domingo, dezembro 30, 2007

80

Calor. Muito calor. Dei banho nos cachorros - e eles agradeceram.

Sozinha em casa, meninas com o pai. A casa fica muito silenciosa, mas ele não consegue jamais deixar a irritação de lado quando as meninas me ligam 18 vezes ao dia para conversar, fofocar, pedir conselhos ou avisar que se machucaram. Dependência: palavra inexistente no dicionário das mães.

Ceia de Ano-Novo: tudo velho, sem idéia do que fazer.

Como assim Robert Palmer morreu?

"As cem melhores canções dos anos 80". Sim, vamos esfregar na cara o quanto todos estamos ficando velhos. Aquele som inovador do REM agora é clássico. Todo som novo que eu descobri é clássico. Menos eu - eu não virei um clássico. "Fight the power"; "What I like about you" (The Romantics; como uma banda pode se chamar assim?), "Love shack", "Kiss"! Prince com três músicas; Mr. Nelson rules! Michael Jackson é o clássico dos clássicos, junto com Rufus & Chaka Khan, The Cure, Echo & The Bunnymen (não, eles não estão na lista. Mas Katrina and The Waves estão!) e outros.



Um dia eu quis ser como Paula Abdul dançando para Arsenio Hall em "Straight Up" A dinossaura tenta explicar à amiga de 16 anos nomes como Poison, Whitesnake, AC/DC, Joan Jett, Young MC, Bruce Springsteen (sim, The Boss), Rick James, Depeche Mode, INXS ("I need you tonight/ 'Cause I'm not sleeping/ There's something about you girl/That makes me sweat" - a conversa mais mole que eu já ouvi na boca de um homem bonito :o) e outros - e porque eu achava absolutamente lindo o dono do mullet mais poderoso dos anos 80: Bono Vox. VH1, I love you.

Eu gostei dos anos 80. As mulheres tinham o direito de serem gordinhas (vide Madonna e as meninas do Go-Go's) e de usar o cabelo crespo (e, ironia, quem não tinha armava o seu com laquê).

Sempre fazia aquela continha básica na calculadora: quantos anos eu teria no anos 2000. E ficava hor-ro-ri-za-da com o resultado: 34 anos. Não conseguia nem por bula papal me imaginar com mais de 30. Rá... Rá rá.

Digressão filosófica: Jim Kerr (Simple Minds) cantando "Mandela days" me fez pensar no vazio existencial (ugh) que tenho sentido faz tempo. Quer dizer, minha juventude assistiu grandes eventos. Quando eu tinha meus 20 anos o mundo lutava contra "inimigos" claros, por assim dizer: Mandela sob prisão perpétua e o apartheid; a fome da África; a abertura do regime político no Brasil; idem para Argentina e outros países latino-americanos; a Alemanha dividida; Ronald Reagan e sua "Guerra nas Estrelas"; a União Soviética que ainda mantinha Sakarov exilado em sua própria casa, em Gorki; a frente pela libertação de Rudolf Hess, o último e único prisioneiro de guerra alemão em Spandau. O mundo mudou muito ou eu não estou mais prestando a menor atenção nele.

Você sabe que está ficando velha quando o cara que você queria casar tá ficando careca (btw, eu vi os pais dele... hum... namorarem e se casarem. Eu vi essa criatura nascer. Estive praticamente na concepção do dito cujo!) e você torce fervorosamente para que a banda que você gostava faça uma reunion tour. TDUD, I love you.



Está tudo muito confuso, hoje.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Por último

Uma das coisas que minha avó dizia era que, se você não tem nada de bom a dizer, não diga nada. Faz tempo que tenho pensado em mudar o status do meu Breviário para que só eu possa ler. Porque faz tempo que eu não tenho nada de bom para dizer. E as pessoas, quando lêem o que eu escrevo, também não têm o que dizer. Dizer o quê?

Passei o Natal sozinha - as meninas foram para a casa do pai. Nunca tinha passado o Natal sem elas. E como doeu. Não montei a árvore, não pendurei a guirlanda na porta, não botei as meias vermelhas na janela. Nunca imaginei que me sentiria tão profundamente triste como me senti.

Como estou sem dinheiro, comprei duas camisolas de uma vizinha, embrulhei os livros que sobraram ainda do tempo em que eu ainda recebia livros infantis, duas bolsinhas compradas em camelô e foi isso. E sentia muito medo de elas não gostarem de nada, de acharem tudo insignificante perto do que ganhariam na casa do pai.

