sábado, setembro 30, 2006

Madrugada



A varandinha de outrora ainda existe, foi apenas o outrora que se acabou. [...] O sofá de dois lugares ficava bem em frente à varandinha. Muitas vezes era assim: de noite, Teresa fechava a porta de vidro e abria a cortina e apagava a luz, dizia que assim não seríamos vistos, mas poderíamos ver as coisas lá fora, céu e prédios ao longe. Eu me sentava no sofá, ela se sentava em meu colo, de frente para mim, os pés me pinçando as costas como se ela sentisse medo. Pés frios, pequenos. Nus. Pernas nuas, quadris, Teresa nua era meu maior alumbramento. Bicos duros em seios macios, minha língua morna sobre os bicos duros de seus seios, os cabelos macios escorrendo pelo meu torso duro, o sexo macio envolvendo meu sexo duro, o céu tão macio sobre os prédios de apartamentos, a samambaia-chorona oscilando perigosamente como um metrônomo, eu via as folhas riscando a porta da varanda enquanto meus punhos cerrados apertavam as coxas macias de Teresa, puxavam-na, um outro metrônomo. Muitas vezes era assim: Teresa deitava-se no sofá. Eu me deitava em Teresa. Os calcanhares dela se apoiavam nos meus ombros e os pezinhos frios me acariciavam as orelhas. Se ela abrisse os olhos, eu mergulhava dentro deles, perpendicularmente. Tinha a nítida (e falsa) sensação de chegar ao fundo de Teresa, ao centro do labirinto da sua alma, lá no centro, onde havia um haicai de Bashô escrito sobre a areia da praia.

Adriana Lisboa, "Um beijo de colombina"
Editora Rocco, 2003

...

Antigamente, eu escrevia ouvindo música e, até, dando uma espiada na televisão. O texto saía impecável. Hoje, só consigo fazer uma coisa de cada vez. Foi-se o tempo.

Noitada

Acabo de encher minha caneca-balde (500 ml) de café. Tenho dois originais para entregar na segunda - depois que eu consegui que o prazo da semana passada fosse estendido. O primeiro (no Word) tem 95 páginas; estou na 40. O segundo tem 233 - estou na 103.
Se alguém não tiver naaaaaaaaaada pra fazer lá pelas 3h30m, 4h, passe lá no meu e-mail pra dar um alô.

sexta-feira, setembro 29, 2006

Mudernidade

Ali do lado do painel de controle tem um anúncio tentandor falando do novo "Blogger in beta". E eu, como capiau que sou em matéria de modernidades, moooorta de medo de ir lá, clicar - e depois não saber mais lidar com o bicho.
O que é "Blogger in beta"? Beta é um sistema novo? Hein? Hum?

Saudades

Pois se eu me comovia vendo você dormir. Pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo. Meu deus, como você me doía vez em quando. Eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça, então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta coisa que eu vou ficar calado um tempo enorme só olhando você, sem dizer nada, só olhando, olhando e pensando, meu deus como você me dói vez em quando.

Caio Fernando Abreu (copiado e colado via Rita).

quinta-feira, setembro 28, 2006

www.laerte.com.br

Vigésima infância



Então é isso: diamantes (acima) e cristais Swarovski (abaixo). Agora me diz: que mulher insana e imatura não a-do-ra-ri-a revezar um e outro ao longo de sua vã existência?

Euzinha sou a primeira da fila.


quarta-feira, setembro 27, 2006

Estupidez

Ali na Praça São Salvador há um supermercado Zona Sul, inaugurado há uns três meses. Pra quem não conhece, o Zona Sul é um supermercado... zona sul: muita coisa importada, sem marcas genéricas e comidinhas maravilhosas e carésimas.
Bom, o pão é um sucesso: as fornadas saem de duas em duas horas. Antes de vir trabalhar, de manhã, passo lá para comprar pão para tomar o café da manhã com meus pais.
Hoje um rapaz, de uns 20 e poucos anos, encheu um saco com os pães ainda fumegantes e atravessou o supermercado correndo. Quando cheguei ao caixa, ele estava terminando de pagar e, impaciente, pedia à caixa que desse o troco rápido: "Quero chegar logo em casa! Adoro pão quente!" E saiu zunindo rua abaixo.
Eu paguei meu pão, a geléia que meu pai gosta, ensaquei tudo e vim andando devagar. Na esquina, vi uma multidão no meio da rua, embaixo do sinal. Passaram por mim três bombeiros, do quartel da praça. Quando me aproximei, vi o rapaz no chão, desacordado, as pernas num ângulo esquisito, os pães sendo pisoteados.
Ele não esperou o sinal fechar. Atropelado porque queria comer pão quente.
Que coisa idiota.

Presente virtual



Pra você, Cris :o)

Minhas fotos prediletas I



Beautiful legs, autor desconhecido

(para um post sobre "Lolita")

terça-feira, setembro 26, 2006

Gulodices

Eu pedi. E meu pai fez.
Jantei arroz doce com canela.
Boooommmm... :o)

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Xeretando nos arquivos do Breviário, em busca de meus posts favoritos, fiz uma constatação triste:

Eu já escrevi melhor.

segunda-feira, setembro 25, 2006

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Tenho dois originais (um com 150 páginas, outro com 240) para ler, revisar e preparar para quarta (o segundo) e quinta (o primeiro). Meu emocional anda tão ruim que trabalhei até as duas e meia da manhã, sem sentir. Depois de me deitar, a espinha desconjuntada em oito pedaços, tive um pesadelo tão tenebroso que acordei vendo tudo granulado, como uma foto mal tirada. Só consegui cochilar quando me deitei com as meninas.
Meu pai me diz que está tomando Lexotan para dormir. Eu não posso ter esse conforto.

