quarta-feira, março 28, 2007

...

Às vezes, no meio de uma algazarra em que não se consegue ouvir nada a não ser todo mundo falando ao mesmo tempo num egoísmo surdo, uma badalada de um sino é capaz de calar a multidão.

Ontem, aqui mesmo ouvi esse sino. Desde então, calei-me por completo. E, como ler ultimamente não tem me dado o conforto que eu sempre busco nessas horas, só me restou a música. Ouvindo soul e R&B. Karen Clark-Sheard, Aretha Franklin, Nina Simone, Sam Cooke, Ella Fitzgerald. Chorando muito, rindo bastante, pensando em como sou uma pessoa afortunada por ter quem me ouça e quem me ajude - numa prece silenciosa à noite, sozinha, em meia dúzia de linhas escritas aqui, pra quem costuma me visitar, seja deixando seu cartão sobre o aparador, seja olhando pela porta entreaberta, sem dizer nada.

Ah, também estou acompanhando "American Idol" pelo YouTube. Eu não disse que esse era um momento perfeito.
Disse? Não, não disse.
Então.
:o)

sábado, março 24, 2007

Peculiaridades particulares

Desde que assisti a "Ilha das Flores" nunca mais consegui deixar de levar pra casa aquele tomate meio amassadinho que, antes, eu dispensaria - ou aquela batata com um discreto furinho, ou a maçã com uma manchinha.

Não sei dormir sem tomar banho. Mesmo que seja pra me levantar meia hora depois.

Sempre peço licença quando passo por algum despacho na rua.

Boto o açúcar no café. Jamais o contrário.

Me pego sempre sentando do mesmo lado do ônibus. Aí troco. E me pego dias depois me sentando do mesmo lado do ônibus. E aí troco. E me pego dias depois...

Na sexta-feira, voltando de Niterói, me sentei atrás de um rapaz na barca. E fiquei fascinada pelo cabelo dele: cortado mezzo curto, mezzo médio, ele tinha muito cabelo. Ele não era cabeludo; tinha um cabelo cheio, se é que me faço entender. E então torci as mãos no colo durante a viagem toda para controlar a vontade de enfiar as mãos naquela massa escura.

Falando nisso, vício maldito: enfiar as mãos em sacos de lentilhas (são as melhores: lisas e frias), arroz, feijão, milho. Aqui perto tem um mercado de produtos naturais. Aproveito quando não tem ninguém olhando (obviamente sempre tem alguém que fica apreciando o espetáculo da maluca) e enfio o braço no saco até o cotovelo. E abro e fecho a mão, e sinto os grãos escorrerem entre os dedos.

Converso comigo mesma constantemente. Sem parar. Às vezes, eu gostaria que eu calasse a boca e ficasse em silêncio, pra variar.

segunda-feira, março 19, 2007

Quase lá




Você gosta de "Heroes"? Pois então: eles também são seres especiais.

quarta-feira, março 14, 2007

Rita



O lançamento já estava quase no fim quando a Rita se aproximou e disse: "Suzana?" E eu olhei pra ela e fiquei sem fala. E meu cérebro começou a trabalhar beeeem rápido, porque a primeira impressão é a que conta e eu queria parecer tudo menos mal-educada. Porque olhar pra Rita pela primeira vez é tomar um golpe de ar. Da turbina de um Boing.

A foto dela está lá no orkut. Ela trocou recentemente. A imagem que eu tinha dela, do que eu leio e daquela foto (uma menina com cara de adolescente mas escrevendo que nem mulher adulta) não é em absoluto o que ela é, na realidade.

Ela escreve muito que é mau-humorada. Que quer emagrecer e sua relação amor-e-ódio com a comida. Mas você olha pra ela... Jesus. A impressão que se tem é que quando Rita entra numa sala é impossível passar despercebida. Não dá. Todo mundo olha pra ela - e não é impressão minha; pelo menos quatro pessoas (todos cariocas) que estavam no lançamento, sentadas próximas à mesa onde ela e Marieta ficaram, me perguntaram quem era ela - sendo que três eram homens.

E aí, garota, se São Paulo não te dá valor, tá esperando o que pra vir pro Rio? E Caio, abre o olho, rapaz!

Da terra da garoa


* Rio Tietê, 1926.

Dois dias em São Paulo. Estou moída, com sono atrasado e muuuuito cansada. Mas foi bom porque, na obrigação de ir, relembrei o quanto eu gosto de viajar. Algumas coisas:

Como os cemitérios de São Paulo são bonitos - incluindo o da Consolação e o Municipal. Eles têm pinheiros e ipês amarelos - e as capelas são fantasticamente italianas e tristes. São locais melancólicos, não deprimentes.

São Paulo, pelo visto, gosta mais de horário, regras, normas do que da noite. Às 22h em ponto apagaram as luzes da livraria e fim. Acabou a festa. No Rio, a livraria fecha as portas, o gerente/livreiro fecha o caixa e senta pra beber e conversar com o autor e os convidados. Fim de festa só lá pela meia-noite.

