras diferentes, para áreas diferentes do olho), acessórios para cabelo, pulseiras, anéis, brincos e colares. Tudo organizado por uso, cor e tendência.

E ela leva, todas as manhãs, dez minutos para se arrumar.

Mesmo com toda essa produção, ela sai de casa exatamente como ela é: uma menininha fofa e redonda,  usando uma saia curta, esmalte preto e fivela de bolinha no cabelo. Que diz "Mãe, amo ser periguete!" mas tem vergonha de falar no telefone. Que tem eternamente três meninos brigando por ela desde os quatro anos, mas é amada pelas meninas.

Essa é minha Catatau, há 12 anos. Feliz aniversário, querida. Mamãe ainda tem guardadas muitas fivelas de ursinho - não se preocupe por elas quebrarem tão facilmente. Aqui tem mais.

quinta-feira, junho 20, 2013

Há 14 anos

"Cara, tipo assim, que bichice! Mas é mó recalque, tipo assim, o que eu falei pra ela, e ela me disse tipo assim se enxerga, né? Porque, tipo assim, você é linda - só que não. E ainda vem cheia de recalque. Que bichice! E o irmão dela é o maior gatinho - só que não. Mas eu disse pra minha irmã - bom, ela não é minha irmã mas é suuuuuuuuuper minha amiga, então né? É minha irmã - eu disse pra ela que ela pode até estar amarradona nele mas tipo assim, nada a ver. Maior mico. Porque ela é Twilighter, é Lítor e, tipo assim, vai gostar logo daquele cara? Não dá, né? Muita bichice pro meu gosto.

Mãe? Cê tá ouvindo? Mãe?"

Zé Colméia fala todo um vocabulário que eu não consigo entender. Mas um dia eu espero compreender tudo isso, esse mistério linguístico, essas mutações parentais, esse universo que se interpõe entre nós a cada mês. Mas, quando eu acho que nada poderá transpô-lo, ela vem pra minha cama à noite, se aconchega a mim e diz, entre um soluço e outro: "Mamãe, posso dormir com você? Tive um pesadelo tão horrível...!

Feliz aniversário, querida. Minha cama, meu colo, meu amor sempre estarão - tipo assim - à sua disposição, mesmo sendo o maior mico, repleto de bichice e recalque (que, eu tenho certeza, você não faz a menor ideia do que quer dizer :o).

terça-feira, maio 21, 2013

Perdoai-me

Mesmo com caruncho, amassados, rasgos na pele eu boto no saco batatas, maçãs, bananas, tomates (principalmente tomates) - desde que eu assisti "Ilha das Flores".

Mesmo sendo muito pouco, eu me sinto muito mal comprando presentes para as minhas filhas em épocas comemorativas, como Páscoa e Natal.

Sempre que chove, eu olho preocupada lá pra fora e penso naquela mulher sentada numa cadeira, encolhida e sem se mexer, com os três filhos sobre ela: dois pequenos em seus braços e um menino maior (8 anos, talvez?) sentado no chão, dormindo encostado em suas pernas. Em volta deles, uma tempestade dentro do barraco. Pela porta aberta, eu via, do carro da reportagem, enquanto o motorista e o fotógrafo trocavam o pneu sob uma chuva torrencial às duas da manhã, como a mulher tentava proteger os filhos do mar de goteiras que despencava à sua volta. Sempre que chove, eu me lembro dos olhos dela. Vejo ali o cansaço do dia seguinte, a tristeza em assistir, sem nada poder fazer, a destruição do pouco dentro do casebre, a esperança de um dia aquela merda de vida mudar - que seus filhos tenham ao menos o direito de dormir à noite secos e protegidos.

Sempre que gasto algo comigo, mesmo que necessário, me arrependo antes mesmo de receber a nota do caixa. Penso que Catatau precisa de um jeans, que Zé Colméia ainda não cortou o cabelo que está medonhamente crescido, que eu podia dar aquela vacina extra no cachorro (mesmo sabendo, lá no fundo, que ela é totalmente desnecessária), que poderia ter comprado mais carne, feito um estoque de leite, guardado pra uma emergência.