sexta-feira, setembro 22, 2006

Tarde



Quando acordei, [...] tomamos o café-da-manhã às duas horas na mesa da cozinha, depois a tarde se abriu em concha, convidando.
Eu a abracei. Era tão fácil abraçá-la. Suas espáduas faziam como uma bossa-nova de João Gilberto, nã, nã, nããã, nã, nãã e seus seios cabiam exatos nas minhas mãos, isso até parece poesia barata mas é verdade, talvez em nome da originalidade eu devesse dizer que minhas mãos cabiam exatas em seus seios. E beijei os bicos duros de seus seios macios enquanto ela revirava o pescoço, afundei o rosto entre o abraço de Teresa que me acariciava a bunda, dali em diante ela sempre gostou de me acariciar a bunda - dizia que era raro um homem com a bunda bonita. Quando Teresa dizia isso, eu ficava com um pouco de ciúme. Mas naquele oco de tarde ainda não havia ciúme: só as síncopes do corpo dela, os contratempos, a harmonia rica da bossa-nova.

Virei-a de bruços, escorreguei os dedos pescoço abaixo e vi os pêlos dos braços dela se eriçarem. Eu queria ver Teresa no fundo da Teresa, no seu mais desvão, mito, fortuna, na anatomia do sexo durante o sexo, na pele úmida, tensa, túrgida. Ali eu ainda estava meio tímido, mas depois aprendi a contemplá-la com os dedos, com a língua, toda inteira - toda inteira, mas sempre me faltava alguma Teresa. Sempre, algum recôndito aonde não chegava meu desejo, meu sexo, o que fosse. Não era possível tê-la ao avesso: a alma.

Adriana Lisboa, "Um beijo de colombina"
Editora Rocco, 2003

Filosofia de cadeirinha

- Ups, desculpa, filha.
- Tudo bem, mamãe. De mãe a gente perdoa tudo.

Assim ela nasceu

En 1971, Ray Tomlinson buscava um símbolo para separar seu nome do lugar onde estava. As máquinas de escrever, desevolvidas a partir de 1884, ainda conservavam o símbolo @, mesmo este não sendo mais usado. A máquina que ele usava, uma Model-33 Teletype (um modelo de teletipo) continha uma arroba - o símbolo que Tomlinson usou quando enviou a primeira mensagem eletrônica por seu computador digital PDP-10. Este foi o primeiro endereço eletrônico da História tal como conhecemos hoje: tomlinson@bbn-tenexa.

De Technochica, um blog que eu a-do-ro.

Para sempre Cinderela



Estava lendo a Ana e ela falava em darks. Bom, na rua da escola das meninas eu sempre esbarro com um casal de darks passeando de manhã cedo. A primeira vez que vi os dois foi um choque: ambos de preto, ambos de cabelos pretos, botas pretas e piercing. Discretos, os piercings.

Ela, os olhos muito pintados de preto, carregados, batom roxo escuro, mais pra gordinha - um tipo gostosa, como eu :o) Ele, muito alto e magro, cabelos mais compridos, roçando os ombros. Ambos se dividiam na prosaica tarefa de empurrar um carrinho de bebê, onde dormia um sonho em cor-de-rosa muito fofo e muito... ahn... normal (palavra muuuuito preconceituosa, essa. Sorry).

Bom, isso foi há quatro anos. A menina cresceu, óbvio. Deve estar numa escola, porque eu sempre vejo os pais - ela, nunca mais. E hoje, voltando do colégio das crianças, dei com as duas - mãe e filha - paradas na porta de uma petite sapataria na Rua das Laranjeiras, olhando a vitrine. A mãe, mais magra (mas fazendo o tipo gostosa, como eu :o), de mãos dadas com ela, cabelos negros, curtos, saia longa e camiseta, coturnos, olhos pesados de kajal e batom púrpura. A menina, esguia, cabelos cortados a la garçonne, pintado nas pontas, vestido midi, coturnos. Mas absolutamente TODA de rosa. Até a tinta do cabelo.
Dark como uma menina na flor dos seus quase cinco anos :o)

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O dia hoje está escuro demais para o meu gosto.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Mais ou menos



Às vezes, onde e como se apoiar faz toda a diferença.

Comidinhas

Meus pais agora descem de Friburgo toda semana. Ficam aqui de segunda a sexta, quando voltam para casa. O bom disso, além de matar as saudades e entupir as meninas de avô-e-avó, é poder comer todas as coisas que há anos eu não consigo mais nem provar - como carne assada enroladinha no bacon, pão torrado na boca do fogão com tomate (no lanche), bolo de ameixa com sorvete de baunilha, gelatina colorida...
Ai, ai...

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Sempre gostei de escrever cartas. Mas quase nunca as envio. Escrever cartas dizem mais coisas a nós mesmos do que a quem se destinam.
Quando escrevo uma carta para alguém, abro o coração, o raciocínio, minha vida, minhas frustrações, meus verdadeiros sentimentos. Claro - mesmo vivendo-se com a mesma pessoa por décadas, ela jamais (e isso eu tenho certeza: JAMAIS) saberá tudo o que você pensa. Qual sua verdadeira opinião sobre tudo.
Porque isso magoa a quem amamos. Como dizer ao outro: "Como você pode ser tão cego?" ou "Quando você vai entender que seu pai e sua mãe NÃO vão viver pra sempre, e você não é mais um garotinho pirralhento de cinco anos?" Como você diz: "Filha, eu choro porque seu pai sabe como me magoar, e eu me magôo porque deixo que ele faça isso; às vezes - muitas vezes - sou fraca para dizer 'Você me deu períodos felizes, mas acabou' e eliminar o poder que ele ainda tem sobre mim"?
Não dizemos. Eu não digo. Pelo menos, não agora. Mas então, isso fica ali dentro de mim, indo e voltando, se arrastando e se lamentando, até que eu deixe que encontre pouso numa carta. Ali, explicado, em todas as palavras, sem metáforas, meias-medidas ou sutilezas.
Ali fica a verdade. A minha verdade. Sou eu, em essência, pois somos feitos de verdades e mentiras - que, em nós, nada mais são que verdades disfarçadas para que não as reconheçamos. O jogo é descobrir onde ela estão, despi-las e deixá-las fazer o que tem que ser feito.

