segunda-feira, agosto 31, 2009

Lullaby



No início, o novo proprietário finge que jamais olhou para o chão da sala. Não chegou a olhar de verdade. Não da primeira vez que eles examinaram a casa. [...] Então, na primeira manhã, descem, e lá estão as letras rabiscadas no assoalho de carvalho branco:

SAIAM

Alguns dos novos proprietários fingem que aquilo foi uma brincadeira feita por um amigo.[...] Duas noites depois, um bebê começa a chorar dentro da parede norte do quarto principal.
Geralmente é então que eles ligam.
Mas nossa heroína, Helen Hoover Boyle, não quer saber desse novo proprietário ao telefone esta manhã.

Nem desses gemidos e dessa gagueira.

Ela quer mais uma xícara de café e uma palavra de oito letras para "ave". Quer ouvir o que está acontecendo no aparelho de capta a frequência policial do rádio. [...] Assassinatos, suicídios, assassinos compulsivos, overdoses acidentais, não dá para esperar a coisa sair na primeira página do jornal. [...]

É claro, a mensagem apareceu no chão da sala. O estranho é que o bebê só costuma começar a chorar na terceira noite. [...] Se os proprietários ainda resistirem, dali a uma semana estarão ligando para falar a respeito de um rosto que surge refletido na água quando se enche a banheira. Um rosto inchado, cheio de rugas, com dois buracos escuros no lugar dos olhos.

[...] O número 325 de Crestwood Terrace não é uma casa ruim: estilo Tudor, com telhado novo, quatro quartos, três banheiros, um lavabo e uma piscina. Nossa heroína nem precisa consultar a ficha. Vendeu a casa seis vezes nos últimos dois anos.

Uma outra casa em Eton Court, no estilo da Nova Inglaterra: seis quartos, quatro banheiros, vestíbulo revestido em pinho e sangue escorrendo pelas paredes da cozinha. Helen vendeu essa casa oito vezes nos últimos quatro anos. [...]

Dentro de uma hora, ela precisa estar mostrando uma casa em estilo Queen Anne, com cinco quartos, apartamento para a sogra, duas lareiras a gás e o rosto de uma suicida morta por barbitúricos que aparece tarde da noite no espelho da penteadeira. Depois disso, há o rancho com piso em vários níveis; aquecimento, alcova rebaixada e a recorrente aparição dos tiros fantasmagóricos de um homicídio ocorrido há mais de uma década. [...]

- Preciso que você dê uma passada no número... 4673 de Willmont Place. Estilo colonial holandês, quatro quartos, dois banheiros e um homicídio com agravantes. [...] É só fazer o de sempre - diz Helen, escrevendo o endereço num cartão e estendendo-o para [Mona, sua secretária]. - Não tente decifrar nada. Nada de queimar salvas. Não exorcise porra nenhuma.

Mona pega o cartão:
- É só conferir as vibrações?

Helen corta o ar com a mão:
- Não quero ninguém adentrando túneis em direção a uma luz brilhante. Quero que esses monstrinhos fiquem aqui mesmo, neste plano astral, obrigada. [...] Eles têm a eternidade inteira para ficarem mortos. Podem muito bem continuar naquela casa por mais cinquenta anos, chacoalhando correntes. [...] O que você sentiu naquela casa em estilo espanhol ontem?

Mona revira os olhos [...]: - Decididamente há uma energia ali. Uma presença sutil. Mas a planta arquitetônica é maravilhosa.

Nossa heroína diz:
- Caguei para a planta arquitetônica.

[...] O bangalô da rua Elm 521 tem quatro quartos, encanamento original e gritos no sótão. A casa estilo normando francês, no número 7645 de Weston Heights, tem janelas arqueadas, despensa para o mordomo, portas de vidro e um corpo com facadas múltiplas que aparece no corredor do andar superior. [...]

Os corretores as chamam de casas perturbadas. Eram casas que jamais eram vendidas, pois ninguém gostava de vendê-las. [...] Ou então eram casas que eram vendidas e revendidas a cada seis meses porque ninguém conseguia morar nelas. [...] Essa era Helen Hoover Boyle. Nossa heroína. [...] Esse era apenas mais um dia na sua vida. Esse era o estilo de vida dela antes que eu aparecesse. Talvez esta seja uma história de amor, talvez não. [...] Isto é sobre Helen Hoover Boyle.[...]

