quinta-feira, março 31, 2005

O verbo diz tudo

Cuidar Abraçar
Deslizar Beijar
Aquecer Esquecer
Relembrar Desnortear
Gritar Sussurrar
Acariciar Rir
Suspirar.
Aonde quer que eu vá
Sempre procuro alguém
para me
Amar.

Karma

Tenho um livro chamado "O oráculo". Mistura tarô com I Ching. Jamais acreditei muito nessas coisas, até que uma amiga para quem dei o livro me disse que virou obra de cabeceira.
Um dia resolvi consultar o livro. Funciona assim: você espalma as mãos nas capas, fecha os olhos, mentaliza a pergunta e abre numa página. A resposta vai estar ali.
Já fiz uma dúzia de perguntas sobre os mais diversos assuntos, e em diferentes volumes (ou seja, a abertura não ficou "viciada"). A resposta sempre foi a mesma: a Carta do Enforcado, e "Sim, com sacrifício".
Agora depende de mim saber se darei mais importância ao "sim" ou ao "com sacrifício".

*

Não sei se foi por causa da noitada, mas hoje de manhã notei que nasceu uma * na maçã do meu rosto. É microscópica a *, nem dá para ver, mas espero que suma logo. Tenho horror a *s. Não gosto nem de escrever o nome.

...

Não preciso do mar
para ir longe. Exercito
distâncias no quarto.
Não tive segunda
chance, rascunhos.
A vida recusa principiantes.

Fabrício Carpinejar, "Cinco Marias"
Editora Bertrand, 2004

...

Os mosquitos me amam.

Medo do desconhecido

7 de outubro - Então isso era a felicidade. E por assim dizer sem motivo. De início se sentiu vazio. Depois os olhos ficaram úmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o amor me transcende. O amor pela vida mortal o assassinava docemente, aos poucos. E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta? Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz, e preferem a mediocridade.

Clarice Lispector, "A descoberta do mundo"
Editora Rocco, 1999

Comando da madrugada

Só que eu cheguei em casa quase uma da manhã. Fui arrumar a mochila das meninas, ler os recados da empregada, recolher a roupa da corda. Peguei um livro ao acaso, só para esperar o cansaço bater... e fui direto até de manhã. O livro terminou precisamente às 5h15m. E eu levanto cinco e meia. Droga, droga, droga.
Mas não teve jeito. O livro é muito, muito, muito bom. Um amigo do meu ex-marido me trouxe dos Estados Unidos (acabou lendo o meu no hotel e saiu, no dia seguinte, para comprar um para ele também). Ainda não existe edição em português, mas devia: o livro chama-se "A casa das folhas" (House of leaves), de Mark Z. Danielewski.
A história é de terror, bem ao molde de Stephen King. Mas o grande barato do livro é a diagramação. À medida em que o narrador vai enlouquecendo, o livro também vai: páginas em branco com apenas uma palavra, notas de rodapé que se estendem por cinco páginas - e no fim você não sabe qual era o assunto que suscitou a nota. Aí você volta e percebe que, tirando-se a nota do texto, o que você estava lendo antes não bate com a continuação do livro.
O livro é dez. E ainda bem que eu emendei a noite com o dia: ia ser foda dormir depois...

Programa noturno

Fui ontem jantar com Felipe, um grande amigo que eu não via desde os tempos de colégio. Ele agora é veterinário de animais de grande porte (seus pacientes, em sua maioria, são cavalos e touros :o). Comida italiana do Luigi, um restaurante de Laranjeiras que eu gosto só por causa das saladas, que são divinas.
Foi bom, ri muito, relembrei coisas, me senti leve. Nem sempre a companhia masculina significa relacionamento sexual. Basta ambos quererem... ou não.

quarta-feira, março 30, 2005

...

Odeio mulher burra. Que acha que é tudo e, na verdade, não é nada.
Tenho pena mas tenho, sobretudo, raiva da arrogância.

Mundo animal

Jamais gostei de gatos. Sempre me passaram ser animais traiçoeiros e interesseiros.
Pois esta noite eu vi o quanto são enganadores, até mesmo quando não querem. Acordei de madrugada por causa do choro de uma criança. Parecia faminta, e eu imaginei logo uma mendiga sentada na porta de casa, com a criança berrando de fome nos braços. Desci as escadas correndo, vestindo a roupa mais indecente do mundo (um conjunto de buracos sobre um algodão que já foi opaco, no que normalmente um dia se chamou "camiseta"), aflita com a dor do pobre bebê.
Chegando na rua, me deparei com um gato no cio mais enlouquecedor.
É por isso que eu tenho três cachorros.