O que é



Descobri que Teresa era bonita nas estrias que tinha nos quadris e no alto das coxas. Era bonita nas sobrancelhas que às vezes se esquecia de depilar. Era bonita em seus seios não-siliconados e não muito durinhos. Era bonita nas unhas às vezes longas e esmaltadas, às vezes roídas (uma vez ela as roeu até o sabugo enquanto assistíamos a O iluminado, aquele garotinho gritando redrum com a voz rouca e Jack Nicholson quebrando a porta a machadadas). Era bonita no pregador velho e descascado que segurava na nuca os cabelos compridos, enquanto trabalhava, e nos óculos fundo de garrafa que usava às vezes, em casa, para descansar das lentes de contato.
O amor, se existe, não é uma entidade. O amor é um milhão de pequenas coisas. Não é possível ter uma idéia genérica do que seja o amor ou procurar dicionarizá-lo. O amor é uma flor murcha, um marcador amarelo de textos, um disquete de computador, uma chave de fenda, um quadro de avisos onde se espeta um bilhete, um peso de papel azul que reproduz o globo terrestre, uma cama desfeita ao meio-dia e um copo d'água pela metade, folhas secas que o vento varreu para dentro de casa, um vulto sombrio nos olhos por causa de uma discussão com alguém, a pequena escultura mexicana de um pássaro, guardanapos de papel sobre a mesa-de-cabeceira, alguém que martela um prego em outro apartamento, uma lista telefônica aberta, mais nada.

Adriana Lisboa, "Um beijo de colombina"
Editora Rocco, 2003

www.vidabesta.com*



Para um menininho muito doce que eu conheço. Que ele permaneça assim.

quarta-feira, setembro 20, 2006

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Estou aqui trabalhando - sim, ainda falta algumas coisas para fazer antes de encerrar o dia. As meninas estão brincando com minha mãe na sala, meu pai está ao telefone com uma prima distante. A radioterapia começou hoje.
Ele foi temeroso, voltou cabisbaixo. No alto da coxa, um "x" dentro de um círculo marca o local onde ele recebeu a radiação. Agora, ao telefone, fala de coisas que eu jamais imaginei que meu pai falaria.
A mágoa imensa que ele tem do meu avô. A raiva incontida nas palavras secas "Minha mãe não fazia por mal. Ela era ignorante, mesmo. Uma grande ignorância". A saudade de uma tia que o criou, os primos que há muito não vê.
Ele sente muito medo, eu sei. Medo do que está desmoronando, do que ele não terá mais. Da curva que desce lentamente. Aquela sensação que todo mundo deve sentir quando diz "Ah, mais eu estou na metade da vida" e instantaneamente percebe que não viverá 142 anos.
Eu não parei de digitar nem um minuto, mas por um momento eu não fazia a menor idéia do que estava escrevendo. Meus pensamentos eram somente para aquele homem idoso, amedrontado, que deixava o menino solitário - que sempre viveu reprimido dentro de si - finalmente falar.

Diurno



Foi então que conheci Teresa, em toda sua intensidade e doçura - pois Teresa também era isso: doçura. Ela parecia bossa-nova. Parecia uma música de Tom Jobim. E por que é que eu também não fui feliz? Bobagem achar que a vida cabe num verso, cabe no bolso, cabe no espaço que sobra entre dois corpos quando nenhum espaço parece separá-los.

[...]

A primeira vez que vi Teresa, reparei nas pernas. Achei estúpidas. Mais curioso ainda, achei que a cara parecia uma perna. Na festa, ela dançava. Eu devia apagar dos ouvidos a música tecno e inventar outra trilha sonora para Teresa. Ela dançava sozinha no meio de todo mundo com aquelas suas pernas estúpidas que terminavam em pés metidos num par inacreditável (e estúpido) de saltos. Até hoje não sei como as mulheres conseguem, os saltos. Dançar, ainda por cima. Acabei inventando mesmo uma trilha sonora para Teresa, quando, no dia seguinte, descobri que ela era bossa-nova. Mais tarde, invadi sua estante de CDs com um silencioso carregamento de Joões Gilbertos e Tons Jobins. Também levei Stravinsky e Pixinguinha. Ensinei para Teresa que a gente não deve dizer chorinho, que o nome é choro, sem diminutivo.

[...]

Quando Teresa morreu, pus para tocar o Réquiem de Stravinsky. Foi o enterro dela, porque não chegaram a encontrar o corpo, perdido nas águas de Mangaratiba. Ouvi Stravinsky. E chorei, é claro.

Adriana Lisboa, "Um beijo de colombina"
Editora Rocco, 2003

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Obrigada, Agá :o*

Memórias



Voltava para casa.
Pensando que
por mais que eu fizesse
as coisas não mudariam
nunca.
Até o fim
Eu voltaria para casa sozinho.
E choveria
Só sobre mim.

Ronaldo Ventura.

terça-feira, setembro 19, 2006

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Preciso voltar a escrever cartas.

Dicionário de sinônimos...

"Nós coletamos informações pessoais neste site.
Para mais informações sobre como usamos suas informações, consulte nossa Política de Privacidade"

... para os redatores do Yahoo.

Sem querer



Mais do que o olho (que me serve apenas para ver que mãos são aquelas que se aproximam - sim, tenho tara por mãos) minha boca e meu nariz são termômetros e depositários de memória.