Elas voltaram ontem carregadas de presentes. Cada uma segurando a sua Miracle Baby - R$ 300 reais cada - muitos brinquedos, roupas, vestidos, walkie talkie da Xuxa, bichinhos que ronronam e andam. Tudo jogado nas sacolas das lojas dos outros presentes trocados na casa do pai: Cantão, Sacada, Imaginarium, M. Officer, Osklen.

Dei os meus presentes, esperando que elas gostassem; Catatau me abraçou e disse que era a camisola mais linda que ela já tinha visto; Zé Colméia despejou tudo da sua bolsa antiga e encheu a nova.

E foram dormir. E eu dormi abraçada com elas, pensando e pedindo que 2008 seja melhor. Seja de menos dor, mais comida e descanso, mais alegrias e menos preocupações.

Hoje de manhã, tomando banho para ir trabalhar, tudo subiu de uma maneira tão brutal que vomitei na banheira. Tremia inteira de tanto ódio, de tanta amargura pela lembrança dele dizendo à juíza que ele mal ganhava para viver. E as sacolas dos presentes. E as duas bonecas a R$ 600. E eu chorei até meus olhos secarem embaixo do chuveiro. E eu desejei que ele morresse, e eu odiei o Natal. E odiei minha vida, tudo o que eu vivo hoje. Odiei, odiei, odiei.

Porque eu pedi de Natal, quando estava sozinha na minha cama, ouvindo os vizinhos comemorarem e rirem e desejarem-se paz, que eu não odiasse mais. Que eu tivesse apenas coisas boas e alegres e cheias de otimismo para escrever aqui. Que eu pudesse lidar melhor com a incapacidade de trabalhar mais, de arranjar um emprego decente que me desse um plano de saúde, dinheiro para alimentar minhas filhas corretamente, para não dever mais nada a ninguém, que me desse novamente satisfação, que me desse a oportunidade para ser disponível para alguém.

Que eu pudesse recuperar na alma os anos que eu deixei pra trás. Que eu pudesse ser novamente a mulher que eu era, que achava coisas boas em tudo, que raramente achava motivo para chorar. Que não maldizia ninguém, que era batalhadora, briguenta, forte, vivaz.

Eu não quero escrever mais isso aqui. Eu quero desejar Feliz Natal e próspero Ano Novo como todo mundo. Não quero odiar meu ex-marido por ele fazer o que faz. Não quero mais me sentir incomodada com a felicidade dos outros. Com o riso dos outros. Com a paz dos outros.

Eu quero a minha própria paz.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Adriana

Adriana Lisboa é uma mulher excepcional: além de grande escritora, é uma tradutora esplêndida e uma amiga de coração reluzente. Há anos deixei a editora que era a dela, mas ainda mantemos (pouco) contato. Ela me mandou isso, e espero que sensibilize vocês como tocou a mim:

"Amigos e amigas,

Uma amiga nossa, Vera Alves, que morou nos Estados Unidos durante quarenta anos e agora está de volta ao Brasil (em Florianópolis), mandou a notícia abaixo:

'Dou aula de inglês para meninos na minha vizinhança que são de famílias pobres e são vítimas do ensino falho da escola pública. Com isso, acabou ampliando para português, e tudo mais, onde vejo falhas. Comecei um clube de leitura, que no momento só envolve 3 crianças, mas um dia por semana nos reunimos para ler. Cada uma lê um capitulo, comentamos o que foi lido para verificar o entendimento, e está indo bem. Uma menina foi pela primeira vez na biblioteca e tirou um livro para ler! fiquei tão feliz. Tínhamos lido a 'Bolsa amarela' da Lygia Bojunga, e ela foi atrás da 'Casa da Madrinha'... Não é maravilhoso? Estou com esse projeto com os livros infanto-juvenis que tenho. Livros são caros e não estou podendo comprar. Pegar livros no centro fica difícil porque viajo de ônibus. Tudo dando certo antes que acabem meus livros, já vou ter um carro... Comecei também uma campanha de reciclagem na minha rua e está começando a funcionar.'

Vera está fazendo isso porque sim. Não está ganhando nada – nem está pedindo nada. Mas resolvi escrever pra vocês: se acharem que podem contribuir com livros infanto-juvenis para esse projeto dela, solicitando exemplares junto a suas editoras ou doando livros usados em bom estado, por favor escrevam pra ela: alves.vera@gmail.com

Agradeço em nome da Vera, e em nome desses pequenos leitores."