Culpa é meu primeiro nome.

domingo, maio 12, 2013

Ponto de vista

Quando a gente menos espera, o "já" virou "ainda". Como pode? É assim de repente, sem aviso, sem ninguém anunciando senhoras e senhores, a partir deste momento da sua vida, onde se lê "já" leia-se "ainda". Pedimos desculpas pelo incômodo e desejamos a todos uma boa viagem.

"Já senta, já anda, já come sozinha, já sei me vestir sozinha, já sei ler e escrever, já vou ao cinema com meus amigos, já volto sozinha da escola, já moro sozinha". Aí uns anos de recreio e você começa com "ainda consigo ler sem óculos, ainda vejo dessa série, ainda caibo em algumas roupas de solteira, ainda não preciso pintar o cabelo, ainda posso comer gordura, ainda não preciso ir ao médico, ainda uso isso, ainda me lembro."

A gente deixa de ser "já" pra ser "ainda".
A gente ainda.

terça-feira, maio 07, 2013

Diário de bordo

Duas semanas sem glúten.
A dor nas articulações foi-se.

Ai, que vontade doida de comer pão francês.

domingo, maio 05, 2013

Já deu

"Quero voltar pro útero."

Essa é a expressão que eu mais tenho usado ultimamente. Esqueça as trocentas caixas de mudança na sala. Esqueça a bagunça generalizada. O período de seca na seara do trabalho, o projeto pessoal emperrado, a aguda falta de dinheiro. Esqueça isso tudo.

As duas me contaram. Uma constrangida, a outra às gargalhadas. Vinham Zé Coméia e Catatau da escola. Elas agora voltam sozinhas. Às vezes, andam de mãos dadas - principalmente pra atravessar a rua. Então. As duas de mãos dadas, esperando o sinal fechar, uma dá um beijo na outra e as duas se abraçam.

"Mas que pouca vergonha! O que é isso? Vocês não têm mãe? [bora enfiar a mãe no meio - mãe é sempre culpada, mesmo quando o negócio não tá errado] Cadê a educação, a moral? QUE POUCA VERGONHA É ESSA DE SE ESFREGAR NO MEIO DA RUA, NA PORTA DE UMA IGREJA???!??"

Urrava, a mulher.

- Mãe, você precisava ver. Essa boba aqui ficou toda vermelha e assim que o sinal abriu, ela atravessou. Eu fui pra frente da doida e mostrei o dedo pra ela, saí correndo e gritei "A GENTE É IRMÃ, SUA MALUCA!"

Quero voltar pro útero. Comofas?

segunda-feira, abril 08, 2013

A cada 5

Os dias - as datas - nunca significaram muito pra mim. Claro, aniversário de filho é especial, mas nunca dia nenhum me fez parar e pensar sobre o caso. Desde o ano passado, é o dia 5.

A cada dia 5 do mês eu penso em como o tempo avança, apesar e a despeito do que possamos fazer para que isso não aconteça. A cada dia 5 eu me sinto mais velha, mais alquebrada. A cada dia 5 eu conto as rugas nas minhas mãos, as dobras nos cantos dos meus olhos, o cansaço nos meus cabelos brancos. Em quanto eu pareço mais encurvada, e cansada, e esquecida.

A cada dia 5 eu olho pra as minhas filhas e vejo duas mulheres em formação, um quadro que se delineia com mais clareza mostrando como uma e outra serão. Eu olho para o cachorro que me restou e conto quantas vezes ela respira. Fico nervosa se o suspiro é mais profundo e o resfolego demora a responder.

A cada dia 5 eu entro em pânico ao constatar nos dedos das mãos que minha mãe não liga há exatos quatro dias. E ponho-me a fazer contas para me lembrar, de novo, quantos anos ela tem: 2013 - 1939 = 74.

A cada dia 5 eu me lembro do meu pai, que foi embora depois de três suspiros no dia 5 de dezembro de 2012.

E eu sinto tanto a falta dele.
Tanto.

sábado, março 23, 2013

A French kiss


Cartaz do Festival de Cannes 2013.
Joanne Woodward e Paul Newman em "Amor daquele jeito" (A new kind of love, 1963), de Melville Shavelson.

Quando foi que eu...