Hoje, andando pela rua, senti o perfume conhecido que me fez virar a cabeça à procura daquele que virou alguém. Comida, galhos de árvores, chuva, sofás, guarda-roupas e gavetas pedindo terebentina e bolinhas de cedro. Camisas bem-passadas, ar-condicionado do cinema, camarões ao alho e óleo. O suco de tomate nas tardes de quarta-feira, religiosamente. O xampu que, agora descobri, não existe mais, ou o acre do pêlo do cachorro, molhado.

Catatau com aquele cheiro de criança que ainda quer ser bebê. Talco, pasta de dentes da Barbie, perfume das Superpoderosas. Eu chorei quando senti nas mãos o cheiro de alguém que se foi - menos por ele ter ido, mais porque o cheiro não persistiria.

E beijos. Aquele descompromissado ou o que une o que nunca se dissolverá, mesmo que se queira. O beijo que, nas palavras do poeta, nasce na bochecha para terminar na boca - e jamais sair dali. O beijo que deixa marca num lugar. Ou que prefere subir e descer porque não se decide onde quer ficar - ou o que experimentar. Beijo rápido, beijo que pára o tempo, o espaço, a rotação dos dias. Empareda o barulho da rua e deixa somente ouvir a respiração do outro - pois a sua não existe mais.

O beijo da urgência, o que não foi dado e por isso se torna mais apaixonado ainda (quem se lembra da cena final de "Anna e o rei"?). O beijo quente, pós café, ou o gelado, entre uma dentada e outra do picolé. O beijo que diz tudo, que fala de tristeza e solidão. O que empanturra o outro de amor e companheirismo.

Beijos me fazem falta. Beijos e cheiros. Dos que me fizeram feliz nenhum deles tenho guardado. Não soube economizar para os dias de chuva.

...

Alguém sabe como eu incluo meu endereço no Orkut aí do lado?

Noturno



Morder o seio tenso da fruta e lamber sua pele doce e úmida equivalia a tentar desvendar um segredo. Que segredo seria aquele, que segredo-pevide do qual eu nem mesmo suspeitava, e que me aguardava apenas, no meio do mundo, no meio da minha vida, no meio da tarde? Aguardava, talvez, os dentes que viessem desenterrá-lo, como o coração de qualquer fruta.
As pequenas pevides aguardavam, pequenas promessas prontas a explodir. Mas não explodiam: seguiam sendo promessas, simples promessas de outra maçã dentro daquela maçã, como as bonecas russas que vão saindo umas de dentro das outras. Como as pessoas que somos, e que vão saindo umas de dentro das outras ao longo dos anos. Ao longo das horas.
No dia seguinte, Teresa morreu.

[...]

Deu nos jornais que Teresa morreu em Mangaratiba, saiu para nadar no final da tarde e nunca mais. Nem encontraram o corpo. Poucas horas antes (isso não deu nos jornais), ela lera para mim o poema de Bandeira chamado "Sob o céu todo estrelado", e foi sob um céu todo estrelado que fiquei esperando Teresa voltar.

Adriana Lisboa, "Um beijo de colombina"
Editora Rocco, 2003

segunda-feira, setembro 18, 2006

Conseqüências



Nada será como antes. Nunca mais.
Eis a grande tragédia da vida.

Infra-estrutura



Whalt Whitman nos assegura da transcedência da agitação e do barulho de Nova York, a sublimidade, a arrogância exuberante, do momento vivo. Mas as imagens mentem? Aquelas velhas estampas em gelatina prateada... As carroças e carruagens, os bondes, os trens elevados e as embarcações à vela em suas docas... Uma cidade movimentada, grandes canteiros de obras emoldurados com madeirame, ruas planejadas com a régua.

Homens de joelhos colocando pedras nas calçadas, grandes sótãos mal-iluminados com mulheres diante de máquinas de costura, homens de chapéu-côco com roupas caseiras posando nas portas de seus armazéns ou armarinhos, fileiras intermináveis de balconistas em suas mesas elevadas, mulheres de saias compridas e blusas instruindo salas cheias de crianças, casais cumprimentando casais na Quinta Avenida, patinadores do gelo agasalhados no lago do Central Park... Esta é a nossa cidade construída, sem dúvida a geografia de nossas almas, mas estas pessoas não são como nós, elas habitam na nossa cidade como se pertencessem aqui, a pressuposição do seu direito a ela está em cada gesto, cada olhar, mas elas não são como nós, são forasteiros habitando nossa cidade, embora vagamente familiares, como os forasteiros em nossos sonhos.

Sinto tamanha quietude, a quietude de ouvir uma história cujo fim conheço. Estou olhando para tempos em que as pessoas tinham uma história a encenar e as ruas pelas quais caminhavam eram passagens narrativas. Que tipo de palavra é infra-estrutura? É uma palavra que prova que perdemos nossa cidade. Nossas ruas são para o trânsito. Nossas histórias são desmembradas, os arranha-céus que nos esmagam zombam da idéia de uma cultura digna de crédito.

E. L. Doctorow, "Deus - Um fracasso amoroso"
Editora Record, 2003

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Tem dias em que eu me acho. Tem dias em que eu me sinto. Mas tem dias em que eu me desprezo.

domingo, setembro 17, 2006

À flor da memória



Sinto falta das suas mãos escrevendo post-its, cartas de despedida, cartões amorosos ou notas de agradecimento na minha pele.
Seja lá quem você for.

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Acima de tudo nessa terra, eu amo minhas filhas. E para cuidar e fazer delas mulheres de fibra, felizes e orgulhosas, nada me faltará.

www.liniers.com.br



* Sempre aqui.

sexta-feira, setembro 15, 2006

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Passei o dia pendurada no telefone, falando com um monte de jornalistas que não estavam nem um pouco a fim de falar no telefone. Bom, sexta-feira ninguém está mais a fim de falar com NINGUÉM ao telefone - se o motivo for trabalho.
Minhas orelhas estão em chamas e minha voz me disse adeus às duas da tarde.
Espero que ela volte.