"Eu te amo. Você torna minha vida mais colorida. JR". Numa faixa tão toscamente pintada os meus desejos mais secretos.

Pessoas. Demian. Meu anônimo. Marieta. Rita. Dessa última eu falo depois. Conhecer e (re)conhecer velhos amigos - alguns eu jamais tinha visto, mas já sabia o que os faria rir ou chorar.

Perdi o avião de volta. Claro. Só assim poderia esperar uma hora para que o próximo vôo descesse, e mais uma hora e meia dentro do avião até que o Boing presidencial alçasse vôo rumo a Brasília e a fila pra decolar andasse. No mesmo vôo, dois executivos que me deram um calote de R$ 4 mil no ano passado.

"Você parece muito bem. Foi a São Paulo a trabalho?"
"Sim, acompanhar um lançamento e fechar um contrato de parceria por um ano, com exposição na mídia por conta do Pan-Americano."
"Ah, é? Com quem?"
"Com o seu principal concorrente."

Tem certos momentos, certos instantes estampados no rosto de uma pessoa, que valem R$ 4 mil. Fiz um pagamento adiantado, mas valeu a pena.

Na minha estante

Todas aquelas frases irritantes - "Sua ligação é muito importante para nós", "vamos estar retornando" - viraram livro. Por que as pessoas de negócios falam como idiotas, da Best Seller, trata da mudança de linguagem dos empregados assim que eles penduram um crachá no pescoço. Entre as bobagens do mundo corporativo estão as expressões "sinergia", "otimizar" e "nãoconformidade". Para Joaquim Ferreira dos Santos, o autor do livro, Brian Fugere, pega os idiotas e "agrega valor".

Ele esqueceu "startar".

sexta-feira, março 09, 2007

Minhas fotos prediletas XVI



Fernand Léger (Painting School in Montrouge), 1936, pour Robert Doisneau

...

Voei, brinquei, naveguei, conversei, li, cochilei, divaguei. Isso foi o que eu fiz a semana inteira. Isso é o que eu faço desde a audiência de conciliação. "Trabalha! Você tem que trabalhar! Vai perder seus contratos! Responda aos e-mails! Responda às pessoas! Olha seus prazos - você está perdendo os prazos! Faça alguma coisa! QUALQUER coisa!"

Não dá. Cansei. Minha cabeça entregou os pontos. Meu cérebro simplesmente botou um cartaz de "not found" e, por mais que eu dê reset, não tem jeito de carregar a página. Seja ela qual for.

Eu quero tirar minha velha mochila do armário e ir acampar. Subir nos morros, fazer trilhas, lavar a louça na beira-mar, ajudar os pescadores a puxar a rede no fim do dia - e ganhar um peixe em agradecimento. Andar pela estrada, escutar o mar quebrando do lado de fora da barraca. Passar a noite em claro e dormir quando a cor da água começa a ficar brilhante - os peixes cantam assim, sabia? quando o sol está prestes a nascer.

Lua vermelha, noites estreladas, alvorecer púrpura, céu azul-cruel. Não é justo. Tomar sorvete de chocolate sentada em algum lugar, em algum tempo. Andar do Arpoador até a subida da Niemeyer pela areia molhada, umedecendo a boca com água de coco e os cabelos com maresia.

Acordar de manhã cedo, fazer o café e ler os jornais. Responder, entre um gole e outro, todos os e-mails. Gastar um tempo perfumado escrevendo uma carta a um homem tão especial e querido, que me mandou para a Itália uma noite - e eu não agradeci. Porque eu não sei mais fazer isso como antigamente. Eu não sei mais fazer isso.

Ouvir o silêncio fora e dentro de mim. Eu tenho gritado muito dentro de mim.

Não é justo.

quinta-feira, março 08, 2007

Minhas fotos prediletas XV



Girl holding windswept umbrella, by Bettmann Archive

quarta-feira, março 07, 2007

E...

... não custa nada perguntar: tenho instalado o Quartz AudioMaster no meu computador - muito lindinho, mas como eu faço para colar e fazer uma seqüência só um conjunto de 30 clips de áudio de cerca de um minuto cada?
Valeu a ajudaí.

Pode deixar. Já aprendi. Rapaz, eu sou de-mais!!!

...

Se eu realmente ganhasse o valor correspondente ao que eu trabalho, eu não precisaria trabalhar nunca mais.

Faço agora parte de uma comunidade virtual de guitarristas. Trocamos informações sobre guitarras, cordas, fabricantes mas, principalmente, sobre guitarristas. Mas, pelo que pude notar, é impressionante como, para aquele povo dali, a guitarra foi inventada por Hendrix. Quem veio atrás (ave Robert Johnson!) é lenda urbana. O galo que cantou e ninguém sabe onde. Cabelo de freira. Filhote de pombo. Robert Who?