Presente

Ando atolada de trabalho. Nem bem acabei de fazer alguma coisa, outras sete aparecem. Mas não dá para ficar aborrecida (dá, sim; só pelo fato de estar trancada numa sala de vidros opacos) com o dia deslumbrante que está fazendo. Além disso, certas coisas ajudam mais ainda a se esquecer que há trabalho, contas a pagar, problemas a resolver.
Hoje, saindo da escola das meninas, tentava eu achar, na rua engarrafada, ao menos a faixa de pedestres para atravessar. Sinal quebrado, cacofonia insuportável de buzinas estridentes, caminhões descarregando mercadorias para um supermercado, cachorros latindo. Eis que, alheia a esse inferno que se passava embaixo, uma borboleta de um azul real iridescente sobrevoou os carros, avançou o sinal sem dar seta, passou o cruzamento e foi-se, me deixando feito uma abestalhada a atravancar o fluxo da calçada. Foram dez segundos de êxtase. O bastante para me garantir um ótimo dia.

terça-feira, março 29, 2005

E por falar nisso

Uma coisa que eu odeio é aquela atendente de cartão de crédito/cartão de banco/cartão de alguma coisa que liga na hora em que você está correndo atrás da sua filha que fugiu pelada da banheira, toda ensaboada. É aquela voz de secretária eletrônica despejando todos os argumentos que você bota na mesa para NÃO assinar nem comprar nada. Para cada coisa que você diz, ela contra-argumenta.
Pois eu achei uma ótima. Já usei umas três vezes e dá certo (homens, adaptem). Quando elas insistem, eu digo que TENHO que desligar: preciso avisar ao meu médico que estou dando à luz.

Som da hora

A trilha sonora de "Lilo & Stitch", um dos melhores desenhos das últimas décadas.

Sincronicidade

Um dia, caiu-me nas mãos um livro de psicologia muito bom, chamado "Carência afetiva e alimentação". Nele, a autora falava do que em psicologia costumou-se chamar de "Síndrome do Movimento Errado". Explicando em miúdos, é aquela coisa de "Se eu fizer isso, meus pais vão voltar a se falar". E você não faz, e os pais se separam - porque você não fez o movimento certo.
Na minha vida, se dá a Síndrome da Hora Errada. Parece que sincronia não é o forte da minha existência. Li livros em idades completamente equivocadas, e isso me custou detestar Clarice Lispector até quase os 30 anos. Quando meu ex-marido vê que muito do que eu falava era certo, já não tenho a paixão que me inflamou nos primeiros anos de casamento. Quando dei tudo de mim nos primeiros anos de vida profissinal, não era para a empresa que merecia.
Somente uma vez eu consegui sincronizar desejos e necessidades: quando dei à luz. Ali, sim, eu sabia o que queria, quem eu queria, o que era mais forte para mim. Que se danassem os outros, que se danasse quem achava que era irresponsabilidade minha engravidar uma segunda vez. Que falecessem todos: eu estava ocupada demais amamentando minha filha.

Uma revolta



Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom senso e senso de medida. Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa.

Clarice Lispector, "A descoberta do mundo"
Editora Rocco, 1999

Contrário do avesso

Depois de deixar as meninas no colégio, fui ao Centro comprar coisas para a aula de jardinagem da Zé Colméia. Morta de fome, entrei no Mundo Verde para engolir um arremedo de almoço antes de ir trabalhar. Em cinco minutos, a loja parecia aula inicial dos Vigilantes do Peso: seis pessoas foram suficientes para me espremer no balcão.
Saindo de lá, rumo ao ponto de táxi, passei na porta do McDonald's. Qualquer um ali podia ser capa da Capricho ou da Vip.
Algo está errado. Muito errado.

...

Odeio acordar cedo.

segunda-feira, março 28, 2005

Lembrete

Zé Coméia saiu da cama, cambaleando, para a última da noite:
- Mamãe, esqueci de dizer que a minha professora pediu para levar uma aranha amanhã de manhã para a aula de pesquisa. Te amo, viu?

Preciso lembrar de guardar algumas no congelador, entre as gravuras de animais de circo, os tipos diferentes de folhas encontradas no Deserto de Gobi e a pesquisa sobre a árvore genealógica com 18 gerações da família.
Se as professoras acham que podem me pegar desprevenida, vão ter uma surpresa. Rá! Eu sou mais esperta!

.com

Eu juro que não sei o que faria sem internet.
Hoje fiz supermercado; procurei (e achei) as ferramentas de jardim para a Zé Colméia (número de referência, cor, nome da loja onde vende com endereço, telefone fax e e-mail, por onde encomendei o estojinho); comprei ração para os cachorros; resolvi um problema no trabalho entre três pessoas (eu no Rio, outra em Londres e a terceira, em Buenos Aires); encomendei livros da escola; paguei contas; localizei uma encomenda que mandei para Porto Alegre; reservei duas passagens de avião para a minha chefe; discuti os problemas da escola das meninas (sou representante de turma das duas) via grupo de discussão da associação de pais; e ainda mandei flores para uma funcionária que está de cama, depois de um parto complicado.
Isso tudo, entre dez da manhã e uma da tarde. Agora me diz: dá para viver sem internet?
Eu não consigo.

Eu, que nada mais amo

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Eu, que nada mais amo
Do que a insatisfação com o que se pode mudar
Nada mais detesto
Do que a insatisfação com o que não se pode mudar.