Voltas



Eu sempre tento olhar bem dentro dos olhos da imagem, e ver se adivinho o que ela estava pensando naquele exato momento - um passado que pra ela é presente, imaginando um futuro que há muito está morto e enterrado.

Quinta-feira, Setembro 14, 2006



Algo me fez levantar da cama e não era só o calor. A boca seca e a roupa molhada não eram um bom sinal. Mas eu nunca soube o que era um bom sinal. Ganhar um dinheiro, dormir com uma mulher bonita, essas coisas parecem ser um bom sinal, mas sabemos que não é assim. E mesmo assim, esse não era o caso. Antes de me levantar de verdade, fiquei sentado, aproveitando um pouco a penumbra. Pelo barulho que vinha da rua, junto com a impressão de que o alumínio da janela estava fervendo, sabia que o Sol estava castigando todos nós pelo fato de estarmos sobre a terra, e não sob ela, como fazem os bons cristãos. Nunca fui um bom cristão. Vou ao banheiro, jogo água no rosto, bebo um pouco e quando me viro para a privada, vejo que a tampa está abaixada. Eu nunca abaixo a tampa. Isso é coisa de quem deu a descarga e não queria que ouvissem. Tem alguém em casa. Merda. Tiro uma pistola que guardo atrás da descarga e vou até a cozinha. Alguém não está fazendo o menor esforço para ser sutil. Ouço barulhos de cadeira, de copos. Entro de uma vez e aponto para a pessoa. Ela nem se assusta. Me sorri um bom-dia e me oferece um copo com água. O meu copo. A minha água. Estou com a camiseta molhada de suor, a cara molhada de água da pia, a boca seca, com uma cueca furada e com uma pistola nas mãos apontada para uma mulher que não conheço, morena, usando um vestido verde, que me oferece o meu copo com minha água. Isso com certeza não é um bom sinal.

Casa comigo, Ronaldo! Você é o único que eu conheço que escreve "bom-dia" com hífen!
:o)

Ali atrás



O que eu escrevo quase sempre não tem direção, não é pra ninguém. É para mim, para eu me ouvir. Para que eu pense que o que sinto tem sentido, razão de ser. Que não é vão.

Mais ou menos quando olho pela janela do ônibus, esperando que saia do ponto final. Observo as velhinhas saindo com seus roupões de banho (de banho, mesmo) da academia, vindas da hidroginástica - sim, a praça é extensão da casa delas - ou os velhinhos fazendo tai chi chuan ("Um oferecimento do Supermercado Zona Sul, agora no coração de Laranjeiras"). O ipê desfolhou e agora mostra sua nudez coberta de flores, tão lascivo e despudorado.

"Não morrem: se agrupam no céu". Esse é o lema dos bombeiros. Um quartel pequeno, acanhadinho, mas limpo e arrumado. Oito da manhã, todos os sete bombeiros de plantão perfilam-se para o hasteamento da bandeira. Os guris que brincam no escorrega vão lá pra cima da casinha suspensa ver a cerimônia. E sempre sai um "Quando eu crescer quero ser bombeiro" bem baixinho, em tom respeitoso. Como a cerimônia convém.

Debaixo do caramanchão, a partida de truco. Acirrada. Decidida palmo a palmo. Ânimos exaltados. "Merda, Anísio, de novo! Você tá roubando, só pode!"

Carolina, cabelos compridos, corpo esbelto e pernas longas, dá lençóis homéricos nos garotos que jogam bola com ela, todo fim da tarde. "Porra, Carol, deixa de ser marrenta!" diz o grandalhão, depois de ganhar uma bola entre as pernas. Carol ri, bola debaixo do braço, e atravessa a praça, quatro pares adolescentes de olhos apaixonados colados nela. Nela. Não na bunda, não no corpo, não nos seios pequenos e delicados. Nela.

E ele uiva, late, reclama. Sentado, triste assim é aquele labrador negro, codinome "Grandão" para quem freqüenta a pracinha. "Por que ele late, mamãe?" "Sei lá, filho. Pela cara dele e pela conversa ali, deve estar morrendo de tédio." "O que é tédio?" "Não ter nada pra fazer" "Ahhh", diz o menino, enterrando a pá na areia."Ele podia ler alguma coisa, né? Ou comer um osso. Será que tem algum osso enterrado aqui?" E cava mais, e começa a botar a areia (para tapar o buraco depois, lógico, que ele é menino organizado) dentro da bolsa de brinquedos da mãe.

Praça São Salvador, "no coração de Laranjeiras".

www.vidabesta.com

Haiku



Este caminho
Ninguém já o percorre,
Salvo o crepúsculo.

De que árvore florida
Chega? Não sei.
Mas é seu perfume.

Bashô Matsuo

Un ratito, por favor



Vai começar de novo. Eu acho que vou procurar um médico.
Alguém sabe qual especialista atende quem tem tara, necessidade física, dependência mental por queijo?
Um... psiquiatra, talvez?

quinta-feira, setembro 14, 2006

...

A parcimônia nunca foi o meu forte.

Não me procures ali



Não me procures ali
Onde os vivos visitam
Os chamados mortos.
Procura-me
Dentro das grandes
águas
Nas praças
Num fogo coração
Entre cavalos, cães,
Nos arrozais, no arroio
Ou junto aos pássaros
Ou espelhada
Num outro alguém,
Subindo um duro
caminho

Pedra, semente, sal
Passos da vida.
Procura-me ali.
Viva.

