domingo, janeiro 27, 2013

Tão sem razão

No dia 20 de agosto do ano passado ela escreveu uma matéria chamada "Não basta apagar o fogo". Era sobre um incêndio que atingiu o principal shopping center de Ijuí (sua cidade natal, menos de 85 mil habitantes, nos informa a Wikipedia). Diz a matéria:  

Ijuí assistiu hoje a um acontecimento inédito e que, de alguma forma, toca cada um dos ijuienses.
Podemos reclamar que não temos cinema, que nosso shopping tem poucas lojas comerciais, mas ainda assim ele é nosso e está ali.
Com o incêndio ocorrido nessa manhã, cada ijuiense voltou seus olhos ao centro da cidade esperando que boas notícias viessem: que o fogo fosse contido e ninguém saísse ferido.
Mas o grande problema que se faz visível com este acontecimento é o despreparo do Corpo de Bombeiros para lidar com situações como esta, para a qual deveria, obrigatoriamente, estar preparado já que lidar com situações de risco é função vital de qualquer corpo de bombeiros.
Nos vídeos que surgiram logo após o incêndio, vemos bombeiros sem o equipamento de segurança e discutindo o que deveria ser feito com o público que se aglomera curioso para saber o que está acontecendo. 
Nessas horas me pergunto, não seriam eles, os bombeiros, que deveriam tomar as decisões com base em sua preparação e experiência? Será mesmo que a população é que deve opinar sobre a forma como deve agir o Corpo de Bombeiros? 
Não basta colocar uma capa para ser bombeiro. Tem que estar treinado e pronto para agir em uma situação como esta, ser capaz de tomar as decisões adequadas e agir rapidamente ajudando aos outros, mas mantendo sua própria segurança. Não é só apagar o fogo. 
Reconheço o serviço prestado à comunidade ijuiense, mas ainda assim me revolto com a falta de preparo e até mesmo CAPACIDADE dos bombeiros que aparecem nas filmagens. Cada um deles sabe, ou deveria saber, que para efetuar o salvamento de terceiros, sua própria segurança deve estar em primeiro lugar. 
Deixo, porém, meu elogio ao grande número de viatura dos bombeiros que auxiliam no combate as chamas.

Vamos reconhecer que não é o melhor texto jornalístico que você já leu (e a lista de leitores querendo o couro dela é interminável, como se vê nos comentários). Mas ela não era ainda jornalista: Allana Willers era ainda estudante do primeiro semestre de jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria. E ela não queria seguir por aí - seu caminho era a moda. Mesmo assim, estava inscrita no curso de Joomla da faculdade de Comunicação Social.

Allana tinha três blogs: Hospedeiro (que não foi pra frente), Fraternidade Capricho (que, pelo jeito, também não durou muito) e Cool Closet - este sim, de "Moda, beleza, tendências e feminices". Segundo ela mesma, em outro blog em que participava, era "apaixonada pelo jornalismo e por moda, decidiu seguir a carreira para tentar ser a nova Anna Wintour ou, quem sabe, a Anna Dello Russo. Enquanto isso não acontece, bora lá pra fila do RU."

Não sei porque fixei minha atenção nela. Soube dessa garota loura e de sorriso bonito através de uma amiga que estava atrás de notícias dela e de outro par de amigos. Ela foi a primeira que minha amiga descobriu que estava morta.

Allana Willers. Maquiou-se, enfeitou-se, escolheu uma roupa especial para ir à festa na boate Kiss. Deve ter deixado coisas no quarto para arrumar depois. A caminho da festa deve ter pensado como ia acordar cedo na segunda, se o esmalte estava bonito, se ia encontrar fulana ou sicrano lá. Ela disse uma vez que "meu nome é Allana Willers, tenho 17 anos, que sinceramente, transbordam em mim. É muito sonho, muita energia, muita vida pra tão poucos 17 anos. [...] Eu quero viajar o mundo, ser editora de uma revista de moda, escrever um livro, fotografar a costa caribenha, falar italiano e francês, assistir as temporadas de moda mais importantes do mundo e mais um montão de coisas, mas antes disso eu preciso passar no vestibular…"

Allana Willers tinha 18 anos quando morreu no hospital, vítima de intoxicação por inalação de fumaça tóxica. Estava no segundo semestre de Comunicação Social. Velada no ginásio do Colégio Sagrado Coração de Jesus, onde foi aluna, em Ijuí. Não sei quem ela é - e me recuso a escrever "quem ela era" - mas que merda, não consigo parar de chorar.



segunda-feira, janeiro 21, 2013

Caro ouvinte

Recebido há pouco:

Su, qual não foi a minha surpresa em te ver andando por aqui. E com um cachorro? Qual deles é?
Corri feito besta pra te alcançar. A tarde estava ótima para andar. Que delícia passear por quatro quarteirões ouvindo você falar de livros, de TV, do Rio, da natureza, da educação (ou a falta dela) dos seres humanos, da vida. Pena que seu cachorro não respondeu. Tímido ele, não?