... tornei-me tão indiferente ao sexo?
... parei de me preocupar com limpeza e arrumação impecáveis?
... comecei a pensar seriamente na morte?
... deixei de gostar tanto de chocolate?
... passei a gostar de omelete de verduras?
... parei de ver televisão?
... me tornei tão, mas tão seletiva com as minhas amizades?
... passei a rir mais de tudo e de mim mesma?
... notei que dizer que "1980 foi há 20 anos" está com 13 anos a menos nessa conta?
... passei a dormir tão pouco?
... comecei a olhar para as minhas mãos com horror?
... me tornei tão tapada quando tenho que lidar com as novas tecnologias?
... me apeguei tanto aos meus livros?
... comecei a notar que meus ídolos estão morrendo?
... comecei a notar que meus ídolos estão com mais de 80 anos?
... comecei a envelhecer?

sábado, março 09, 2013

Meda

- Pára de fazer essa cara redondinha.
- [revirando os olhos] Mas eu não estou fazendo nada!
- Tá sim. Você sabe disso.
- [risadinha]
- Você sabe que você é fofolete, né?
- [outra risadinha redondinha] É, eu sei.
- Por que você faz isso?
- Porque assim eu consigo o que eu quero.
- Não funciona mais comigo.
- Mas com os outros, sim.
- Isso é um dom.
- Como você sabe?
- Eu era fofolete, também. Mas não usava meus poderes para o mal.
- Não? [batendo pestana] Jura? Pra que você usava, então?
- Pra nada.
- Mas que besteira! Você não usava pra ganhar mais sorvete, ou bala, ou dormir depois do horário?
- Não.
- [Fazendo bico] Ah, mamãe, *suspiro* como você era bobinha!

Meu.Deus. Criei um monstro. Fofo, macio, cheiroso, de cabelos deliciosamente lisos e perfumados, uma vozinha de coelhinho correndo pelos campos gritando doce e alegremente iupiiiiiii!, mas um monstro. Que arranca qualquer coisa de qualquer um. Basta bater aqueles cílios longos naquelas bochechas rosadinhas... Aquelas bochechas...

o.O

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Mudou-se II, Missão Impossível

Eu desconfio sinceramente que as caixas de mudança transam à noite. Porque quantas eu abra, mais aparecem. E agora começaram a surgir umas pequenas, que eu JURAVA que não tinha arrumado na casa velha.
Não vou acabar isso nunca.

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

...

Sinto tanta falta do meu pai.

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Mudou-se

Dia -2: Últimas caixas fechadas. Olho para as meninas e corro pra pegar um pano úmido: se sairmos na rua assim, seremos levadas pelo primeiro ônibus cata-mendigo da fundação Leão XIII.

Dia -1: Os homens da mudança aparecem para desmontar os dois guarda-roupas. O maior está infestado de cupins. Saio e volto com o estoque inteiro de inseticida que havia na gôndola do supermercado. Depois de tudo desmontado e embrulhado cuidadosamente em papelão, o chefe da mudança avisa que esqueceu: "Papelão é cobra..." À vista dos meus olhos virando nas órbitas e a espuma branca saindo da boca, ele engole o restante da frase "...do à parte" e diz que vai dizer que embrulhou tudo em plástico bolha. Mudança encaixotada, onze e meia da noite, famintas e imundas, arrumamos tudo para ir embora. Já com a porta aberta, Catatau avisa: a cristaleira está cheia de louça.

Dia 0:
12h40m: Meninas domindo, termino de preparar o apartamento para a mudança; às três e meia consigo me deitar, para descobrir que o ventilador de teto pifou. Sonho que estou numa praia, suando em bicas, esperando alguém me oferecer um coco. Às sete e meia acordo - "O pessoal chega às nove, dá tempo de comer rapidinho e levar o cachorro na esquina." Escovando os dentes, o diabo da realidade dá o tranco no cérebro: os caminhões (sim, no plural) chegam às oito. Oito e meia desço do táxi com um Toddynho meio vazio, um pão de queijo mordido e uma cara inchada de ressaca. Seis homens conversam na calçada e olham pra mim. Na testa de cada um lia-se "Bebeu todas ontem, hein?"

15h: A mudança ainda não saiu. Pra acelerar, desmonto eu mesma três estantes e o beliche das meninas. Ajudo a fechar as últimas caixas e a descer o que sobrou.

17h: Subo na boléia de um dos caminhões rumo à Laranjeiras.