Hilda Hilst

Finalidades



Algumas palavras para mim significam coisas que em absoluto têm a ver com o que elas expressam.
Adoro o som de "prata": me faz pensar em vestidos da Idade Média. "Encaixe" me fala de beijos na boca, novos e usados. "Sílvia" me remete a uma mulher ruiva muito alta e magra, de vestido vermelho; "lavanda" me lembra Julia Roberts.
"Paradoxo" é uma grande bola, preta e verde; pronuncio "trincar" e me arrepio toda; salpicar me lembra chuva de verão, no fim da tarde; e "especiarias" me faz pensar amarelo.
Por que isso? Só minha memória cognitiva sabe.

* E essa figura acima é quase que o desenho da minha tatuagem nova - com a diferença que deixei a flor vazada, em vez de pintá-la de preto.

Conveniências

Assim é, se lhe parece.
Ou o que quiseres.

Paletas



Eu sempre gostei de mexer com imagem. Primeiro foi com a fotografia (uma carreira encerrada prematuramente pelo adeus à máquina fotográfica - ela é do meu ex-marido). Com o computador novo veio uma nova versão do Photoshop e do Corel - e, rapaz, eu estou me esbaldando.

* As aventuras da menina Enriqueta com seu gato Fellini e seu urso de pelúcia Madariaga estão aqui, um fotolog com tiras do argentino Ricardo Siri - vulgo Liniers.

Absolutamente constrangedoras



* Corri feito uma doida pelos corredores do shopping atrás de um amigo de faculdade muito, muito, muito, muito querido. Agarrei-o e dei um beijo nas costas dele, como eu sempre fazia. Ele se virou... e não era ele.

* No elevador, levei um chupão na nuca, com uma mão escorregando do meu pescoço até meu peito. Eu me virei... e eu não era a namorada dele.

* Atendi o telefone e meu cunhado começou a dizer tudo o que ele ia fazer quando voltasse, depois de dois meses longe de casa. Passados cinco minutos de descrições pormenorizadas e sons esclarecedores, só consegui dizer: "Ahn... Sou eu. Peraí que eu vou chamar minha irmã."

* "Filha, vem aqui pro meu colo e deixa a moça com o neném na barriga sentar"
"Obrigada, mas eu já dei à luz faz quatro meses."

* "Sua neta é linda!"
"..."
"Psiu! É a mulher dele!"

* "Credo, Suzana, que cara de enterro! Quem morreu, hein?"
"Minha avó."

...

O câncer de próstata do meu pai deu sinais de que está se espalhando.
Radioterapia a partir do dia 20.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Se te pareço noturna e imperfeita



Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

Hilda Hilst

...

Eu estava com muita raiva - raiva e frustração, que é a pior combinação que existe. Aí, inspirada num post dela, troquei a cor do meu cabelo.
Que ficou, bem...

Louro.

A raiva passou na hora.

Update: Uma cabeleireira muito competente é capaz de tudo. A minha, pelo menos, é. E eu voltei a ter meu cabelo de sempre. E, já que estava tãããão agitada (palavras dela) ganhei um banho de creme absoluta e divinamente ma-ra-vi-lho-so.

www.liniers.com.br



* Sempre aqui.

Orgulho besta

Estava eu ontem à noite lavando a louça depois do lanche, as meninas tomando banho. Abro a janela da cozinha e dou de cara com os três cachorros sentados na escada do terraço, em fila, me encarando.
- O que vocês estão olhando, hein?
Gritam as meninas da banheira:
- A mamãe linda e maravilhosaaaaaa!!!!!!!!!!!!

Ai, ai... :o)

...

O silêncio às vezes pode ser ensurdecedor.

terça-feira, setembro 12, 2006

História triste



Eles se conheceram através de uma amiga em comum. Conhecida Dela, amiga Dele. E por quase dois anos Ele e Ela fizeram muita coisa juntos. Quando Ele brigava com a namorada, era Ela que dizia "Feio! Feio! Feio! Estou decepcionada...!" com um sorriso. Ele retribuía com cara séria, ar de riso e "Sabe do que mais preciso agora? De um apertão na bochecha e de uma festa!" E riam os dois, e tomavam café e cerveja, e se empurravam pela rua, e brigavam muito, e se entendiam demais.
Um dia, Ele olhou diferente pra Ela. Ela perguntou: "O que foi?" E Ele disse: "Você sabe o que foi."
E então, depois de tanto de amizade intensa, eles se encontraram num quarto escuro. Ele levou duas vendas, e mandou que Ela fechasse os olhos antes de entrar. Os dois vendados, assim se conheceram como antes não se conheciam - não o corpo, não o pensamento, mas as sensações, os gostos, os cheiros, o peso, o silêncio. Outra pele, outro calor, outra respiração que não a que já sabiam Um do Outro.
E eles se perceberam então de uma maneira diferente. Explorando-se e descobrindo o novo no antigo. Só isso faltava para que ambos entendessem tudo. E quando isso aconteceu - ou pensavam que assim fosse - se separaram, porque saber tudo incomoda. Saber tudo significa ver o que o outro não quer que ninguém veja - nem a si próprio. Saber tudo não tem graça. Não tem encanto.
Pouco se falam, agora. Ela quer, Ele não. Ele quer, Ela não. De um encontro que parecia perfeito fez-se um descompasso.
E agora eles não mais sabem - ou não querem - se compassar.

segunda-feira, setembro 11, 2006

...



Pois um dia eu quis morar num pêssego gigante. E ter como companhia uma aranha que falasse. E viver feliz pra sempre.