Bertolt Brecht, "Poesia / 1913 - 1956"
Editora Brasiliense, 1986

Reverso

Se existisse um espelho que, você se olhando de frente, visse a sua parte de trás, 7/8 da população feminina não usaria calça de cintura baixa, vermelho e sandálias de salto plataforma. Isso sem contar os collants (Tá, entreguei a idade. Eu sei que é bóri - leia-se body - mas acho ridículo. Na minha época, no século passado, era collant) de lycra.
E os homens abominariam suspensórios.

A fidelidade dos pássaros

O homem é um bicho curioso, sacrifica uma relação e parte para outra por ambição. Se casa cedo, pensa que faltou conhecer mais mulheres antes. Se casa tarde, acredita que quando solteiro havia mais chances de ser feliz. Homem é um bicho nostálgico. Nunca está satisfeito com o que tem. Fica enjoado com rapidez. Enjoa-se de si mesmo. Ao invés de melhorar e treinar com afinco, troca o técnico ou culpa a torcida. O homem cogita que é desfavorecido. Enquanto come olha o prato do outro. Deveria aprender mais com os pássaros. Um pássaro não morde vários frutos ao mesmo tempo, para descobrir o sabor de cada um deles. Não estraga os frutos pela ânsia da posse. [...] É leal e econômico no afeto. Descasca o sumo de leve com o bico e toma cuidado para não assustar os insetos dentro. [...] Leva o alimento para os filhotes, abastece seus olhos africanos, engrossa seu ninho de estrelas e regressa ao seu ponto de origem. Um fruto durará uma semana em seus volteios. Até não sobrar nada, até a semente ficar lustrada de sol. O homem é um bicho insatisfeito. Deixa marcas, cicatrizes, tatuagens e provas de que esteve ali. Morde uma cesta inteira de maçãs sem sequer terminar uma delas, sem conhecer a alegria do pecado de se dedicar somente a uma delas. Pode amar para provocar ciúme, abandonar uma paixão para mostrar independência, trair para magoar, ferir para gerar autoridade. Interessa-se pela quantidade, por contar quantas mulheres teve, por contar quantas vidas perdeu. O pássaro é um bicho invisível. Não muda a ordem, é capaz de arrumar sua cama mesmo hospedado em hotel. [...] Os pássaros circundam, namoram, seduzem a fruta antes de pousar. Batem as asas com força para depois descer o próprio corpo flanando. Têm imaginação. A imaginação hidrata e faz a saliva subir. Um romance sem imaginação é livro técnico. Um amor sem imaginação é manual de geladeira. Um homem sem imaginação é um bicho esquisito. Ao transar sem imaginação apenas arruma sua gravata no espelho. Ao mastigar sem imaginação vai apoiar os cotovelos na mesa. Ao abraçar sem imaginação carregará garrafas vazias. Um homem sem imaginação é um bicho morto.

Fabrício Carpinejar

Viver

Hoje, vindo para o trabalho, pensei numa conversa que tive ontem com uma amiga. Com um filho pequeno de dois anos, ela está se separando. Nada no rosto dela demonstrava preocupação, mudanças, tristeza. "Acabou", ela disse. E emendou "E já estou namorando".
Eu me lembro que, quando pensei seriamente em me separar, planejei por meses. Como ficariam as meninas. Meu orçamento doméstico. Se poderia pagar o aluguel. Qual a melhor data para meu ex-marido fazer a mudança. Como explicar às meninas que a mudança era para que tudo ficasse como antes - dois adultos amigos, harmonia, sem brigas constantes, sem choro diário, sem crise.
E minha amiga não é exceção. Conheço pelo menos dois casais que se separaram assim, como quem se muda ou desiste de uma viagem.
Eu não consigo entender isso. Como você entra numa relação, tem filhos e, de repente, "não dá mais" e vai cada um para um lado, sem cuidado, sem prazos, sem nada. Faz-se a mala e acabou-se. Explica-se em cinco minutos que o papai ou a mamãe beijam outro na boca mas tá tudo bem e deixa rolar.
Realmente, vou morrer sem entender.

domingo, março 27, 2005

Pedro e o lobo

Eu disse "Eu te amo" tantas vezes pra tão poucos. Mas nenhum deles jamais acreditou.
Só eu. Ao dizer "Eu te amo", dava-me inteira. E fui recusada igualmente por todos.
Então preciso desaprender a dizer "Eu te amo".
A escassez provoca a procura, já dizem os economistas.

E hoje é domingo

Preguiça...

Criando limo

Nem acredito que está fazendo sol. Estou cheirando a mofo - eu e os cachorros - depois de três dias de chuvas.
Já dei uma olhada lá fora: meus canteiros viraram um pântano. O que a chuva não destruiu os cachorros comeram. Os três estão com hálito de cebolinha, salsa, coentro e hortelã :o)
Muito trabalho: limpar e arrumar a casa para a volta das meninas, lavar as varandas, o terraço e o quintal, buscar os ovos de Páscoa na casa da minha mãe, passar no supermercado (algum abre hoje?) E pensar que Páscoa para mim, há uma década, era sentar na mesa e comer o bacalhau. Só.
Terminou a moleza. Hora de trabalhar.
Bom-dia. São 9h23m. Céu claro, com possibilidade de chuva fina no fim do período. Em Santa Teresa, 25 graus.