21h: Quase tudo subiu - menos a cristaleira maior. Não entra no elevador. Um dos mudeiros chega com uma conversa que vai ter que subir pela escada (14 andares) e se eu podia dar um por fora. "Ligue para a empresa e resolva." A mudança termina, minha cristaleira francesa herdada da minha bisavó vai para o depósito da empresa. Antes de irem embora, dou por falta de um móvel de canto, para TV & apetrechos, que eu cheguei a oferecer para o povo (já que aqui não teria serventia. Móvel de madeira, feito por marceneiro, sob medida). "Ah, a senhora queria? Deixamos na calçada."

Dia 1: O apartamento é um labirinto de caixas. Começo a tentar arrumar as coisas. Às 21h as duas começam: "Onde está minha tesoura?" "Cadê meu dicionário de inglês?" "Minha mochila não fecha." "Eu NÃO vou pra escola amanhã com essa espinha no meio da testa." O diabo da realidade + o demônio do cansaço engrossam a minha voz o suficiente para evaporar duas pré-adolescentes para suas respectivas camas. Minha mãe, que veio de Friburgo ajudar, misteriosamente encontra-se desaparecida desde as 18h do dia anterior.

Dia 2: Chega uma miniequipe de mudeiros pra subir a cristaleira. "D. Suzana, não dá. Só içando, e vai sair R$ 1400." Duas horas e meia depois de repetir NÃO TENHO plus ameaçar sustar os cheques plus dizer que falarei mal da empresa pra todo mundo (o que alegremente vou fazer assim que minha cristaleira estiver aqui a salvo, amanhã), minha mãe reaparece e negocia um desconto e a divisão da dívida em quatro vezes pra depois do próximo fim de milênio.

Não quero mais brincar disso. Tá muito chato.

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Oi?

Eu nunca me liguei muito em visitação do Breviário - mas pelo sistema agora do Blogger a primeira coisa que se vê no painel é justamente o número de pessoas que entraram no seu blog nos últimos dias.

Hoje foi zero. Estou, literalmente, falando sozinha.

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Quase lá

E o negócio tá andando. O layout tá ficando bacana, as coisas estão tomando forma. Já dá pra sonhar no concreto, mesmo nessa bagunça de caixas de mudanças/dinheiro apertado/fim de férias/volta às aulas/obras postergadas em que hoje eu estou vivendo. Quando eu abro a página e vejo lá, preto-no-colorido, um sonho de uma década a ponto de se realizar, acho que entrei no site errado.
Porque, né? Tá se realizando, gente!
E eu tô boba de tão feliz.

domingo, janeiro 27, 2013

Tão sem razão

No dia 20 de agosto do ano passado ela escreveu uma matéria chamada "Não basta apagar o fogo". Era sobre um incêndio que atingiu o principal shopping center de Ijuí (sua cidade natal, menos de 85 mil habitantes, nos informa a Wikipedia). Diz a matéria:  

Ijuí assistiu hoje a um acontecimento inédito e que, de alguma forma, toca cada um dos ijuienses.
Podemos reclamar que não temos cinema, que nosso shopping tem poucas lojas comerciais, mas ainda assim ele é nosso e está ali.
Com o incêndio ocorrido nessa manhã, cada ijuiense voltou seus olhos ao centro da cidade esperando que boas notícias viessem: que o fogo fosse contido e ninguém saísse ferido.
Mas o grande problema que se faz visível com este acontecimento é o despreparo do Corpo de Bombeiros para lidar com situações como esta, para a qual deveria, obrigatoriamente, estar preparado já que lidar com situações de risco é função vital de qualquer corpo de bombeiros.
Nos vídeos que surgiram logo após o incêndio, vemos bombeiros sem o equipamento de segurança e discutindo o que deveria ser feito com o público que se aglomera curioso para saber o que está acontecendo. 
Nessas horas me pergunto, não seriam eles, os bombeiros, que deveriam tomar as decisões com base em sua preparação e experiência? Será mesmo que a população é que deve opinar sobre a forma como deve agir o Corpo de Bombeiros? 
Não basta colocar uma capa para ser bombeiro. Tem que estar treinado e pronto para agir em uma situação como esta, ser capaz de tomar as decisões adequadas e agir rapidamente ajudando aos outros, mas mantendo sua própria segurança. Não é só apagar o fogo. 
Reconheço o serviço prestado à comunidade ijuiense, mas ainda assim me revolto com a falta de preparo e até mesmo CAPACIDADE dos bombeiros que aparecem nas filmagens. Cada um deles sabe, ou deveria saber, que para efetuar o salvamento de terceiros, sua própria segurança deve estar em primeiro lugar. 
Deixo, porém, meu elogio ao grande número de viatura dos bombeiros que auxiliam no combate as chamas.