Por acaso



Eu acabei de tomar um banho de 40 minutos. E ali, debaixo do chuveiro, escrevi mais um capítulo do meu livro, escrevi posts, cartas para as meninas, projetos de trabalho, bilhetes de despedida. Escrevo assim - como fotografo com os olhos e perco as fotos na memória (ou então as recrio com meu próprio photoshop). Andando na rua, indo buscar as meninas na escola, olho para as pessoas e imagino o que pensaram ao se vestir de manhã. Penso o mesmo quando vejo a foto de algum desastre ou atentado e me pergunto se, ao amarrar os sapatos ou escolher determinado par de brincos, a pessoa sentira o que estaria por vir.
Então, eu crio - diálogos entre mãe e filha, entre porteiro e morador, entre mendigo e os pombos. E converso comigo mesma. Discuto, debato, contemporizo, amacio, negocio, adio ou apresso. "Não faz isso, não!" ou "Se você não comprar agora, quando voltar não vai ter mais."
Me pego com os olhos rasos d'água ou rio escondido. Sorrio bastante pensando em alguéns e quandos, minha ruga entre as sobrancelhas se acentua quando lembro de outros e ontens.
Sinto cheiros, lembro sabores. E meu pensamento vai mudando de calçada a depender do que eu vejo. Uma cadeia de pensamentos que o Ronaldo tão bem descreveu aqui.

Eu não me imagino amanhã. Ou na semana que vem. Deixei faz muito tempo de planejar meu futuro - e preciso urgentemente começar a pensar no das meninas. Faz tempo eu escrevi uma carta em que dizia que meu pior defeito é ser canceriana - vivemos sempre no passado, ansiamos pelo futuro mas somos incapazes de viver o presente. Eu vivo o presente, agora. Ele me sai dos olhos das mais variadas maneiras, como ruas que partem da mesma praça e se bifurcam, alargam-se ou terminam em becos sem saída.
Eu gostaria de planejar. De pensar adiante, alguém, algum lugar.

Arrumação

óleo Sève
jornais pelo chão
pedestal de violão
pizza de alho
cheesecake
chope preto
bolo de goiabada
Pringles de páprica
café, muito café
olhar vitrines
fazer supermercado
pular e andar
viajar

O difícil às vezes é separar o indelével do temporário.

Necessidade vontade



Bom, se o negócio é abrir listas de desejos, o meu agora é esse.

Uptade: Para os milhares de leitores que me escreveram reclamando que o livro ainda não está à venda, somente uma resposta:
Deixem de ser maletas. Vai estar nas livrarias na semana que vem. Não tenho culpa de ser organizada e fazer tudo com antecendência. :o)

"Onde se aquecem os músculos..."*



Tento agora [...] escrever este livro híbrido, meio de memórias ou manual de estilo e romance, que também poderia se chamar, nos tempos da Cavalaria Andante, Manual de serviço ou arte de cavalgar qualquer sela.
Começo por dizer que você aprende coisas incríveis com as pessoas mais inesperadas. Conheço um escritor que aprendeu com o seu gato a abocanhar um assunto. O bichano ficava horas a fio imóvel, olhando fixamente qualquer coisa que não se via no jardim, na incrível paradeza dos felinos, e súbito dava um salto surpreendente, abocanhando um passarinho. Assim é que se acha uma boa metáfora, procurada às vezes por anos, me disse ele. [...]
Você precisa viver muito, cheirar muito, ouvir muito, ver a apalpar muito, ouvir o batimento de seu coração para fazer uma bela e contundente metáfora. [...]
Conheci um grande poeta que era ao mesmo tempo um bom prosador que me disse duas verdades: uma poesia só é boa quando se aproxima da grande prosa e uma prosa só é boa quando se aproxima da grande poesia.[...] Um dia eu lhe perguntei como conseguia as suas belas, precisas e preciosas metáforas, e ele me veio com outra comparação. Me disse que procedia como os bons namorados e os bons pescadores: ia semeando aqui e ali vários anzóis, e de vez em quando experimentava um. Quando menos esperava, fisgava um belo peixe. Como era um perito na ars amandi, reconheci nele fé pública.

Autran Dourado, "Breve manual de estilo e romance"
Editora UFMG, 2003

*"...e assuntos correlatos" é o nome do primeiro capítulo desse livrinho que achei abandonado entre estantes lá de casa.

E fez-se

Eu preciso criar alguma coisa. Seja um livro, um conto, uma blusa de tricô, uma roupinha para o bebé da Zé Colméia, um canteiro de flores ou um namorado novo - eu preciso CRIAR. Sinto meus neurônios fenecerem afogados em ondas de café e tédio.

Tesão

Tossir feito uma tísica por quatro dias me deixou com uma voz rouca muuuuito sexy.

Egoísmo doce



- Mamãe, falta muito pra você morrer?
- Falta, Catatau. Ainda falta muito.
- Mas você vai morrer?
- Sim, filha, eu vou.
- Não morre, não, mamãe.
- Filha, não chora. Ainda falta muito tempo!
- Mas eu vou sentir tanta saudade! Eu queria que você morresse comigo!
- Mas filha, e a Zé Colméia?
- Eu também quero que ela morra comigo! Quero que vocês duas morram comigo, porque aí eu não vou sentir saudades de nenhuma de vocês! Morre comigo, mamãe! Por favor!

sexta-feira, setembro 08, 2006

www.vidabesta.com

...

No dia 25 de outubro do ano passado, alguém me escreveu:

"gostei do seu post de hoje, mas pelo menos comigo você pode
tentar se fazer ouvir... fala que eu te escuto, querida!!!"

Como as coisas mudaram, desde então.
Ainda não sei se pra melhor ou pra pior.

E por falar em guerra...



... eu chutei o balde e jantei um pacote de Cebolitos e, de sobremesa, botei pra dentro oito bombons de cereja. Tenho dito.
Agora, vou levar minha febre (que me deixa, ao menos, com cara de saudável: as bochechas rosadas e a boca vermelha) e minha gripe ao supermercado, que já são mais de nove horas - e eu sou moça de família pra ficar batendo perna a essa hora da madrugada.
Inté.