Duas e meia da manhã e eu sem sono. Depois de tomar um banho de 45 minutos (a Cedae sorriu feliz esse mês: R$ 198 de água), só me restava... cozinhar. E aí fiz uma coisa que nunca faço: acendi o forno, bati a massa do bolo (de laranja)... e não enfarinhei a forma. E não tinha manteiga em casa. Nem margarina. Nem um mísero quadradinho, o necessário para besuntar a dita. Óóóóóódio. Arranjei uma forma de teflon. Os cachorros adoraram o bolo esfarelado e queimado. A-ma-ram.

E segunda tem trabalho em São Paulo. E visita a redações de jornais e revistas. Se eu gosto disso? Você gostaria de fazer um tratamento de canal sem anestesia numa sala sem ar-condicionado numa véspera de feriado? Não? Pois é.

Entreouvido na farmácia:
"Vó, pára de pegar as minhas camisetas!"
"Mas elas são tão bonitinhas e confortáveis!", retrucou a velhinha, envergando uma baby look rosa (combinando com uma saia de tergal láááá nos pés) com a inscrição em glitter "Ready to action".

That's all folks. Sorry.

sexta-feira, março 02, 2007

Minhas fotos prediletas XIV



B.B. King, Indianola, MS 1994, by Bill Steber

Sépia



Um dos meus hábitos mais nocivos - porque sempre me faz perder a hora, o ponto do ônibus, a estação do metrô - é a maneira como eu me desligo desse mundo e mergulho, numa velocidade vertiginosa, no meu passado. E o processo não é apenas o de lembrar a imagem, o filminho: eu me apego aos sons, aos cheiros, às cores.

Uma de minhas primeiras lembranças é o som da aliança da minha mãe batendo no vidro enquanto ela rolava, entre as mãos, minha mamadeira. Tinha menos de dois anos. Mas me lembro perfeitamente daquele som, que sempre foi reconfortador: minha mãe está vindo, minha mãe está aqui. Tec, tec, tec!

O cheiro dos pinheiros que anunciavam, antes que pudéssemos ver, do banco de trás do fusca da minha mãe (ou do Karman Ghia do meu pai), a entrada de Teresópolis. A avenida descia, depois subia. Virar a segunda à direita, uma curva fechada depois para a esquerda, passar na frente da casa mal-assombrada. O momento exato em que o carro ia começar a trepidar bem suavemente, quando a rua mudava do asfalto para o paralelepípedo.

A gritaria na casa da minha avó paterna nos almoços de domingo. A gritaria da galinha, bem entendido. Numa casa cercada de pés de açaí em Manaus ou num apartamento acarpetado no Leme, não fazia diferença: a galinha tinha seu passamento com data e hora marcada. Não se compra galinha já morta, onde já se viu? E assim eu assisti diversas vezes aquele corpinho com a cabeça pendurada, esguichando sangue pra todo lado, avançar tropegamente sala adentro, com minha avó (munida de uma bacia) atrás.

O cheiro de Silvo, usado para dar brilho à prataria, na véspera dos jantares memoráveis no apartamento de minha avó materna. Ela era sozinha (meus avós de separaram muito antes de eu nascer) e sabia dar festas memoráveis. Baixava dos armários as toalhas de linho e os cristais do enxoval comprado em Paris (onde meus avós passaram a lua-de-mel para que meu avô estudasse e, quando voltasse ao Brasil, ajudasse no projeto de construção do Campo de Marte, em São Paulo). Eu e minha irmã nos olhávamos, na altura do tampo da mesa, e tentávamos imaginar pra que serviriam tantos copos, talheres, pratos, apoios & apetrechos de prata.

O som de meu pai chegando em casa depois do trabalho, jogando o molho de chaves numa travessa de louça ao lado da porta. Podíamos acertar o relógio por ele. O cheiro (que até hoje não senti igual) que ele trazia da fábrica onde trabalhava. Um cheiro que misturava plástico novo, ar-condicionado e um perfume suave de madeira.

Às vezes, me pego cantando a Marselhesa, dos tempos em que estudei num colégio francês. As músicas que minha babá Rachel cantava para mim. A voz de minha avó paterna entoando a oração de São Francisco ("Senhor, fazei-me instrumento de tua paz..."). Minha avó materna jogando a cabeça pra trás ao dar uma gargalhada (gesto que herdei).

Esse conjunto de sons, cheiros, sabores (ah, os sabores! Não falei deles!), cores, luzes, imagens são para mim um tesouro que me dói jamais poder partilhar com alguém. Porque ninguém estava lá naquele exato momento em que minha avó querida, pronta e elegante para seu jantar anual, se inclinou sobre mim, cheirando a perfume de jasmim e a pó-de-arroz, e me beijou, achando que eu estava já dormindo.

Eu não estava, vovó. Enganei você.