Vamos reconhecer que não é o melhor texto jornalístico que você já leu (e a lista de leitores querendo o couro dela é interminável, como se vê nos comentários). Mas ela não era ainda jornalista: Allana Willers era ainda estudante do primeiro semestre de jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria. E ela não queria seguir por aí - seu caminho era a moda. Mesmo assim, estava inscrita no curso de Joomla da faculdade de Comunicação Social.

Allana tinha três blogs: Hospedeiro (que não foi pra frente), Fraternidade Capricho (que, pelo jeito, também não durou muito) e Cool Closet - este sim, de "Moda, beleza, tendências e feminices". Segundo ela mesma, em outro blog em que participava, era "apaixonada pelo jornalismo e por moda, decidiu seguir a carreira para tentar ser a nova Anna Wintour ou, quem sabe, a Anna Dello Russo. Enquanto isso não acontece, bora lá pra fila do RU."

Não sei porque fixei minha atenção nela. Soube dessa garota loura e de sorriso bonito através de uma amiga que estava atrás de notícias dela e de outro par de amigos. Ela foi a primeira que minha amiga descobriu que estava morta.

Allana Willers. Maquiou-se, enfeitou-se, escolheu uma roupa especial para ir à festa na boate Kiss. Deve ter deixado coisas no quarto para arrumar depois. A caminho da festa deve ter pensado como ia acordar cedo na segunda, se o esmalte estava bonito, se ia encontrar fulana ou sicrano lá. Ela disse uma vez que "meu nome é Allana Willers, tenho 17 anos, que sinceramente, transbordam em mim. É muito sonho, muita energia, muita vida pra tão poucos 17 anos. [...] Eu quero viajar o mundo, ser editora de uma revista de moda, escrever um livro, fotografar a costa caribenha, falar italiano e francês, assistir as temporadas de moda mais importantes do mundo e mais um montão de coisas, mas antes disso eu preciso passar no vestibular…"

Allana Willers tinha 18 anos quando morreu no hospital, vítima de intoxicação por inalação de fumaça tóxica. Estava no segundo semestre de Comunicação Social. Velada no ginásio do Colégio Sagrado Coração de Jesus, onde foi aluna, em Ijuí. Não sei quem ela é - e me recuso a escrever "quem ela era" - mas que merda, não consigo parar de chorar.



segunda-feira, janeiro 21, 2013

Caro ouvinte

Recebido há pouco:

Su, qual não foi a minha surpresa em te ver andando por aqui. E com um cachorro? Qual deles é?
Corri feito besta pra te alcançar. A tarde estava ótima para andar. Que delícia passear por quatro quarteirões ouvindo você falar de livros, de TV, do Rio, da natureza, da educação (ou a falta dela) dos seres humanos, da vida. Pena que seu cachorro não respondeu. Tímido ele, não?

A doida que anda falando sozinha. Dá nisso.

domingo, janeiro 20, 2013

Debutante

Resoluções de ano novo sempre são uma grande besteira - como castigo de criança: se o petiz fica no quarto horas pensando na bobagem que fez, a última coisa que ele vai fazer é pensar na bobagem que fez. Vai ler revistinha, cutucar gavetas, desenhar, dormir. Resolução de ano novo é a mesma coisa. Lá por maio, junho você desistiu - na verdade, nem lembra mais do que prometeu.

Eu fiz, contrariando a mim mesma, uma resolução - uminha. Viver para o lado de fora da porta. Isso quer dizer não ter medo de conhecer pessoas. De tentar confiar novamente. Parar de achar que o Rio de Janeiro em particular (e o planeta em geral) está povoado de pessoas com um único interesse na vida: dedurar o que eu estou fazendo e com quem estou me relacionando para o meu ex-marido.