sábado, março 26, 2005

O amanhã

Tenho medo do futuro. Tenho medo de envelhecer, da solidão. De não realizar nada, de nada deixar.
Tenho medo de não ser uma boa mãe. Porque o que eu mais quero é que minhas filhas sorriam quando lembrarem de mim. "Mamãe fazia uns bonecos engraçados para eu levar para a escola"; "Lembra quando ela nos levou para ver aquela exposição de coelhos e eu me escondi do Pernalonga?"; "Gostava quando ela punha aquele CD do Lilo & Stitch e a gente dançava até ninguém mais agüentar ficar de pé"; "Adorava quando eu ficava sem sono e a gente ia fazer um lanche às duas da manhã e ficava conversando até o sono voltar."
O que mais desejo é que sintam a minha falta. Lamentem que eu tenha partido.
Mas, acima de tudo, anseio deixar saudades em alguém que eu não tenha parido.

Bifurcações

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Não sei me despedir
da vida, do trabalho,
dos pais.

A indiferença cobre-nos de igualdade.
Não me enraizei,
muito menos presto para ser colocada fora.

Minha razão é inferior ao desejo.
Penso com os pés.

Fabrício Carpinejar, "Cinco Marias"
Editora Bertrand, 2004

Na estação central

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Procurei entender os sinais
suspensos entre as colunas
e as fechaduras. Empenhei-me
em esclarecer os recados
apressados de socorro,
o tambor lacerado das paredes.
Decifrei o grafite dos banheiros
públicos, as inscrições puídas
no lenho, os volantes
recebidos no trânsito.
A vida com erros de ortografia
tem mais sentido.
Ninguém ama com bons modos.

Fabrício Carpinejar, "Cinco Marias"
Editora Bertrand, 2004

Cardápio de mãe

Quando as meninas vão para a casa do pai, sempre ligo para falar com elas e checar o que comeram (e se comeram). Falei há pouco com elas para ver o que tinham feito e o que jantariam. Quando desliguei, vi que tinha realizado um desejo de infância.
"Ah, quero crescer logo para comer todas as porcarias que eu quiser!!!", emburrava.
Vamos ao menu da mãe, comido desde quinta à noite:

Três pacotes de Miojo (carne, camarão e calabresa)
Croquetes de carne, fritos (industrializado)
Bolinhos de aipim com queijo, fritos (industrializado)
Bombons Sonho de Valsa
Meio pote de sorvete napolitano
Suco de uva (industrializado)
Um pacote de pipoca com manteiga, de microondas

E ainda comi no quarto, vendo televisão. Enchi a cama de pipoca, e ainda derramei suco no chão.
Que vergonha, né? Parece criança :o)

Pelo ralo

Uma das coisas que mais gosto de fazer é tomar o banho do fim do dia. Apago a luz do banheiro, boto os braços para cima e, encostada nos azulejos, deixo a água escorrer pelas costas, levando tudo de ruim que o dia despejou em mim: problemas, cansaço, desentendimentos, projetos que deram errado, discussões, falhas, tudo. Tudo de ruim desce pelo ralo.
Hoje, além de tudo isso, desceu pelo cano de esgoto um ano de relacionamento. Não ficou nada. Me sinto muito vazia, mas é uma sensação boa.
Como eu disse, é bom ter esperança num amanhã sem dor.

...

Terminei a mudança. Agora foi desligar o computador, almoçar, perambular por aí e depois voltar para terminar o serviço e tirar do ar tudo aquilo.

Último de lá

[...] Terminada esta nota vou-me perfumar com um perfume que é o meu segredo: gosto das coisas secretas. E estarei pronta para enfrentar o frio não só o real como os outros.
Sou uma mulher a mais.

Clarice Lispector, "A descoberta do mundo"
Editora Rocco, 1999

sexta-feira, março 25, 2005

Ser paixão

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2 de outubro - [...] Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro com as duas mãos, comprimindo-o com as duas mãos. Quanto tempo levei para chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração estarrecido, pensativo. [...] Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Clarice Lispector, "A descoberta do mundo"
Editora Rocco, 1999

Mesa para um

Ficar sozinha em casa não é ruim. Mas, como eu disse, odeio meus hormônios – são independentes demais para o meu gosto.
E aí não tem remédio, não tem jeito. Abro e fecho um livro, ligo o som, a televisão, desligo. Vou ao terraço, vejo o céu, cheiro a noite, tomo chuva fria para tentar esfriar o corpo. Desço, tomo um longo banho, fico na varanda vendo a quietude do Centro.
Nada resolve, porque eu estou silenciosa. Meu coração, agora, se faz de morto, num merecido repouso. Mas o meu corpo grita, desesperadamente, por algo que não posso lhe dar. Não do jeito que ele quer.

