quarta-feira, julho 22, 2009

Vida



A gente sempre acha que "viúvo" é palavra acompanhante de "meia idade". Mas não é, não. Ela ficou viúva um pouquinho depois dos 30, e na dor brincava que o lugar do marido nas coisas chatas da vida seria ocupado por um cunhado resignado em trocar o chuveiro elétrico e levá-la ao supermercado uma vez por mês.

Ele foi muito querido. Daquelas pessoas que tocam a vida de uns e outros e fazem uns virarem outros e outros virarem uns - o que eu quero dizer? Que ele mudava a existência das pessoas: aD e dD - antes dele e depois dele. E os dois sabiam disso. O cunhado dizia aos amigos que agora era ele o curador do bem mais precioso do irmão - sua viúva. E tanto cuidou que se casou com ela. E ela tanto amou o marido que se casou com o irmão dele.

E ele dizia a quem quisesse ouvir: "Esse bem não divido com ninguém - será a herança que legarei aos nossos filhos."

terça-feira, julho 21, 2009

Hoje




Os Simpsons, 20 anos
Bob Esponja, 10 anos
As Meninas Superpoderosas, 11 anos

Michael Jackson, 50 anos (deceased)
Madonna, 51 anos
Sting, 58 anos

Invasão do Afeganistão, 30 anos
Morte de John Kennedy Jr, 10 anos
Homem na Lua, 40 anos (sim, meninos, eu vi!)
Eu, 43 anos. E confesso que não ando me sentindo muito bem...

segunda-feira, julho 20, 2009

Fotógrafos XVII - Harry Benson (2)



Jack Nicholson, Montana, 1975



Barbra Streisand, Central Park, New York, 1967



Martin Luther King Jr, Mississipi, 1966



Mrs. Martin Luther King and children, Martin Luther King's funeral, Atlanta, Georgia, 1968



Klu Klux Khan meeting, Beaufort, South Carolina, 1965



Grieving father, Washington National Airport, Washington DC, 1971



Francis Ford Coppola, Al Pacino, Diane Keaton, "The Godfather", New York, 1971



Greta Garbo, Antigua, 1976

sexta-feira, julho 17, 2009

Outono

- Dá pra preparar um original de 325 páginas?
- Claro! Pra quando?
- Depois de amanhã?

E assim eu virei duas noites. Obviamente, ainda dormirei mais uns dois dias ao amanhecer, acompanhando bêbados, festeiros e vampiros pela noite. Mas eu gosto da escuridão. O cheiro da noite é especial. Conseguimos ouvir aqueles ruídos encobertos pelo sol, nossas dúvidas, nossos medos e anseios, talvez algumas esperanças.

O sol nasce diretamente sobre a minha cama. Terminei o trabalho às 8h; tomei café-da-manhã e um banho. Às 9h deite-me no sofá, embrulhada ainda no roupão, para "descansar os olhos" - e cochilei.

Pra quem tem insônia: recomendo. Dá pra ter sonhos maravilhosos antes de se espreguiçar e se torcer feito gato ao sol morno e descobrir que é hora de levantar.

sábado, julho 11, 2009

Balão subiu desceu

Jogo de argolas pé-de-moleque canjiquinha pescaria quadrilha grupo I casa da bruxa correio do amor jogo de argolas pescaria pescaria pipoca bolo de milho churrasquinho de carne queijo coalho quadrilha grupo II prisão salsichão com farofa churrasquinho de frango milho verde pamonha queijadinha empadinha salsichão quadrilha grupo III pescaria pescaria quadrilha grupos IV e V pescaria prisão correio do amor panquequinhas maçã do amor pizza na lenha salsichão queijo coalho quadrilha primeiro ano quadrilha segundo ano salsichão sem farofa espetinho de legumes com queijo queijo coalho churrasquinho de carne bolo de amendoim paçoca paçoca uva do amor quadrilha terceiro ano quadrilha quarto ano escorrega sopa de ervilha pula-pula pipoca doce pipoca salgada milho e pra arrematar paçoca salsichão com farofa e arroz doce.

Tô imunda. Tô empanzinada. Tô morta.
Mas tô tão feliz...!

sexta-feira, julho 10, 2009

Orvalho da manhã

Recomeçar a viver é diferente de retomar a vida. Eu estou, depois de retomar minha vida, recomeçando a viver. Preocupando-me com as pequeninas coisas, como porque não fiz as unhas mais cedo ou como meu cabelo pode estar assim tão ressecado.