- Bill Burrows? Você precisa colocar a Emily na extensão, pois encontrei o lar perfeito para vocês dois. Pelo que entendi, os proprietários estão altamente motivados a vender.


Chuck Palahniuk, "Canção de ninar"
Editora Rocco, 2002


Uma palavra: sen-sa-ci-o-nal.

Sala da Justiça

Você sabe que é mãe quando:

- Faz o café da manhã, arruma o cabelo das filhas, troca a água do cachorro e se veste - tudo ao mesmo tempo.

- Faz um sari de cetim charmeuse costurando a mão (incluindo 8 colchetes) em duas horas (porque foi o tempo que durou "Bolt") e todo mundo na festa pergunta [orgulhobesta] "Onde você achou esse sari leeeendo? É importado, né?" [/orgulhobesta]

- Arranja uma fantasia de princesa absolutamente deslumbrante & barata andando pelo centro da cidade às nove da manhã de sábado - porque a fantasia antiga da caçula de oito anos a faz parecer "Miss Suéter Molhado" - e sua filha diz "É mais bonita que as da Barbie!"

BlogDay 2009



O que é o BlogDay?
BlogDay foi criado na convicção de que os bloggers deverão ter um dia dedicado ao conhecimento de novos blogs, de outros países ou áreas de interesse. Nesse dia os bloggers recomendarão novos blogs aos seus visitantes.

O que acontecerá no BlogDay?
Durante o dia 31 de Agosto, bloggers de todo o mundo farão um post a recomendar a visita a novos blogs, de preferência, blogs de cultura, pontos de vista ou atitude diferentes do seu próprio blog. Nesse dia, os leitores de blogs poderão navegar e descobrir blogs desconhecidos, celebrando a descoberta de novas pessoas e novos bloggers.

BlogDay instruções:

1. Liste cinco novos blogs que você ache interessantes.
2. Escreva uma breve descrição dos blogs indicados e adicione o respectivo link.
3. Notifique por email esses cinco bloggers de que serão recomendados por você no BlogDay 2009.
4. Publique no BlogDay (no dia 31 de Agosto) esse post.
5. Junte a tag do BlogDay usando este link:
http://technorati.com/tag/blogday2009 e um link para o site do BlogDay: http://www.blogday.org



1. Viaje a la guerra: conheci pesquisando para um trabalho num site de notícias. Quer saber o que está acontecendo (sem filtro) em áreas de conflito pelo planeta? Hernán Zin conta (e fotografa).

2. Bookslut: Livros, livros, livros. E mais livros.

3. Art Deco: uma seleção mara, preciosidades idem, bom gosto de sobra. Fotos antigas, capas de revistas, ilustrações. Mariana celebra a Era do Jazz como ninguém.

4. Bibliodissey: Antiguidades literárias, ilustrações vintage, mapas-mundi, catálogos. É homem e eu casava. Juro.

5. Bitaites: Marco escreve tão bem, mas tão bem que só indo lá pra ver (e olha que eu não estou falando nada das fotos, nem dos posts sobre astronomia...)

O texto de abertura roubei da Naomi, porque preguiça é universal - e uma vergonha, principalmente porque eu estou lá na lista dela - link indireto é muito bão, viu?

quinta-feira, agosto 27, 2009

Tô dizeno...

"ChantalPorter (Porter505) is now following your tweets on Twitter."

Chantal who?

Ninguém acredita

As meninas ontem trouxeram uma circular na mochila comunicando o primeiro caso de suspeita de gripe suína na escola. Aí, quando digo que parece que eu fiz striptease em cima da mesa da Santa Ceia, ninguém leva fé: a criança é da turma da Zé Colméia. E a irmã dela (obviamente também entrou na quarentena) é colega de sala da Catatau.

E então as duas turmas (e só elas, dentre todas as do colégio) ficarão sem aulas até o dia 3 de setembro.