Clube Gourmet

Acho que cozinhei para um banquete de 500 talheres. Fiz dois tipos de sopa. Carne assada, refogada, guisado, picadinho. Lasanha, canelone, nhoque. Feijão preto e manteiga. Envasei molho vermelho, branco, ao sugo, com ervas. Preparei ainda doce de maçã, pêra e banana com canela.
A geladeira está vazia e o congelador, abarrotado.
Agora vou almoçar Miojo Calabresa :o)

Ouvindo atrás do muro

- Você sabia que bacalhau não é peixe?
- Não é????
- Não, não é.
- O que é, então? Crustáceo?
- Sei lá, mas peixe não é. Li numa revista. Por isso os portugueses comem bacalhau com vinho tinto, porque não é peixe.
- Por mim, tudo bem, eu como bebendo Coca-Cola, mesmo...

Tormentas

 Posted by Hello


Amadureci a covardia em sarcasmo.
Posso rir do sofrimento.
Mistérios existem para simular profundidade.
Sou rasa, fútil. Não reverencio a primavera,
a mais sádica das estações.
Desde a infância, ela floresce a minha asma.

Posso adiar a morte,
nunca o nascimento.
É impossível cortar a semente.

Fabrício Carpinejar, "Cinco Marias"
Editora Bertrand Brasil, 2004

Cuidados

Chove torrencialmente. Adoro tempestades, apesar de me darem um pouco de medo irracional. Fiquei meio confusa quando acordei, porque fui dormir de madrugada e, apesar de serem nove horas, achei que o dia estava amanhecendo, tal a escuridão.
Hoje só tenho duas coisas a fazer: cuidar de mim (cabelo, unhas, pele) e terminar a mudança do blog. Janeiro e fevereiro foram fáceis (pouca coisa a trazer para cá) mas o mês de março vai ser mais complicado, por causa das fotos.
Bom dia. Céu encoberto, chuvas fortes, sem mudanças no decorrer do período. Em Santa Teresa, 26 graus.

Selva

Perdedores gostam de perdedores.
Vencedores gostam de vencedores.
Perdedores gostam de vencedores, mas
Vencedores não gostam de perdedores.

É a lei da vida.

quinta-feira, março 24, 2005

Torrentes

Consegui chegar em casa. Ainda bem que foi agora, porque o espírito de porco que habita dentro de mim soprou no meu ouvido, hoje de manhã, quando eu já estava vestida para sair, de saia preta e camiseta escura: "Ah, bota o seu vestido branco de viscose! É, aquele sexy, semitransparente! De florzinha! Bota, vai!!!"
Botei. E, graças a Deus, minha rua está escura. Porque cheguei completamente encharcada (claro, Suzaninha ainda não aprendeu a andar de sombrinha na bolsa, a tolinha), o vestido colado no corpo - e não mais semi, mas completamente transparente. Está tudo ensopado: livros, bolsa, carteira, sapato, papéis, pastas, tudo. Entrei no chuveiro de roupa e sapatos.
Estou podre. Mesmo. Vou engolir alguma coisa e dormir. Até porque a TV já avisou:
"Pesquisando sinal do satélite. Favor esperar".
Tô fora. Até amanhã.

Deep end

Muita chuva que vem por aí. Liguei para as meninas (estão com o pai): uma está dormindo, a outra está envolvida numa operação delicadíssima com os primos. Estão concentrados, estripando uma boneca (tudo bem, ela foi feita para ser estripada).
Vou ter que fazer serão. Como vou para casa deste fim de mundo onde estou é o que eu quero ver...

Início

Todo início de ano, eu faço uma lista de resoluções. Para este ano, são elas: aprender a dirigir e aprender a dizer "não".
Recomeço na auto-escola dia 1º. Quanto a dizer não, já comecei a fazê-lo a mim mesma. E confesso: dói muito.
Mas não mata.

terça-feira, março 22, 2005

...

Você sabe que a coisa está mal parada quando rascunha mais do que escreve, apaga mais do que publica.
Preciso mergulhar de cabeça em alguma coisa. Ficar sentada na borda da piscina das crianças está me levando à loucura.

Junina

Hoje, comprando Novalgina para a Catatau, me deparei no caixa da farmácia com camisinhas Jontex temáticas. Entre as novidades, acabam de chegar ao mercado as Jontex Lubrificadas Festa de São João.
Qual o diferencial? Elas cantam "O balão vai subindo, vai caindo a garoa" na hora?
Adoraria conhecer quem bola essas estratégias de marketing.
Mas uma coisa eu garanto: não deve ser mulher.

segunda-feira, março 21, 2005

Jura?

Tá na Veja desta semana: "Duas descobertas: as mulheres têm muita mais genes trabalhando do que os homens. E Adão é que nasceu da "costela" de Eva. [...] Duas equipes de geneticistas [...] descobriram que entre as mulheres há uma variedade enorme de perfis genéticos, ao contrário do que ocorre com os homens. E que outro cromossomo, o Y, que só aparece nos homens, não passa de um X que foi se degenerando ao longo dos milhões de anos de evolução."

domingo, março 20, 2005

Traitteurs de France

 Posted by Hello


Nós somos chiquerésimas!

Exageros & Contrastes

 Posted by Hello


Queijo ralado com macarrão
Manteiga com pão
Catchup com hambúrguer
Mudança de etnia
Um livro por dia
Dois litros de sorvete trocando e-mails
Açúcar com café pingado
Choro depois do gozo
Banho escaldante
Ducha gelada
Orgasmos múltiplos
Amor abissal

Não sei viver de outra maneira.
Vou morrer passional.