Ainda existem (veja você) gente que ainda acha que sou a Sra. Margarina (aquela do comercial), de uniforme e tudo de mulher da figura, quase uma década depois do divórcio. Uma delas, um jornalista a quem mandei uma mensagem de pêsames, agradeceu ao ex-cônjuge a atenção. Responder ao meu email - pra quê?

Enfim. Meu passado morreu três vezes nos últimos quatro meses. Acho que entendi a mensagem. Estou me mudando (ironicamente, para onde minha vida praticamente começou, há 39 anos) e prometi que sediarei um encontro de amigos em abril. Já comecei a aceitar alguns convites que se acumulam no meu Facebook e, respirando fundo, a jogar fora o que tenho guardado (dentro e fora) há 15 anos.

Quinze anos. Já deu o que tinha que dar.

sexta-feira, janeiro 18, 2013

Merendeira

Alguém um dia poderia me explicar, usando uma colagem multicor e cheia de texturas, por que não se acha mais risoles de queijo e sonho recheado de goiabada pra vender?
Eu gostava tanto...

quinta-feira, janeiro 17, 2013

Verde que te quero ver

Que a burocracia é um atraso de vida, todo mundo já experimentou um dia. Eu mesmo tive que dar um siricutico na empresa de plano de saúde do meu pai quando tentei cancelar o plano dele. E agora minha mãe tem enfrentado um calvário tendo que atualizar sua situação de viúva. O problema maior (e que as empresas se recusam a entender) é que o sítio dos meus pais não tem endereço. É tão simples! Olha só: não tem endereço. Serve coordenada geográfica? É a única coisa que tem na escritura.

Para resolver esse problema, quando eles foram morar lá alugaram uma caixa postal nos Correios. Mas parece que caixa postal não é endereço - e por isso minha mãe não recebe a conta do celular há meses (aliás, meu irmão se passou pelo meu pai - que estava recém-operado - para conseguir cancelar a internet). E a empresa ainda se acha espertíssima: em vez de mandar a conta para a Praça Getúlio Vargas, em Nova Friburgo (onde fica a agência central dos Correios da cidade), manda para a Avenida Presidente Vargas, no Rio (onde fica a agência central dos Correios do Estado do Rio de Janeiro). Sem contar os torpedos do banco: "Favor atualizar cadastro, problemas com faturas do cartão de crédito" (estão no débito automático porque minha mãe só usa para emergências).

- Mãe, não vai atualizar o cadastro?
- Peraí... Deixa eu ver... Pelas minhas contas, já atualizei nove vezes. Chega, né?

Enfim; a batalha agora é travada no campo do comprovante de residência, O único boleto que chega lá é a da companhia de energia, e no nome do meu pai. A empresa de energia é de Bom Jardim - o sítio fica 60 metros depois da divisa entre as duas cidades e, como é energia rural (com subsídio, porque no sítio tem plantações e criação de peixes), meu pai teria que ir lá para mudar a titularidade da conta, ou mandar um procurador com uma procuração. Ou seja, necas.

Resumindo, para acabar com isso eu procurei o sítio no Google Maps para imprimir a imagem e minha mãe estar levando na bolsa para estar mostrando às atendentes. Levei duas semanas, mas achei. Vê se você enxerga:


Verdão, né?

sexta-feira, janeiro 11, 2013

Espírito de porks

A gente sempre reclama. Sempre. Essa é a primeira constatação do ano, que (como diz Simone Milevic) sambou na minha cara quando:

* Minha labradora, agora ilustre moradora de um apartamento, se recusa a fazer as suas necessidades (principalmente a número 1) no tapete higiênico que está, obviamente, dentro do apartamento. Pois não foi ensinada a fazer tudo "lá fora"? Então. Lá fora. Mesmo que esteja caindo uma chuva torrencial. Não é problema meu. Fui ensinada a fazer lá fora, e o tapetinho está aqui dentro. Preciso, pois, ir lá fora. Ah, são três da manhã e tá chovendo a tempestade de Noé? Que pena, né?

* Estou arrancando o carpete da sala de estar e do jardim de inverno. O dito (medonho) foi colado em cima de tacos maravilhosos e de um mármore de babar. Pois eu suei, bufei, esperneei e arranquei... cinco quadradinhos. Porque há 60 anos o trabalho era bem-feito - cada quadrado foi perfeita e completamente colado (a vácuo, parece, e com superbonder) no chão. Serviço impecável.