Já recebi o telefonema do meu contato dizendo que meu passaporte (oi, Cirlene Gerusa Batista, prazer) - já tá pronto. Agora só falta a peruca loura.

quarta-feira, agosto 26, 2009

Vésperas

Cris: cruzes!
esse xarope deve ser o ó!!!

eu: É sim, desce queimando! A gente tosse só de tomar, mas parece que derrete tudo lá por dentro.

Cris: é vc nessa fotinha?

eu: Sim, sou eu. Que tal? Tirei aí em Nikiti, no Parque da Cidade. Láááá em cima.

Cris: linda!

eu: Né não? Quando eu crescer vou ser rica e comprar uma casa em Santa Rosa.

Cris: uai, e precisa ficar rica? muda pra cá, oras...

eu: Ah, preciso sim. Porque eu quero A CASA em Santa Rosa.
Entende?

Cris: vc sempre querendo o ideal...

eu: É, eu sei... :(

Cris: por isso não gosto de platão...

eu: Nem eu. Uma mala sem alça.

Cris: ahuahauhauhauahuhaua!

eu: Puxa, eu estava falando sério. Discutindo filosofia de uma maneira mais leve, mais Mundo de Sofia.
Magoou...

Cris: platão mala se alça foi tudo...

.....

Cris: já encomendei um livro pela amazon. "Wittgenstein: the duty of the genius"
papi me deu dim dim

eu: Uia! Cris tá rica!

Cris: (assim ce vai pensar que eu trabalho na zona)

eu: E ainda inventa presente do papai!

Cris: esse comentário aí em cima foi pra outra janela
a lerda aqui esqueceu de mudar
KKKKKKKKKKKKKKK!

eu: Puxa, não sou exclusiva aí na sua tela?
Que decepção...

Cris: tem uma amiga de fortaleza que sempre aparece nessa hora

eu: Sei. Amiga de Fortaleza. Tá.

Cris: eu tô dizendo pra ela que tá na hora de eu ir dar banho na perseguida pra ir trabalhar
(mas eu não trabalho na zona)
ué, quem haveria de ser?

eu: Num sei. Eu que vou saber? O marido ausente e coisa e tal... E o Demian chegando, e coisa e tal... O garoto é uma gracinha, e coisa e tal... E você agora diz que vai banhar a perseguida, e coisa e tal...

Cris: o pedro é GAY!!!
uma pena, mas é...

eu: So...?

Cris: conheci o puto em sampa

eu: Tá morto, por acaso?

Cris: ahuahauhauahuauaa!

.....

eu: Comigo tudo indo. Quando o nível de problema alcança aqueles níveis insuportáveis eu começo a sublimar...

Cris: haja jack bauer...

eu: Sou mala mas você me ama, eu sei...

Cris: aliás, que inveja.

eu: Por que inveja?

Cris: eu não consegui comprar a rolling stone

eu: Te empresto.

Cris: dei uma olhada rapidinha na revista de um aluno

eu: Tá cheia de spoilers.

Cristiane: nem ligo. (...) o gui quer ter toda a coleção de dvds
só se eu vender um rim
ou o corpinho, que é bem melhor, convenhamos

eu: (...) Eu baixei tudo de Journey, Aerosmith, Sly and the Family Stone, Eric Clapton, High School Musical, The Cheetah Girls... Sem falar nos episódios e longas...
Dá pra ver o quanto eu estou trabalhando...

Cris: tô vendo
surtou?

eu: Como assim, surtou? Quer dizer, além do normal?

Cris: é, além do normal

eu: Tô cansada, Cris. Minha vontade é só bundear. Até minha pequena já aprendeu esse termo. Bundear. Tão anos 70!

Cris: bundear é ótemo
guerreiras também descansam, babe

eu: Não é? Quando eu falei ela perguntou o que era isso. Eu disse: "Ah, filha, bundear é levar a sua bunda da cama pra mesa, da mesa pro sofá, do sofá pra cama de novo... Só quem trabalha é a sua bunda, levantando e sentando e deitando em qualquer lugar da casa. A gente faz isso quando o resto está com preguiça; aí só a bunda trabalha." Ela rachou de tanto rir...

Cris: muito boa definição...
:)
ó, agora a doentinha aqui precisa papar
otília acabou de me chamar

eu: Antes do meio-dia? É ruim quando a terceira idade chega, né?
Vai lá, D. Crisoldina.