É, eu sei. Sempre entrei nas discussões de como isso tudo é cobrado da mulher. Superficial. Tem que andar depilada, maquiada, arrumada e outros "adas". Mas eu quase perdi isso. Minha vaidade. "Porque vaidade do outro lado não importa, não? Então não vou gastar assim tanto tempo nesse cabelo que, afinal de contas, vai cair com o tratamento."

Pois voltei à dermatologista para o tratamento que está, aos poucos, fazendo sumir as pequeninas manchas do meu rosto que poderiam um dia tornar-se malignas. Tirei a poeira da esteira e dos pesos. Voltei a olhar vitrines. A sentir frio no estômago. A desejar manhãs de domingo ensolaradas. A brilhar os olhos.

Voltar a ser mulher é um prazer indescritível.

quinta-feira, julho 09, 2009

...

Eu converso temas diversos com meus cachorros. E eles sempre me aconselham o melhor.
Eu tenho altas discussões com pessoas variadas enquanto tomo banho. Nem sempre eu ganho.
Eu me pego interpretando cenas de filmes que gosto enquanto estou limpando o terraço. E, normalmente, mudo o roteiro quando não concordo com os rumos do personagem.
Eu recitava trechos inteiros de "Hamlet" dentro do ônibus. Mas esqueci quase todos, então fico murmurando os que restaram enquanto espero o elevador.

Não, eu não tenho um amigo imaginário.
Não mais.

quarta-feira, julho 08, 2009

Das coisas boas

Acordar, num domingo ensolarado de outono, ao lado de alguém.

Acabano

- Dia das Mães (festa & presentes)
- Inferno astral Zé Colméia
- Aniversário Zé Colméia
- Festa na escola Zé Colméia
- Provas finais
- Obras fachada do apartamento
- Reforma (arrumação/doação)
- Final consultas psicopedagoga (devendo a última; MARCAR!!!)
- Inferno astral Catatau
- Aniversário Catatau
- Festa na escola Catatau
- Obras no telhado de casa
- Festa junina
- Início férias escolares:
* com o pai
* comigo
- Meu inferno astral
- Meu aniversário
- Volta às aulas

Falta pouco. Falta pouco. Falta pouco. Falta pouc...

terça-feira, julho 07, 2009

Fotógrafos XVI - Diego Sandoval Naza



Fragmentos de Pasión - Serie Flamenco 3



Fragmentos de Pasión - Serie Flamenco 5



Fragmentos de Pasión - Serie Flamenco 13



Fragmentos de Pasión - Serie Flamenco 22



Fragmentos de Pasión - Serie Flamenco 29



Fragmentos de Pasión - Serie Flamenco 34



Fragmentos de Pasión - Serie Flamenco 36



Fragmentos de Pasión - Serie Flamenco 49



Fragmentos de Pasión - Serie Flamenco 54

Eu tinha 18 anos. Era tarde da noite, cheia de coisas para estudar. A TV ligada na entrega do Oscar, e eu debruçada sobre meu trabalho de genética para entregar no dia seguinte. Então passaram esse clipe - a categoria era Melhor Filme Estrangeiro. Eu não conseguia desgrudar os olhos da tela. Não fazia idéia do que era flamenco, quem era Antonio Gades e, para mim, Carlos Saura era um diretor que havia feito um filme esquisitão chamado "Cria cuervos" (heresia! :o). No dia seguinte, procurei uma academia. Encontrei zilhares de cursos de flamenco, entupidos de alunas emperequetadas com xales e saias e flores nos cabelos. Dois meses depois, éramos só quatro na aula, e eu já tinha tomado uma advertência do síndico porque meus vizinhos não aguentavam o plec plec plec plec tac! dos meus treinos solitários de castanholas noite adentro.

Logo depois assisti "Bodas de sangue" num cinema poeirento (o hoje Cineclube Estação Botafogo). Uma obra-prima só comparável, para mim, a "O baile", de Ettore Scola. O final de "Bodas de sangue" é uma das cenas mais impressionates que já vi (pra quem não conhece a história: Federido Garcia Lorca leu, um dia, uma notícia num jornal que um casamento havia acabado num duelo trágico. Então escreveu "Bodas de sangre", a história de uma noiva que se casa contra a vontade - e o homem que ama também é casado. No dia das bodas os amantes fogem e são caçados pelo recém-marido-traído. Os dois duelam e morrem.)