O amor é fodido

 Posted by Hello


Falamos de fazer amor. Inventamos as nossas vidas anteriores. Esquecêmo-nos de tudo.
A Teresa é o meu amor. Eu sou o amor dela. Damos as mãos. Não fazemos mais nada. Mas não reparamos. Não vamos a lado nenhum. Não podemos. Mas mesmo que pudéssemos, não iríamos. Não fazemos planos. Não temos. Estamos juntos de vez em quando. É a única coisa com que nos importamos: estarmos juntos de vez em quando, como agora estamos.

Miguel Esteves Cardoso, "O amor é fodido"
Editora Assírio & Alvim, 1995

Não durou

As meninas e eu fizemos, no canteiro maior da varanda, uma plantação de violetas e - acredite - amores-perfeitos, de três cores. Minha mãe trouxe em vasinhos que passamos um dia enterrando na terra adubada. O canteiro ficou lindo e, o melhor, fiz uma cerquinha para os cachorros não pisotearem nada. Eles respeitaram.
Mas, como tudo nessa vida, a gente acha que se cercou de todos os lados - e acontece o inesperado. Com a violência da chuva, os tubos que compõe o escoadouro da calha se desencaixaram (não consegui saber como, porque suei para botar o encaixe no lugar novamente) e o canteiro amanheceu, hoje, parecendo cenário de filme sobre o Vietnã: lama por cima, flores por baixo.
Estou desde as sete da manhã tentando salvar alguma coisa. Quer saber? Esperança vã. Vou começar do zero, de novo.

Lista de preferências de Orge

 Posted by Hello


Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.

Casos, os inconcebíveis;
Conselhos, os inexeqüíveis.

Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.

Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.

Domicílios, os temporários.
Adeuses, os bem sumários.

Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.

Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.

Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.

Cores, o rubro.
Divindade, o Logos.

Decadentes, os lisonjeiros.
Mensagens, o mensageiro.

Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.

Bertolt Brecht, "Poesia / 1913-1956"
Editora Civilização Brasileira, 1986

sábado, março 19, 2005

Ponte aérea

Na sexta, marquei minha viagem a São Paulo para junho. Vou poder conhecer todo mundo: Rossana, Rosana, Monica, Nemo, Manzano, Sérgio Faria... E o pequeno Lucas, que já deve estar um rapazinho. Para ele eu quero - faço questão - levar um prato de brigadeiros, que não levei quando ele fez um ano.
Lucas é um lutador. O blog dele já não está mais no ar, o que é uma pena. Mas foi uma história muito, muito triste que teve um final muito, muito feliz, graças à Rossana, alma iluminada. Que ainda, às vezes, tem dúvida sobre o que veio fazer por aqui.
Tolinha, ela :o)

Jejum

"O sacrifício original era ficar sem comida nos dias em que a comida era escassa. Agora, nós até ansiamos por um jejum. [...] Você quer sofrimento de verdade? Experimente jejum nas comunicações: sem telefone, fax, e-mail, televisão, livros, rádio, CDs, visitas, jornais, revistas, cartas, vídeos, DVDs ou videogames. Fique em abstinência. Desligue as vozes do mundo e submeta-se à profunda solidão. Você vai se surpreender com uma nova voz dentro de você: é o seu coração, urrando por atenção."

Wendy Reid Crisp, "Faça o que eu digo, não faça o que eu fiz"
L&PM, 1997

Quando chove torrencialmente como agora, é isso o que eu faço. E ele tem falado muito comigo. Verdades que eu não queria ouvir. E, quer saber? Não doeu, como achei que doeria.

Correspondência

 Posted by Hello


"Alguns de vocês sabem que eu ando sofrendo de 'insônia ao contrário'.
Para os que não sabem, há uns 20 dias vou para a cama por volta das 22h30m e acordo diariamente às 4h30m, 5h da madrugada e não durmo mais. Mas há dias em que eu vou ver o sol nascer na praia, como na última segunda-feira. E, nesses dias, minha recompensa por acordar tão cedo é a de ver um suave mundo em tons pastéis.
Beijos.
Maura"

Com cuidado examino

Com cuidado examino
Meu plano: ele é
Grande, ele é
Irrealizável.

Bertolt Brecht, "Poemas / 1913-1956"
Editora Brasiliense, 1986

Estou relendo Brecht.
Bom redescobrir coisas que a gente deixou para trás e esqueceu, em vez de esquecer o que deixou para trás. Há tempo para tudo.

Sunday com sunday

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Eu sei que você ainda está meio confusa, mas também um bocado otimista, né? Assim que tem que ser. As coisas não parecem muito no lugar, mas tudo vai se acertar. Você está entrando numa nova vida. Um novo canto, novos caminhos, linhas de ônibus desconhecidas, despesas que jamais sonhou existirem, a diferença entre encanador e bombeiro hidráulico, novas amizades - e velhas também, não vá esquecê-las, hein?
Beijos, querida. Vamos encher a cara de café ou de sorvete, que nós merecemos.