Tenho muitos livros infantis em casa que as meninas não lêem mais. Quantos desses livrinhos a gente não ganha naqueles saquinhos de brindes de festas infantis?
Quem aqui do Rio quiser colaborar por favor me avise que eu vou buscar os livros; faço um pacote só e mando para Floripa. Quem estiver em outras cidades... Bom, qualquer ajuda é bem-vinda!

Ouvindo



Anita O' Day. Que voz.

Inícios e fins

Uma das coisas que eu mais faço (aliás, faço mais do que o habitual) é pensar no passado. Eu sou canceriana, e acredito que possa descontar aí a minha mania de sempre pensar e repensar o passado, imaginar caminhos outros que não os que eu escolhi, jogar mentalmente com as infinitas possibilidades que se apresentaram. Não, jamais me arrependi do que eu fiz - mesmo me casar, porque se não fosse meu ex minhas filhas não seriam assim tão especiais. Não seriam o que são.

Estava eu pensando em ritos de passagem. Porque agora eu venho sozinha trabalhar de manhã - as meninas estão de férias. Então eu sento no ônibus e venho pensando. Ritos de passagem. Há sempre acontecimentos que, parece, encerram uma etapa da nossa vida. Às vezes é uma frase, às vezes uma situação.

Eu me lembro quando minha infância de encerrou. Eu tinha uns 12 anos. Morávamos em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Meu pai trabalhava em outra cidade, e precisava ir receber um dinheiro extra na capital. "Por que você não vai hoje, pai?" "Porque eu tenho R$ 18 e a passagem de ônibus custa R$ 23." "Pega mais no banco." "Não há mais o que pegar. O dinheiro acabou."

O dinheiro acabou. Salário. Contas. Despesas. O dinheiro acabou. Alô, responsabilidades.

Sentada em frente ao computador na minha sala, na editora em que eu trabalhava, me dividia entre pilhas de livros para examinar, uma lista de autores para contactar, jornalistas esperando respostas, eu correndo pra dar tempo de pegar Catatau na creche e levá-la ao pediatra, voltar ao trabalho e depois, às sete da noite, correr para a FGV para o curso que graciosamente a publisher da editora tinha conseguido para mim. Entra a mensagem do meu ex: "Você não disse que ia escrever a coluna pra mim hoje?" "Não posso, estou atolada de trabalho. Por que você não escreve?" "Porque você se comprometeu, sua inútil." Me lembro até hoje da posição da mensagem na tela. A dor que eu senti na hora - e que eu sinto ainda hoje, e que agua meus olhos nesse exato momento.

Ali, naqueles segundos que eu levei para ler essa frase, meu casamento acabou.

"Oi Helena!" E aí a pessoa piscou os olhos, se desculpou e sorriu: "Desculpe, achei que era a sua mãe." Minha mãe, com seus 68 anos. E eu me olhei no espelho do elevador e vi que estava vestindo o mesmo tipo de roupa que a minha mãe. Uma mulher de 40 anos vestindo-se como uma de 68 anos.

Não, sou muito muito nova pra me enterrar assim. Muito nova pra aceitar que a vida é "deixa pra lá", é "não vale a pena". Muito nova pra ser um zero à esquerda, "uma inútil".

...

Dessa vez foi apenas um dia e meio sentindo pena de mim: estou ficando rápida em engolir o sapo.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Cintilante

R$ 25 mil em dívidas, uma tuberculose que não se curou, muita solidão, noites de insônia, dias engolindo em seco, nunca nenhum almoço, choro escondido no chuveiro, privações, brigas, impotência, quase nenhuma paz de espírito: tudo sumiu naquele exato momento em que, no meio da nuvem de lágrimas que não consegui controlar, Catatau sorriu pra mim, vestida de branco, tiara de strass na cabeça, anel reluzente no dedo gordinho e diplominha na mão, na frente de sua turma.

Minha pequena se formou. Eu chorei muito, porque a felicidade em Catatau não é uma experiência solitária, egoísta, pessoal: minha filha tem o dom de fazer com que todos vejam que ela está feliz e, como por encanto, todos se sintam felizes também.

E ela sempre faz isso, mesmo inconscientemente. Ela foi Maria no peça de Natal. Contrita e com olhar humilde, vestiu seu manto pobre e surrado. "Cumpra-se em mim a vontade de Deus", disse ela, tentando ser grave naquela voz esganiçada dos seus seis anos, ao saber pelo anjo que seria mãe do filho de Deus, olhando para o céu e levantando as mãos.