A doida que anda falando sozinha. Dá nisso.

domingo, janeiro 20, 2013

Debutante

Resoluções de ano novo sempre são uma grande besteira - como castigo de criança: se o petiz fica no quarto horas pensando na bobagem que fez, a última coisa que ele vai fazer é pensar na bobagem que fez. Vai ler revistinha, cutucar gavetas, desenhar, dormir. Resolução de ano novo é a mesma coisa. Lá por maio, junho você desistiu - na verdade, nem lembra mais do que prometeu.

Eu fiz, contrariando a mim mesma, uma resolução - uminha. Viver para o lado de fora da porta. Isso quer dizer não ter medo de conhecer pessoas. De tentar confiar novamente. Parar de achar que o Rio de Janeiro em particular (e o planeta em geral) está povoado de pessoas com um único interesse na vida: dedurar o que eu estou fazendo e com quem estou me relacionando para o meu ex-marido.

Ainda existem (veja você) gente que ainda acha que sou a Sra. Margarina (aquela do comercial), de uniforme e tudo de mulher da figura, quase uma década depois do divórcio. Uma delas, um jornalista a quem mandei uma mensagem de pêsames, agradeceu ao ex-cônjuge a atenção. Responder ao meu email - pra quê?

Enfim. Meu passado morreu três vezes nos últimos quatro meses. Acho que entendi a mensagem. Estou me mudando (ironicamente, para onde minha vida praticamente começou, há 39 anos) e prometi que sediarei um encontro de amigos em abril. Já comecei a aceitar alguns convites que se acumulam no meu Facebook e, respirando fundo, a jogar fora o que tenho guardado (dentro e fora) há 15 anos.

Quinze anos. Já deu o que tinha que dar.

sexta-feira, janeiro 18, 2013

Merendeira

Alguém um dia poderia me explicar, usando uma colagem multicor e cheia de texturas, por que não se acha mais risoles de queijo e sonho recheado de goiabada pra vender?
Eu gostava tanto...

quinta-feira, janeiro 17, 2013

Verde que te quero ver

Que a burocracia é um atraso de vida, todo mundo já experimentou um dia. Eu mesmo tive que dar um siricutico na empresa de plano de saúde do meu pai quando tentei cancelar o plano dele. E agora minha mãe tem enfrentado um calvário tendo que atualizar sua situação de viúva. O problema maior (e que as empresas se recusam a entender) é que o sítio dos meus pais não tem endereço. É tão simples! Olha só: não tem endereço. Serve coordenada geográfica? É a única coisa que tem na escritura.

Para resolver esse problema, quando eles foram morar lá alugaram uma caixa postal nos Correios. Mas parece que caixa postal não é endereço - e por isso minha mãe não recebe a conta do celular há meses (aliás, meu irmão se passou pelo meu pai - que estava recém-operado - para conseguir cancelar a internet). E a empresa ainda se acha espertíssima: em vez de mandar a conta para a Praça Getúlio Vargas, em Nova Friburgo (onde fica a agência central dos Correios da cidade), manda para a Avenida Presidente Vargas, no Rio (onde fica a agência central dos Correios do Estado do Rio de Janeiro). Sem contar os torpedos do banco: "Favor atualizar cadastro, problemas com faturas do cartão de crédito" (estão no débito automático porque minha mãe só usa para emergências).

- Mãe, não vai atualizar o cadastro?
- Peraí... Deixa eu ver... Pelas minhas contas, já atualizei nove vezes. Chega, né?

Enfim; a batalha agora é travada no campo do comprovante de residência, O único boleto que chega lá é a da companhia de energia, e no nome do meu pai. A empresa de energia é de Bom Jardim - o sítio fica 60 metros depois da divisa entre as duas cidades e, como é energia rural (com subsídio, porque no sítio tem plantações e criação de peixes), meu pai teria que ir lá para mudar a titularidade da conta, ou mandar um procurador com uma procuração. Ou seja, necas.

Resumindo, para acabar com isso eu procurei o sítio no Google Maps para imprimir a imagem e minha mãe estar levando na bolsa para estar mostrando às atendentes. Levei duas semanas, mas achei. Vê se você enxerga:


Verdão, né?

sexta-feira, janeiro 11, 2013

Espírito de porks

A gente sempre reclama. Sempre. Essa é a primeira constatação do ano, que (como diz Simone Milevic) sambou na minha cara quando:

* Minha labradora, agora ilustre moradora de um apartamento, se recusa a fazer as suas necessidades (principalmente a número 1) no tapete higiênico que está, obviamente, dentro do apartamento. Pois não foi ensinada a fazer tudo "lá fora"? Então. Lá fora. Mesmo que esteja caindo uma chuva torrencial. Não é problema meu. Fui ensinada a fazer lá fora, e o tapetinho está aqui dentro. Preciso, pois, ir lá fora. Ah, são três da manhã e tá chovendo a tempestade de Noé? Que pena, né?