Thriller

Filme de ficção científica e suspense, daqueles pipoca-brabo. Catatau, sem sono, vem pra minha cama e se aninha nas minhas costas. "Dorme, filha. É filme feio, não quero que você veja." Tiro o som, ela no escurinho atrás de mim - pensei eu.
Porque era a cena mais crítica, a nave sendo atacada por alienígenas devoradores-e-estripadores-de-exploradores. Todos correm para suas câmaras de suspensão de vida, porque entrarão no hiperespaço. Mas a porta da câmara da mocinha não fecha, o alienígena se aproxima... e ouve-se a vozinha de taquara rachada da Catatau cortando a tensão na escuridão do quarto:
- Mamãe, por que ela entrou no forno?

As obras que mais amo

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De todas as obras humanas, as que mais amo
São as que foram usadas.
Os recipientes de cobre com as bordas achatadas e com mossas
Os garfos e facas cujos cabos de madeira
Foram gastos por muitas mãos; tais formas
São para mim as mais nobres. Assim também as lajes
Em volta das velhas casas, pisadas e
Polidas por muitos pés, e entre as quais
Crescem tufos de grama; estas
São obras felizes.

Bertolt Brecht, "Poemas / 1913-1956"
Editora Brasiliense, 1986

sexta-feira, março 18, 2005

Para rir

É, na verdade, de chorar a seção "Erramos" da Folha de S. Paulo. Dois exemplos recentes:

Diferentemente do publicado na matéria "Imigrantes se trancam em protesto pacífico em Barcelona" (Mundo - 12/03/2005 - 21h16), quem nasce na Índia é indiano, não índio.

Diferentemente do informado na reportagem "Testemunha descreve Neverland como um 'antro de vícios'" , o rancho Neverland, propriedade do cantor Michael Jackson, é conhecido como a ilha encantada de Peter Pan, e não Pinóquio, como informado no texto.

Carroça antes dos bois

Comprei um carro.
Agora só falta tirar a carteira.
E, quem sabe, aprender a dirigir.

"Não posso atender no momento"

A minha vontade era escrever tudo sobre amor, amizade, companheirismo, angústia, sexo, abandono, prazer, risadas, partilha, namoro, solidão.
Mas não vou escrever nada.
Sem saco, muita gripe.

Sabedoria pop

"Às vezes as pessoas deixam que os mesmos problemas as tornem infelizes por anos à fio, quando deveriam dizer apenas 'e daí?'. Essa é uma das minhas expressões favoritas: e daí? Minha mãe não gostava de mim. E daí? Meu marido não faz amor comigo. E daí? Não sei como consegui sobreviver aqueles anos todos, antes de aprender esse truque. Custei muito a aprendê-lo - mas uma vez que a gente aprende, nunca mais esquece."

Dos diários de Andy Warhol

Todas as formas de amar

"Há palavras e expressões que perderam o sentido de tanto serem repetidas. Um exemplo: existe frase mais banalizada do que 'Eu te amo'? Oras, Roberto Carlos diz isso à bola antes de uma cobrança de falta; Schumacher, ao Rubinho, depois de uma marmelada ferrarista; Ozzy Osbourne, ao rock'n'roll, em cada episódio de seu reality-show; Jade, aos seus maridos e todos os personagens interpretados pelo Murilo Benício na novela das oito. Sábios eram os gregos, que possuíam quatro verbos para dizer amar: 'erao', ligado estritamente ao amor erótico; 'fileo', o amor de amizade, de querer bem ao outro, de gostar; 'agapao', o amor ligado à satisfação de um desejo; e, finalmente, 'stergo', o amor cujo impulso básico é a proteção do outro."
Alexandre Inagaki

quinta-feira, março 17, 2005

...

A futilidade me cansa.
Porque nunca será diferente. Sempre haverá, dentro da casca bem cuidada, absolutamente nada a dizer.

Maresia

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Meu corpo emana duas vezes maternidade;
meu rosto reinventa rugas, ano a ano.
Mas quando mergulho nos teus olhos
Sou a menina que afronta um oceano.

quarta-feira, março 16, 2005

...

Estou com o post aberto há 40 minutos... e não sei o que escrever, apesar da vontade imensa de fazê-lo. O calor me oprime, quero subir foto e não consigo. Uma gripe que parece ser arrasadora se avizinha, fazendo minha cabeça latejar. E o calor, infernal.
Não tenho nada a dizer, e tenho tudo. Como diz minha querida amiga, escrevo de cabeça crônicas, contos, livros inteiros e romances incompletos. Todos sem final. Minha filha me diz "Mamãe, você é a melhor mamãe que eu tive em toda a minha vida." Quero rir mas não consigo; apenas abraço minha figurinha querida e tiro seu vestido para banhá-la, enxugá-la, vesti-la e embalá-la no sono que virá breve.
Estou lendo muito, e descobrindo autores novos. Estou ouvindo muita música, e saboreando todos os CDs que comprei e ganhei mas jamais ouvi. Estou na auto-escola, voltei a estudar mecânica. Por causa do trabalho, estou conhecendo muita gente nova, interessante, divertida. Devo viajar para o sul e para São Paulo em breve.
Mas não consigo escrever. Não consigo viver como deveria. Hoje, não.