Cris: muito.
daqui a pouco vou precisar de alguém pra me levar pro banho de sol.
só que hoje tá chovendo!!!!!
kkkkkkkkkkkkkkkkk!
a gente precisa se falar mais.
você some, desaparece. e eu ainda tô te devendo um chocolate.
aliás, eu não, o coelho. foi ele que inventou aquilo.
depois a gente se fala mais. beijo!

eu: Chovendo? Aqui tá um sol de rachar!

Cris: aqui tá caindo o mó toró!

eu: Vou lá na janela ver.
Holy crap! Niterói sumiu!!!

Às vezes a gente precisa ser lembrada de que já teve um ótimo humor. Que já se divertiu com tão pouco. E que há amizades que estão tão pertinho da gente.

Beijos e obrigada, Cris. Eu estava mesmo precisando disso.

Por que será

Gente estranha e muito esquisita que me adiciona segue no Twitter.
Eu, hein.

terça-feira, agosto 25, 2009

Fotógrafos XVIII - Gerda Taro



Two Republican soldiers with a soldier on a stretcher, Navacerrada Pass, Segovia front, Spain - Late May–early June 1937



Republican dinamiteros, Carabanchel neighborhood of Madrid, Spain, June 1937



The Republican soldiers at Segovia front in Spain, July 1936



Republican militiawoman training on the beach outside Barcelona, Spain, August 1936



Air raid victim in hospital, Valencia, Spain, May 1937



Gerda Taro, Guadalajara front, Spain, July 1937, photographer unknow

Ela só tinha 27 anos quando morreu. Gerda decidira voltar ao front de Batalha em Brunete (uma das mais terríveis da Guerra Civil Espanhola), onde assistiu aos terríveis bombardeios da aviação nacional. Tirou ainda milhares de fotos. O comboio, voltando da frente de batalha (Gerda viajando no estribo do carro do General Walter, membro das Brigadas Internacionais), de repente foi atacado por aviões inimigos que lançaram bombas em rasantes sobre os caminhões e metralhavam quem se movesse no chão, fazendo com que os carros e caminhões começassem a manobrar desordenadamente. Acidentalmente, um tanque republicano acabou por atingir Gerda Taro, derrubando-a do carro e atropelando-a. Ela morreria no dia seguinte - 26 de julho de 1937, a seis dias de completar 27 anos.

Ela e Andre Friedman, um judeu húngaro que tentava ganhar a vida como fotógrafo, criaram a figura mítica de Robert Capa, o intrépido fotógrafo americano. Venderam a publicações centenas de fotos da autoria de ambos, sob a assinatura de Capa. Não são poucos os que dizem que a famosa imagem do miliciano sendo baleado na cabeça é dela, e não de Andre Friedman (que tomou o pseudônimo criado por ambos depois que ela morreu). Ele alcançou a glória na história do fotojornalismo; ela é citada em matérias sobre ele como "a companheira de Capa que morreu jovem".

segunda-feira, agosto 24, 2009

Desencaixe II

UPDATE: Agradeço a força. E sim, eu me amo e me quero bem. Mas, como ser humana, tenho meus dias bons e ruins, quando estou cansada, estressada e lesionada, e me lembro dos tempos em que a única coisa que eu tinha com que me preocupar era se eu chegaria a tempo pra pegar as peças boas na liquidação da Yes, Brazil, ou se ia dar praia no sábado - e como estudar pra prova de citologia se domingo tinha A festa. Eu posso ter odiado minha vida até hoje (o que não é o caso) mas não trocaria nada - nem mesmo a possibilidade de eliminar meu ex antes de ele se tornar marido - pela existência das minhas filhas.

E Anônimo: eu não gosto de comentários anônimos - por favor, identifique-se.

Sai fora

Tem dias em que eu estou com um mau humor apocalíptico (como hoje, com Zé Colméia em casa, depois de o pai levá-la ao jogo do Vasco meia hora depois de ela desmaiar - de fome e gripe - na porta do Maracanã). E nesses dias... bom, Deus (ou o diabo) ajude a humanidade. Porque nada mais irritante do que isso:

- Por favor, gostaria de falar com fulano.
- Quem deseja?
- É Suzana.
- Suzana de onde?