Então. A gente nunca está satisfeita com nada.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Olhalá

Falta pouco para a mudança. Agora eu sou aquela que zanza pelas ruas de Laranjeiras com sua labradora - que, se no começo cheirou e estranhou o apartamento, agora está se achando.

O que, só ela e Deus sabem.

quinta-feira, janeiro 03, 2013

Adeus



Sair dessa casa está sendo difícil. Eu detestei o lugar assim que pus os olhos nele. A casa é devassada, a rua, horrível, as calçadas sempre imundas pela insistência dos vizinhos em colocar para fora o lixo nos dias em que não tem coleta. Longe de tudo, longe dos amigos, longe. Mas o aluguel cabia no bolso do divórcio que eu, há um ano, estava planejando.

Aqui minhas filhas me viram apanhar, ser esganada, levar cusparadas no rosto, ser humilhada. Aqui eu passei muita fome, costurei os sapatos das meninas com fio dental para que elas tivessem o que calçar na escola, inventei mentiras para explicar a luz cortada por falta de pagamento, separei rigorosamente seis pedacinhos  de carne em cada prato para que a bandeja comprada com os últimos reais rendesse o máximo de refeições e alegremente anunciei que jantaríamos salsichas com ovos, como no café da manhã dos filmes, ou os dois últimos pacotes de biscoitos, porque era o que eu tinha em casa para oferecer. Daqui eu saí de manhã com a missão inadiável de conseguir dinheiro – para ter como voltar para casa à noite, para comprar comida, para pagar o ônibus no dia seguinte. Para cá eu voltei depois de andar desde o Leblon, onde eu deveria receber o pagamento, tantas vezes adiado, por um trabalho de seis meses – pagamento que eu não recebi, nem naquela tarde, nem nunca.

Foi aqui que chorei a perda das poucas jóias que ganhei – um anel de 15 anos em ouro, brilhantes e pérolas, uma pulseira em ouro e pedras brasileiras de 18 anos, um broche em ouro e pérolas em forma de orquídea que fora da minha avó – por falta de pagamento no penhor da Caixa Econômica. Foi nesta casa que descobri que estava com câncer, que me curei de uma tuberculose por desnutrição, que perdi meus dois cachorros adorados, que varei noites trabalhando até os olhos arderem. Aqui eu recebi a notícia que meu pai estava morto.

Foram quase 12 anos. Aqui Joana aprendeu a andar e a falar mamãe, Maria leu suas primeiras linhas, descobriu como contar nos dedos. Aqui eu sonhei com uma vida melhor para mim e para as meninas, vi micos comendo os maracujás que eu tão diligentemente plantei – e as mangas, as bananas, o cacau, os mamões. Na varanda dormi sob as estrelas nas noites mais quentes de verão. No quarto descobri livros incríveis, conversei por email e telefone com homens e mulheres que tanto me ajudaram. Na cozinha fiz muitos bolos de aniversário, brigadeiros para as festinhas na escola, onde comecei a ensinar as meninas a cozinhar. Nessa casa eu amei e derrubei meu castelo, sepultei esperanças e construí poucas coisas, mas que durarão.

Eu choro enquanto fecho caixas, separo coisas para dar, faço listas, jogo meu passado fora. A gente se acostuma com a dor, com a desesperança de que nada vai mudar, que tudo será igual, sempre. Que o que foi sonhado na faculdade jamais se realizará porque é tarde demais – em quatro anos você estará com 50, querida; quem vai querer uma profissional de 50 anos? E quando as coisas mudam, quando a gente acorda de manhã sentindo que dessa vez vai ser diferente, alguma coisa nos faz voltar a cabeça e lamentar pelo que ficou para trás: uma casa velha, caindo aos pedaços e cheia de goteiras, cada vez mais trabalhosa de manter limpa, longe de tudo, com vizinhos mal-educados e gatos de rua invadindo seu quintal. A casa onde você viveu 12 anos de solidão e muito medo de não conseguir alimentar, educar, vestir, cuidar de duas crianças; medo de não viver para vê-las crescer.

Bom, acabou.
Eu consegui.