No fim daquele ano eu era a única aluna. O curso acabou, mas eu já dançava num grupo. Nossa coreógrafa nos apresentou a Antonio Gades - eu, deslumbrada, só conseguia pensar em como ele tinha belíssimos olhos e era quase tão baixo quanto eu - e que no palco parecia ser muito, muito alto. Fui à Espanha, enchi meu guarda-roupa de vestidos e sapatos e penetas e leques e paixão, tudo empacotado oito anos depois - menos a paixão, que ainda mantenho dentro de mim.

Mais fotos de Diego Sandoval Naza aqui ou em seu site.

segunda-feira, julho 06, 2009

Entardecer



Minha primeira menstruação aconteceu quando eu tinha 11 anos. A lembrança mais forte que eu tenho é a de ter ficado muito assustada, com um tremendo nojo do meu próprio corpo. Eu então tinha uma existência pela frente para viver o constrangimento mensal de me preocupar se está aparecendo, se sujei a roupa, se vai dar tempo de ir àquela festa, se minha barriga está muito inchada, se essa cólica vai passar, se o remédio para enxaqueca vai fazer efeito, se é possível uma espinha crescer (e doer) tanto, se eu vou agüentar isso pelo resto da minha vida.

Não, não vou. Porque hoje, vendo minha filha mais velha desabrochar lentamente, ao me aproximar dos meus 43 anos percebo que o tempo que me resta de fertilidade está terminando. A cada mês que sinto meus seios incharem e minhas pernas tornarem-se pesadas comemoro secretamente mais um ciclo ganho. Não que eu vá ter mais filhos, mesmo desejando-os; não sou ingênua a esse ponto. Sei que a cota que me cabe nesta vida já a preenchi, e sinto-me realizada e agradecida por isso. Mas o pensamento de que um dia não terei mais a opção de gerar uma criança enche-me de uma tristeza amarga. Tornar-me naturalmente estéril é um pensamento que sou incapaz de entender. Ou aceitar.

domingo, julho 05, 2009

Há oito anos



Oito anos pesam. Principalmente quando você agora sabe ler e escrever, e empina o queixinho e fala, com aquele tom de "você está sendo desagradável e inconveniente" que não é mais um bebê. Aí a criatura olha aquelas bochechas adoravelmente roliças, os braços idem, aquela pele que parece creme de leite, o cabelo liso e reluzente, os olhos macios e ri. Because sorry darling, você É um bebê. Da vozinha de taquara rachada à risada soluçante.

Se ano passado ela era a princesa da torre de marfim, de uns tempos para cá não tem se levado muito a sério. Porque a vida é muito mais diversão do que pode sonhar a vã arrumação de cabelos & maquiagem. Principalmente quando se consegue (quase) sempre o que se quer. Seja revirando os olhinhos e virando o botão para jeito gordinho & fofo mode on ou esperando, pacientemente, qual gato no sol. Essa é a sua principal trunfo: a paciência. Deixa a irmã se descabelar. Deixa que eu me esqueça que disse "não". Deixa todo mundo esquecer, o tempo passar, os dias virarem no calendário. Mas ela não esquece. Meu carangueijinho anda para os lados, para trás, sempre de olho naquele dedão gordo do banhista desavisado. Então, quando menos se espera... NHOC!

Não que ela não mereça. É educadíssima, principalmente à mesa - tanto que ninguém nota, com tamanha finesse, que ela já devorou o meu, o seu, o dela e o do vizinho, miando no fim: "Mas como não tem mais? Acabou?" Os cadernos são caprichados, os livros impecáveis. Ela é, obviamente, a preferida da professora - dito pela própria, aos sussurros, na fila de entrada. Pasmem. A professora, redonda como minha filhota, ama Catatau de paixão. Mas quem não ama?

Ela ri e o mundo ri com ela. Ela chora e olhos se enchem de lágrimas ao seu redor. Ela pede colo, e inúmeros se oferecem para acolher aquele querubim cheiroso que despencou das nuvens. Mas que ninguém se engane. Ela é muito, muito esperta. Sabedoria sem maldade, que abre o coração à irmã que quer sentar na janela do ônibus, ou que quer um pedaço de chocolate porque já devorou tudo o que ganhou. Pois Catatau é econômica; guarda para o futuro, para quando porventura precisar, quem sabe, de um pedaço de doce num dia de inverno. Só não economiza o carinho, o afeto, o amor que distribuiu entre aqueles que moram em seu coração - e eu, confesso, sou a dona vitalícia da suíte master com hidromassagem.