"De Vênus."
"Da esquina."
"Do blog 'Ex-maridos devem morrer castrados'" (uso variantes dessas quando ligo pra redação do dito cujo. E AMO porque o boy entra da brincadeira e berra "Fulano, a editora do blog "Ex-maridos devem morrer castrados" pra você!!!)
"Do site 'Mundo da progesterona'."
"Da revista 'Secretinas intrometidas'" (essa eu mando só quando a secretária é cretina & intrometida).
"Do outro lado da linha telefônica."

sexta-feira, agosto 21, 2009

Desencaixe



Eu não sei o momento exato em que o interior se descolou do exterior. Claro, sempre tem aquela conversinha inútil e fútil do tipo "Mas eu não me sinto com 30/40/50/60 anos!" Mas em algum momento da minha vida passei a viver dois tempos, duas cronologias.

Eu tenho me olhando no espelho de maneira muito cruel, ultimamente. Já fui mais camarada - me lembro como me surpreendi ao me ver extremamente brilhante e bela, os cabelos revoltos, despenteados, a boca muito vermelha de lábios inchados, as maçãs do rosto parecendo cetim rosa depois de ter feito amor durante a madrugada. Hoje, saio do banho e vejo, enrolada na toalha, uma mulher de 43 anos, cabelos compridos e avermelhados, pele branca não tão imaculada como já foi um dia; as rugas se acumulando ao redor dos olhos, mesmo quando não estou sorrindo. O pescoço que já mostra que não será firme por muito tempo, o colo marcado por eu gostar de dormir de lado e não como uma múmia em seu sarcófago, como mandam as revistas mulherzinhas.

Mas o que me dá mais tristeza são minhas mãos. Eu olho as de Zé Colméia e vejo as minhas mãos de 20 anos atrás. Sem as veias saltadas, sem os dedos que começam a engrossar e denunciar a artrite que grassa na minha família e hoje deforma as mãos de minha mãe. Meus dedos continuam longos, mas sem a graça de antigamente.

E eu me pego na rua pensando nos meus 18 anos. Para mim foram ontem; o mundo me diz que já se passaram 25 anos - uma vida, uma geração. Olho para homens que me interessariam, e eles passam sem virar o rosto, porque eu não os interesso. Sou mãe, e como tal, assexuada. Não-desejável.

O eu-de-dentro ainda espera a chance de fazer tudo o que planejou um dia. Sentou e pacientemente aguarda os dias em que poderá, como sempre fez, dormir e acordar sem horário fixo. Comer o que quiser, tomar sol o quanto quiser. Nem chegou à metade da vida. Poderá trocar de namorado quanto tiver vontade, ou entregar-se sem reservas àquele que estará com ela nos próximos 80 anos.

Mas o eu-de-fora não tem mais pela frente 80 anos para viver. E, o que é pior, não se conforma por ter se adiantado na estrada enquanto a outra, roupas descoladas, dinheiro no bolso, pele sem marcas e a vida pela frente, continua querendo diversão - e mantendo-se ainda com esperança inabalável de que ela, finalmente, chegará.

quinta-feira, agosto 20, 2009

Acaba em pizza

A primeira vez:

-... e aí a Marinete...
- Margareth, filha.
- Ah, tá bom, mãe. Orégano.

A segunda vez:

- Está escrito errado.
- Onde?
- Aqui. É com "z".
- Tá bom, tá bom! Orégano.

A terceira vez:

- É aqui, não ali.
- Tá legal, Orégano.

A última vez:

- As toalhas de prato são aqui.
- *suspiro* Orégano, mãe.
- Mas que diabo você fala tanto orégano?
- Cê não sabe nada de gíria, né mãe? É a mesma coisa que "tanto faz".
- É whatever.
- Tá, mãe. Orégano.

terça-feira, agosto 18, 2009

Agosto

Cano estourado no banheiro
Cadela com conjuntivite
Cadela no cio
Cachorro doidão
Gripe
Bananeira derrubada no terraço
Calor infernal.
Três baldes gigantescos de roupa para passar.
Dois baldes gigantescos de roupas para lavar.
Um trabalho para terminar - até amanhã.
Uma casa imunda.

Um plano de fuga quase pronto. Só falta o passaporte falso e a peruca loura.