O manto escorregou, os braços ficaram nus - e a platéia riu baixinho (que é pra ela não ficar sentida; e dali de cima eu vi que ela sorriu) ao ver a pobre Maria, no casebre onde morava, usando um rico bracelete de "diamantes" - porque minha filha pode ser pobre, limpinha e humilde, mas imagina se não ia botar um brilho na sua formatura! Como ela mesma diz, "Mãe, se você não tem brilho você não tem nada!"

A gente, nessas horas, tem certeza de que vive pra isso.

terça-feira, dezembro 11, 2007

Ao infinito

Catatau se forma essa semana. Jamais imaginei a dimensão do orgulho dela em deixar a pré-escola (o chamado Ensino Básico) e entrar no Ensino Fundamental. Na cabeça dela - e apesar de todas as suas dobrinhas, furinhos e risadas de bebê - ela agora é, definitivamente, uma menina crescida, que já assina o nome, tem sua "chamadinha" (como ela chama sua carteira de identidade) e sabe dar o laço no sapato e fazer rabo-de-cavalo sozinha.
"Tô crescendo, mamãe!"
É, filha, eu sei. Pena que isso dói à beça em mim...

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Empregos

"Empresa situada em Realengo seleciona SECRETÁRIA com as seguintes características:

Ser do Signo de Capricornio, virgem ou Leão
Ser Dinâmica
Até 35 anos
Nivel superior ou cursando, preferêncialmente do Curso de Administração
Ótimos conhecimentos em Word e Excel.
Salário: R$ 500,00"

Puxa, sou canceriana...

terça-feira, dezembro 04, 2007

...

Chega uma hora na vida da gente em que a vontade é entregar os pontos. Dizer "cansei" e deixar a maré nos puxar para o fundo, mandar alguém tomar conta, desistir. Depois de perder minha afilhada de maneira estúpida, Zé Colméia está suspensa da escola por dois dias, por ter agredido um inspetor com uma tesoura. A escola sugere "com veemência" que ela faça terapia. Catatau fala de uma maneira que ninguém entende, e para o próximo ano terá que fazer fonoaudiologia. Ambas precisam urgentemente ir ao dentista, e a editora que me contratou para dar consultoria - e que me exigiu full time - acaba de me comunicar que o pagamento do próximo dia 5 (ou seja, amanhã) é o último. Posso então contar em receber R$ 0 em janeiro. R$ 0 no mês em que as crianças estão de férias em casa, comendo e gastando o dia inteiro. R$ 0 no mês das listas de material escolar, dos uniformes. Mês parado no mercado editorial, sem nada pra fazer. R$ 0 num mês sem trabalho.

Eu já cansei de contar as vezes em que eu caí e me levantei. Já perdi nas lembranças quando almocei pela última vez, uma refeição decente, não pão com margarina e água - quando tenho dinheiro para o pão e a margarina, e gasto sem pensar em quantas passagens de ônibus esse mesmo valor pode pagar. Já esqueci quando comprei alguma coisa boa para mim, sem sentir culpa. Quando dormi tranqüila à noite com as contas pagas. Quando tive dinheiro para uma emergência. Quando sentei e tomei um chope. Quando, com centavos no bolso, não enganei o trocador de ônibus dizendo que peguei a linha errada - fazendo isso umas quatro vezes para tornar menos penoso o caminho até o lugar onde eu receberia dinheiro. Não me lembro o exato momento em que deixei a vergonha e o pudor de lado e comecei a achar isso normal, aceitável, justificável.

Já me esqueci da última vez em que atendi o telefone sem medo de ser alguém me cobrando dinheiro. Quando pude comprar alguma bobagem para as minhas filhas. Quando deixei que comessem quantos biscoitos quisessem. Quando levei as duas para comer fora sem me arrepender amargamente depois. Quando pensei em me tornar interessante para o mundo e deixar de ser a sexualmente morta que sou hoje.

Não me lembro mais quando mandei consertar alguma coisa quebrada, quando marquei uma consulta médica e fui, sem precisar me preocupar se teria dinheiro para o remédio depois. Já me esqueci quando foi a última vez em que não pensei em dinheiro, dívidas, o futuro imediato das meninas ou como sobreviver à próxima semana, ao próximo mês.

Já me esqueci quando foi isso. Ouvindo a pessoa do outro lado dizendo "Não precisamos mais dos seus serviços" me lembrei da cara de desolação de uma conhecida da minha mãe, ao saber que eu estava desempregada: "Seus pais não criaram você para essa vida." Naquele dia, inexplicavelmente, sem razão, senti vergonha, uma imensa e devoradora vergonha de ser o que eu sou.