Feliz aniversário, minha doce Catatau. Que você consiga abarrotar o seu cofrinho com toda a sorte do mundo.

* E grata, Renata, pela imagem. Porque é a cara da minha filhota :o)

sexta-feira, julho 03, 2009

Aquilo que editas



Zulu (Johannesburg, África do Sul)



Farsi (Teerã, Irã)



Lao (Laos)



Creole (Ilhas Maurício)

Ela tem 175 edições d'O Pequeno Príncipe, uma em cada idioma (incluindo línguas mortas, como latim; inventadas, como esperanto; e pouco faladas, como tirolês do sul) além de cinco em braille.

quinta-feira, julho 02, 2009

Cartesiana

- Mamãe, ralei o tocovelo.
- Cotovelo.
- To-co-ve-lo.
- Não, filha, é cotovelo.
- Mas é claaaaro que não. Cê tá errada.
- Não, não estou. É cotovelo.
- Mãe, você ontem tava falando que a gente pode aprender o que quer dizer uma palavra se desmanchar ela em pedacinhos - que nem "eletro" e "donéstico" [sic]. Pois então: quando a gente tava falando daquele homem na rua que não tinha braço, você disse que o que sobrou era um toco. Então. Eu ralei a ponta do toco. TOCOVELO!

Dois minutos depois:

- Mamãe, me arranja um toconete?

quarta-feira, julho 01, 2009

...

Inferno astral.
Ninguém merece.

Pelo caminho

A melhor coisa de ser amigo virtual é que as aparências não contam. Não importa se o outro é alto, baixo, gordo, magro, não tem braços ou prima pela ausência de orelhas. Você aprende a gostar do outro pelo que ele é, na essência. Mesmo que você tente mentir ou esconder algo, sempre acaba se revelando. Não tem jeito.

*

Puig é agridoce. Aquela literatura de bicha que não tem pudor nenhum de dizer tudo na sua cara. Se incomodou, o problema é seu: resolva-se, queridinho, e não canse a minha beleza. Se você tem problemas para dormir, não o leia à noite - porque vai ser de uma enfiada só, e não vai descansar enquanto não ler os três.

*

Ontem, aqui em casa, aconteceu uma revolta aberta, motim que eu sufoquei com um banho de castigo. As meninas tiraram tudo - TUDO - do lugar e espalharam pelo chão: 30 Pollys com suas roupinhas (herança da irmã mais velha devidamente empurrada para mim pela ex-mulher do ex-marido - tanto ex dá nisso), 7 Barbies, bichos de pelúcia, quebra-cabeças, panelinhas, livros, revistinhas, álbuns de figurinhas etc etc e mais etc.
Comecei a pedir que catassem tudo às 11h. Às três da tarde, já estava mandando; às seis, cada uma tinha levado uma palmada (mas o caldo já estava derramado, depois que Catatau enroscou um boá de plumas rosa-choque no ventilador). Às oito, mandei as duas saírem do quarto, arrumei tudo e decretei toque de recolher: ninguém passearia no domingo, ou veria televisão (que acabei liberando hoje, depois que recolheram os brinquedos que brincaram na varanda) nem comeria ovo de Páscoa.
Sabe, fico horrorizada quando vejo uma mãe socar uma criança na rua, quando ela não faz nada demais. Mas também eu não me reconheço quando, depois de uma semana arrasadora, um calor infernal, quero mais é tomar banho, sair e tomar um chope num Garota-de-Alguma-Coisa e a única coisa que vejo é uma casa intransitável.
A sanidade mental de uma mãe tem que ser elástica. Ela tem que se lembrar de tudo, detalhes, horários, datas, cores, nomes de coleguinhas. Tem que lembrar de expedir convites na data certa, achar o presente certo, o personagem certo. Comprar o tamanho certo, da cor exata e da princesa escolhida - jamais dê algo da Cinderela a uma menina que A-MA a Branca de Neve. É pecado mortal.
Estou muito cansada. Amanhã começa tudo de novo, e eu não fiz nada do meu fim de semana. E isso me deixa muito triste e culpada, porque às vezes eu rezo para chegar segunda-feira e me despedir das meninas na hora da entrada na escola.
É errado isso? Ou será que as mães se sentem assim? Ou será que sou só eu?