Depois de RDB

Isa TKM.
Adultos fingindo que são adolescentes e dialogando como crianças em fase pré-escolar.
Ninguém - nin-guém - merece.

sexta-feira, agosto 14, 2009

Águas de agosto

Segunda-feira (porque senão depois disso eu saio feio louca pelas ruas, pelada e gritando que é o fim do mundo) as meninas voltam às aulas. E aí eu não vou:

* Saber se a Isa finalmente beijou o Alex, enquanto a Cris Tarântula (que agora está usando o Ray Galã pra acabar com a Isa) se prepara pra lançar sua própria banda - e será que a Marina escapou do processo policial que a Rebecca armou pra ela (que babado essa história dos cheques roubados, não?);

* Ter mais desculpa pra comprar caixa de bombom em promoção nas Lojas Americanas;

* Acordar às 10h todos os dias;

* Dormir às 2h, todos os dias;

* Comer banana com Nescau de lanche;

* Ter duas crianças atazanando a minha vida o dia inteiro, todo o dia, e assim ocupar a minha cabeça pra eu não lembrar como me fazem falta aqueles telefonemas do nada, no meio da manhã e no fim da noite, e o quanto de saudade eu sinto de você.

1975 aC*

- Nossa, mas é muito complicado.
- Tenta aqui, vai.
- Mas é pra rodar aqui, né?
- Acho que sim.
- Mas se eu errar, como faz para tentar de novo?
- Acho que é aqui nessas alavanquinhas.
- Acho melhor perguntar pra mamãe.
- É, é melhor.
- Mamãããããããe, como funciona isso?

Senhoras e senhores, telefone de disco.

* Antes do celular

sábado, agosto 08, 2009

...

Amanhã é um dia muito, muito importante para mim. Um dia que poderá mudar a minha vida - e a das meninas - para muito melhor. E a ansiedade pela chegada dessa data tão importante me faz lembrar de outras datas que marcaram reviravoltas, começos na minha vida.

Todos eles têm uma coisa em comum: ninguém para partilhá-las. Quando passei no primeiro vestibular que fiz (fiquei em quinto entre mais de 200 mil candidatos) estava sozinha no Rio. Vi meu nome na lista e não tinha viv'alma para abraçar. A mesma coisa no segundo vestibular. Na minha formatura. Quando descobri que passara na prova de estágio do maior jornal do Rio, conseguindo uma das sete vagas oferecidas a 600 jornalistas recém-formados.

Amanhã não terei ninguém a me beijar e abraçar, desejando-me boa sorte. Ninguém que me espere por quase cinco intermináveis horas, fumando cigarros imaginários e bebendo cervejas não-tanto-assim. Ninguém consultando o relógio de cinco em cinco minutos. Ninguém pra me abraçar na saída, a quem eu conte como foi, como não foi. Ninguém para rir e comemorar comigo, se tudo for bem, ou me abraçar forte e soprar no meu ouvido "Você deu o melhor de si" se não for assim tão bem.

De novo, ninguém.

UPDATE a quem interessar possa: uma multidão de gente fazendo a prova. Uma questão subjetiva (fui muito bem) e 60 objetivas (errei com certeza 4; em 3 tenho dúvidas). Então é esperar o resultado, né? Beijos pra quem torceu e me mandou energia positiva: funcionou, porque eu estava muito muito muito calma. Obrigada, de coração.

Alvorecer



Somos uma verdadeira multidão. Silenciosamente, levantamos a cada manhã e nos encaminhamos para o alto daquele abismo, onde se ouve apenas o nada. Então, gritamos um "Olá!" com toda a força dos pulmões, recebendo um outro "Olá!" a perder-se entre as escarpas do vazio. Então descemos a montanha e vivemos até o dia seguinte.

Todas as manhãs uma verdadeira multidão grita, daquela ponta do penhasco, seu "Olá!". Então espera, o coração aos pulos, que o eco responda, finalmente, "Como vai você?"

terça-feira, agosto 04, 2009

Fundo do poço

Você de vez em quando topa com uma. Aquela criatura com a cara mais cansada do mundo. Olheiras. A testa meio brilhante. Sem maquiagem, a raiz cinza-rato do cabelo aparecendo. A pele do rosto meio descascando, sem viço. Sapatos que deveriam ter sido aposentados há tempos, e uma roupa que (você jura) deve ter uma etiqueta da grife Exército da Salvação.