* Estou arrancando o carpete da sala de estar e do jardim de inverno. O dito (medonho) foi colado em cima de tacos maravilhosos e de um mármore de babar. Pois eu suei, bufei, esperneei e arranquei... cinco quadradinhos. Porque há 60 anos o trabalho era bem-feito - cada quadrado foi perfeita e completamente colado (a vácuo, parece, e com superbonder) no chão. Serviço impecável.

Então. A gente nunca está satisfeita com nada.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Olhalá

Falta pouco para a mudança. Agora eu sou aquela que zanza pelas ruas de Laranjeiras com sua labradora - que, se no começo cheirou e estranhou o apartamento, agora está se achando.

O que, só ela e Deus sabem.

quinta-feira, janeiro 03, 2013

Adeus



Sair dessa casa está sendo difícil. Eu detestei o lugar assim que pus os olhos nele. A casa é devassada, a rua, horrível, as calçadas sempre imundas pela insistência dos vizinhos em colocar para fora o lixo nos dias em que não tem coleta. Longe de tudo, longe dos amigos, longe. Mas o aluguel cabia no bolso do divórcio que eu, há um ano, estava planejando.

Aqui minhas filhas me viram apanhar, ser esganada, levar cusparadas no rosto, ser humilhada. Aqui eu passei muita fome, costurei os sapatos das meninas com fio dental para que elas tivessem o que calçar na escola, inventei mentiras para explicar a luz cortada por falta de pagamento, separei rigorosamente seis pedacinhos  de carne em cada prato para que a bandeja comprada com os últimos reais rendesse o máximo de refeições e alegremente anunciei que jantaríamos salsichas com ovos, como no café da manhã dos filmes, ou os dois últimos pacotes de biscoitos, porque era o que eu tinha em casa para oferecer. Daqui eu saí de manhã com a missão inadiável de conseguir dinheiro – para ter como voltar para casa à noite, para comprar comida, para pagar o ônibus no dia seguinte. Para cá eu voltei depois de andar desde o Leblon, onde eu deveria receber o pagamento, tantas vezes adiado, por um trabalho de seis meses – pagamento que eu não recebi, nem naquela tarde, nem nunca.

Foi aqui que chorei a perda das poucas jóias que ganhei – um anel de 15 anos em ouro, brilhantes e pérolas, uma pulseira em ouro e pedras brasileiras de 18 anos, um broche em ouro e pérolas em forma de orquídea que fora da minha avó – por falta de pagamento no penhor da Caixa Econômica. Foi nesta casa que descobri que estava com câncer, que me curei de uma tuberculose por desnutrição, que perdi meus dois cachorros adorados, que varei noites trabalhando até os olhos arderem. Aqui eu recebi a notícia que meu pai estava morto.

Foram quase 12 anos. Aqui Joana aprendeu a andar e a falar mamãe, Maria leu suas primeiras linhas, descobriu como contar nos dedos. Aqui eu sonhei com uma vida melhor para mim e para as meninas, vi micos comendo os maracujás que eu tão diligentemente plantei – e as mangas, as bananas, o cacau, os mamões. Na varanda dormi sob as estrelas nas noites mais quentes de verão. No quarto descobri livros incríveis, conversei por email e telefone com homens e mulheres que tanto me ajudaram. Na cozinha fiz muitos bolos de aniversário, brigadeiros para as festinhas na escola, onde comecei a ensinar as meninas a cozinhar. Nessa casa eu amei e derrubei meu castelo, sepultei esperanças e construí poucas coisas, mas que durarão.

Eu choro enquanto fecho caixas, separo coisas para dar, faço listas, jogo meu passado fora. A gente se acostuma com a dor, com a desesperança de que nada vai mudar, que tudo será igual, sempre. Que o que foi sonhado na faculdade jamais se realizará porque é tarde demais – em quatro anos você estará com 50, querida; quem vai querer uma profissional de 50 anos? E quando as coisas mudam, quando a gente acorda de manhã sentindo que dessa vez vai ser diferente, alguma coisa nos faz voltar a cabeça e lamentar pelo que ficou para trás: uma casa velha, caindo aos pedaços e cheia de goteiras, cada vez mais trabalhosa de manter limpa, longe de tudo, com vizinhos mal-educados e gatos de rua invadindo seu quintal. A casa onde você viveu 12 anos de solidão e muito medo de não conseguir alimentar, educar, vestir, cuidar de duas crianças; medo de não viver para vê-las crescer.

Bom, acabou.
Eu consegui.