A guerra em filme



Tem passado por esses tempos, no Film & Arts (eu tenho DirecTV, não sei se esse canal está disponível em outras operadoras) "Shooting war", um documentário sobre os cinegrafistas que registraram as batalhas da Segunda Guerra Mundial (não confundir com o filme de ficção de mesmo nome, que virou cult).
O filme é do roteirista/produtor/diretor Richard Schickel e do produtor-executivo Steven Spielberg. Fala do primeiro conflito mundial a ser realmente documentado. Alguns não sobreviveram, mas são lembrados por colegas que estavam lá na hora - e muitas vezes filmaram e fotografaram a morte do amigo.
Eu sou aficionada por história, e a história das guerras sempre me fascinou por ser sempre um encadeamento de erros, enganos idiotas (que incluem de vírgulas erradas a implicância com bigodes), egos inflados e ingenuidades inacreditáveis. Por isso, esse documentário é tão fascinante. Mostra ainda os telejornais, as imagens que o público não conheceu, a precariedade das condições de trabalho e o perigo constante (incluindo cinegrafistas que foram obrigados a dirigir tanques, quando o soldado engarregado leva um tiro).
Se estiver de bobeira, assista. Ele fez parte do pacote composto por "O Resgate do Soldado Ryan: Edição comemorativa dos 60 anos do dia D" e mais "O preço da paz", documentário sobre a guerra desenrolada no Pacífico.

www.laerte.com.br

...

Tem dias em que a única coisa que cai na sua caixa postal é spam.
O problema é que está todo mundo ocupado - vivendo as suas vidas.

...

Na quarta-feira, por volta das três da tarde, botei uma chaleira com água para ferver e fazer um chá. Só me lembrei disso às sete da noite, depois de ter saído e buscado as meninas na escola. Descobri por acaso, ao ir jogar um papel no lixo.
A chaleira não derreteu - o cabo queimou completamente. Se eu não tivesse resolvido assoar o nariz da Catatau antes de sair para ir para casa e jogar o papel sujo no lixo da cozinha (e não do banheiro) o gás ia ficar ligado até hoje - se o apartamento não tivesse pegado fogo antes.
Cada vez mais eu tenho esses lapsos de memória. Às vezes, estou indo por uma calçada e não sei porque me resolvi por aquele caminho, não habitual. Ou me pego com algo nas mãos e não sei como aquilo foi parar ali ou o que eu ia fazer.
Não tenho nem palavras para explicar como isso é absoluta e gigantescamente assustador.

Mais um pouquinho



* Adoro cozinhar para os outros. Mas depois não consigo comer quase nada.
* Não consigo dormir com a casa numa completa zona de guerra. Pode estar até uma zona, mas não dá para parecer uma guerra. Também não consigo viajar e deixar a casa desse jeito.
* Todas as vezes em que deixo a pia da cozinha cheia de louça suja, a empregada falta no dia seguinte. Sempre. Jamais falhou, nem uma vez. E eu ODEIO fazer o café da manhã assim.
* Cheiro as roupas das meninas quando arrumo a mochila delas para o dia seguinte. E mexo no balde de roupa suja delas quando elas não estão em casa - só para matar um pouquinho a saudade.
* Me dá tesão ver a chuva cair. Principalmente quando ela bate no vidro do pára-brisas, o motor desligado. Ou quando estou entrando no carro, e dá para vê-la atravessando a luz dos faróis (essa nem Freud explica).
* Dormir sem meias no frio me faz espirrar.
* Cheiro os livros nas livrarias. Enfio o nariz lá no meio da dobra e dou uma bela cafungada. Sim, os seguranças da Argumento me olham de lado.
* Às vezes, sinto como se estivesse me segurando no umbral de uma porta, com a vida me puxando - "Vem, você envelheceu mais um ano, não adianta se segurar na porta dos 20! Seu lugar é adiante, na porta dos 40!". É bobagem, eu sei, mas a vida é feita de bobagens.
* Estar em lugares altos e olhar pra baixo não me dá vertigens - me dá vontade de pular. Meu pai tem essa mesma atração.
* Gostaria de me casar na igreja, de noiva. Com minhas filhas de dama-de-honra. Vou envelhecer com esse sonho.

Terça-feira, Setembro 05, 2006



O rapaz que lavava o carro estava pensando em outra coisa. Pensava na lembrança de uma cortina azul, que havia em uma casa da sua infância. Nem percebeu que molhou a moça. A moça que passava estava pensando num sapato. Era um sapato preto com salto específico que ainda não vira em lugar algum. Quando sentiu ser molhada e olhou para xingar, viu a criança. A criança não pensava em nada. Só queria puxar o rabo do gato. E puxou. O gato só teve tempo de pensar em algo que nunca vamos saber, porque antes de concluir qualquer coisa, foi atropelado por outro carro. Este, indo na direção oposta. O motorista do carro só pensou que a prefeitura devia dar um jeito nessas ruas esburacadas e nesses animais enlouquecidos.

Ronaldo Ventura

Porque esse pirata escreve tão bem!

Paralelos



E então eu me imaginei lavando folhas de alface para o almoço, os tomates já cortados em rodelas bem vermelhas. O sol entrando pela janela, aquele calor gostoso do meio-dia, quebrando o frio e amornando o coração.

quarta-feira, setembro 06, 2006

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Saudável refeição



Trab... (crunch, crunch)...alhando e almoçan... (glup!)...do.

(Mentira. Tô comendo o segundo pacote de Trakinas. Recheio duplo de chocolate. E com sorvete de flocos. Mas andei recebendo ameaças de umas e outras que estão de dieta, e aí resolvi pegar leve.)