É. Euzinha. Oi.
*suspiro*

segunda-feira, agosto 03, 2009

Medo de se apaixonar



Você tem medo de se apaixonar. Medo de sofrer o que não está acostumada. Medo de se conhecer e esquecer outra vez. Medo de sacrificar a amizade. Medo de perder a vontade de trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar encontros. Medo se o telefone toca, se o telefone não toca. Medo da curiosidade, de ouvir o nome dele em qualquer conversa. Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo. Medo de se sentir observada em excesso, de descobrir que a nudez ainda é pouca perto de um olhar insistente. Não suportar ser olhada com esmero e devoção. Nem os anjos, nem Deus agüentam uma reza por mais de duas horas. Medo de ser engolida como se fosse líquido, de ser beijada como se fosse líquen, de ser tragada como se fosse leve.

Você tem medo de se apaixonar por si mesma logo agora que tinha desistido de sua vida. Medo de enfrentar a infância, o seio que criou para aquecer as mãos quando criança, medo de ser a última a vir para a mesa, a última a voltar da rua, a última a chorar.

Você tem medo de se apaixonar e não prever o que pode sumir, o que pode desaparecer. Medo de se roubar para dar a ele, de ser roubada e pedir de volta. Medo de que ele seja um canalha, medo de que seja um poeta, medo de que seja amoroso, medo de que seja um pilantra, incerta do que realmente quer, talvez todos em um único homem, todos um pouco por dia. Medo do imprevisível que foi planejado. Medo de que ele morda os lábios e prove o seu sangue.

Você tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo. O corpo mais lado da fraqueza. Medo de que ele seja o homem certo na hora errada, a hora certa para o homem errado. Medo de se ultrapassar e se esperar por anos, até que você antes disso e você depois disso possam se coincidir novamente. Medo de largar o tédio, afinal você e o tédio enfim se entendiam. Medo de que ele inspire a violência da posse, a violência do egoísmo, que não queira repartir ele com mais ninguém, nem com seu passado. Medo de que não queira se repartir com mais ninguém, além dele. Medo de que ele seja melhor do que suas respostas, pior do que as suas dúvidas. Medo de que ele não seja vulgar para escorraçar mas deliciosamente rude para chamar, que ele se vire para não dormir, que ele se acorde ao escutar sua voz. Medo de ser sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa, recolhida como se fosse paz. Medo de ser destruída, aniquilada, devastada e não reclamar da beleza das ruínas. Medo de ser antecipada e ficar sem ter o que dizer. Medo de não ser interessante o suficiente para prender sua atenção. Medo da independência dele, de sua algazarra, de sua facilidade em fazer amigas. Medo de que ele não precise de você. Medo de ser uma brincadeira dele quando fala sério ou que banque o sério quando faz uma brincadeira. Medo do cheiro dos travesseiros. Medo do cheiro das roupas. Medo do cheiro nos cabelos. Medo de não respirar sem recuar. Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do medo. Medo de não ser convincente na cama, persuasiva no silêncio, carente no fôlego. Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja ansiedade. Medo de não soltar as pernas das pernas dele. Medo de soltar as pernas das pernas dele. Medo de convidá-lo a entrar, medo de deixá-lo ir. Medo da vergonha que vem junto da sinceridade. Medo da perfeição que não interessa. Medo de machucar, ferir, agredir para não ser machucada, ferida, agredida. Medo de estragar a felicidade por não merecê-la. Medo de não mastigar a felicidade por respeito. Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la. Medo do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar. Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que terminou. Medo de faltar as aulas e mentir como foram. Medo do aniversário sem ele por perto, dos bares e das baladas sem ele por perto, do convívio sem alguém para se mostrar. Medo de enlouquecer sozinha.

Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha.


Fabrício Carpinejar, "O amor esquece de começar"
Bertrand Brasil, 2006

sábado, agosto 01, 2009

...

Férias das meninas.
A época do ano em que eu mais trabalho e menos tempo tenho pra mim.
Sorry, people. Dia 10 voltaremos à programação normal.