*

E-mail é um pouco carta, porque você espera chegar, sente prazer em abrir o envelopinho, se alegra quando a missiva é longa, fica decepcionada quando é curta.

*

O que eu gostaria de postar - se o trecho fosse meu: "Disseram-me que as estrelas aparecem com trinta anos de atraso, por isso olhar pro céu é como olhar o passado... Mas nem todas. Em algumas, a luz partiu há milhares de anos. Outras, como o Sol, há 8 minutos. Se ele explodisse – cogitou Sylvia Plath - a gente teria tempo apenas para fumar um cigarro... ou comer um Chicabon!..."

*

Porque amigo meu é promessa de amar a vida toda, na alegria e na tristeza, na saúde e na pobreza, na saúde e na doença.


Eu gosto de me lembrar quem eu já fui e de onde vim. Pra ver se ainda sou - e estou.

...




Zé Colméia teve um ataque quando um professor a segurou pelo braço. O que mais ela gritava era "Vou chamar a polícia! Homem não pode bater em mulher! Socorro!". Ela nunca fez isso. Fui à diretoria e expliquei para as novas coordenadoras o porquê do comportamento dela. Ela estava, simplesmente, tentando evitar que acontecesse com ela o que aconteceu comigo, por anos.

O pior tipo de violência contra a mulher é quando ela é perpetrada por quem ela mais confia. O estranho, este não sabe quem você é. Como no mito sobre os vampiros - eles só podem entrar na sua casa se você os convidar. E para isso eles cativam você, ganham a sua confiança e depois levam embora a sua vida, a sua essência.

A violência, quando é praticada por marido, acaba com a mulher. Nós não escolhemos pai, irmão, avô, tio. Eles já estavam ali quando nascemos. O padrasto não é escolha nossa, e sim da nossa mãe. Mas no caso do marido, ele passou pelos estágios de conhecido, de namorado, às vezes de noivo. Você aprendeu a confiar nele. Ele é, muitas vezes, o pai dos seus filhos. Você vive ao lado dele. Passou anos conhecendo-o - e um dia ele bate em você. Humilha você sexualmente - seja chamando-a de frígida, seja forçando-a.

Você mostrou a ele todas as suas fraquezas - e ele sabe como usá-las para derrubar o que você tem de forte. E a mulher não consegue sair do círculo vicioso que a vergonha (injustificada) a empurra. Porque ela não pode se queixar - foi ela quem "casou errado". É dela a responsabilidade de garantir o sustento dos filhos e a união da família - mesmo que isso signifique ouvir diariamente "Você é uma inútil" ou receber cusparadas no rosto. Ou, pior, apanhar grávida - e na cabeça, que é pra não deixar marcas.

A mais terrível história de horror é aquela que deixa marcas indeléveis porque não há para onde ir. Quem a atacou foi um estranho? Com cuidado e com o tempo, você vence as barreiras levantadas pelo "estranho" e dá então uma chance àquele cara realmente adorável e digno de confiança. Mas quando quem fez mal à mulher foi um cara adorável digno de confiança - como distinguir? Como confiar novamente, se você já fez isso - namorou o cara por cinco anos, morou junto por três e quando casou e teve filhos começou a viver uma história de horror? Você foi até o fundo do poço - não tem mais como cavar à procura de uma "confiança mais confiável".

E então você vive com medo - de que o próximo cara adorável se mostre, quando você abrir a porta finalmente para ele, o vampiro que vai levar embora sua auto-estima, seu amor-próprio, sua capacidade de confiar num homem, novamente.

Eu já me encolhi de medo quando um amigo de anos, com quem saí uma vez, espantou um mosquito no meio de uma discussão com outra pessoa. Ele disse que nunca vira um olhar tão horrorizado no rosto de alguém. Essa sou eu. Eternamente encolhida, quer se note ou não. E esse sentimento vai e volta, quando eu penso que ele está morto e enterrado. Como agora, quando a única coisa que consigo sentir, depois de anos, é medo e muita, muita vergonha de ver que não fui a única atingida: Zé Colméia também o foi, e por isso, mesmo com terapia, não quer que eu namore de novo, não quer outro homem nas nossas vidas, porque ela não quer mais ver sem sentir o que viu e sentiu.

Vamos, as duas, ter que aprender a confiar novamente.