No way

Muito calor. Sem saco para escrever.

terça-feira, março 15, 2005

Do que eu não gosto

Que riam de mim;
De sentir vergonha;
Unhas compridas, esmaltadas ou sujas nos homens;
Cabelo oleoso, maltratado;
Dentes manchados de nicotina;
De quem não tem consideração com o outro;
Comida gordurosa;
Desleixo;
Quem humilha os outros;
Ignorância nascida da arrogância;
Quem não sabe pedir desculpas;
Jaca;
De ser acordada com brusquidão;
Cobrança de favores;
Corpo mole para ajudar;
Mentira baseada na credulidade e na confiança;
Falsa loura;
Amigos falsos;
De quem fale mal dos outros pelas costas;
Falta de escrúpulos;
Egoísmo;
Não ter a quem amar.

Do que eu mais gosto

O toque das mãos das minhas filhas;
Ouvir um "mamãe";
Alguém descendo as alças da minha camiseta, no escuro;
Beijos na nuca, para me deixar arrepiada;
Cheiro de chuva;
Fazer amor numa tarde de tempestade;
Ser acordada com beijos;
Café com leite e açúcar;
Pão quente e estaladiço, com manteiga derretendo;
Vaca preta;
Comer pipoca vendo vídeo;
Roupa velhinha para dormir;
Dormir em concha, encaixadinho;
A respiração tranqüila, das meninas e dele, à noite;
O orgulho pela mãe pingando dos olhos da Zé Colméia;
Abraços da Catatau;
Receber carta;
Abrir e-mail seu;
Cheiro de livro novo;
Elogio sincero e inesperado, da pessoa mais fechada e de maior importância na nossa vida profissional;
Elogio sincero e inesperado da pessoa que nos ama;
Feira-livre;
Compras no supermercado, com você;
Acordar no meio da noite para fazer amor com calma, sem pressa, sem palavras;
Amanheceres e entardeceres no verão;
Andar na praia no inverno;
Solidariedade canina;
Comprar (e dar) algo inusitado, inesperado e imprescindível;
Ficar grávida (mas sem enjoar);
Ter um bebê nos braços;
Orgulhar-me do que eu escrevo;
Melão gelado;
Dividir um lanche com as crianças;
Restinho de macarrão das meninas;
Abraço apertado;
Beijo explorador;
Amar alguém.

segunda-feira, março 14, 2005

Bem-vinda ao Clube dos Sem-Noção

Sempre tive o péssimo hábito de largar coisas em qualquer lugar, sem perceber. Consegui minimizar essa mania, dando lugar certo às chaves de casa, óculos etc. Isqueiro, como gosto dos pequenos, sempre perdi às dúzias, e para não ter que ficar pedindo a ninguém achei um ótimo lugar para ele: dentro do sutiã.
Estava eu no meu banquinho de jardim quando chegou para fumar um dos diretores financeiros. "Tem fogo?" Enfiei a mão no decote e saquei o isqueirinho de lá.
Silêncio.
"Você guarda aí para esquentar e acender mais depressa?

Na boa, Deus. Ainda é segunda-feira. Tenha dó!

Estrelinha

- Mamãe!
- O que é, querida?
- O que é isso na sua mão?
- São veias.
- Dói?
- Só quando você aperta.
- Por que você tem isso?
- Porque a mamãe está ficando velha.
- Sua mão fica feia com isso.
- [...]
- Mamãe?
- Sim, filha.
- Sua mão está ficando feia, mas é a mão mais bonita de toooooodo o mundo.
- Por quê?
- Porque ela me beija no rosto antes de eu dormir. Te amo, mamãe.
- Eu também te amo, filha.

Caladryl industrial

Você pode se aquecer nas minhas coxas;
Você pode se incendiar no meu ventre;
Você pode fritar um ovo nas minhas costas.

Escolha, baby :o)

domingo, março 13, 2005

Câmara clara

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Você pode trepar, transar e fazer amor. As duas primeiras requerem apenas conhecimento técnico. Mas a terceira requer algo mais.
Fazer amor é, antes de tudo, conhecer. O jeito de acender o cigarro, a maneira de inclinar a cabeça quando pensa. Os olhos ficam ligeiramente avermelhados quando bate o tesão? Se entrefecham? Há urgência nas mãos? Sim, há de se reparar em todos os detalhes.
Na hora, não se deve pensar muito. Eu sei, é instintivo. Mas também é a maneira de abraçar que faz o coração bater loucamente, sentindo que o desejo cresce e força passagem. As pernas não deixam, prendem o que quer se libertar. Tateia, tenta escapar, encontrar a saída por onde tanto deseja entrar.
Arquear as ancas (sabe o que são as ancas? A parte mais escandalosa, a que mostra à platéia se você está agradando). Passear as mãos pelo corpo, como se procurasse algo, mas feliz por apenas escorregar na pele lisa, sedosa, que se arrepia ao menor toque, seja ele agressivo ou diáfano. E então começa a luta, de uma violência que parece mostrar que ali não há amor, quando amor é o que mais há. "Por favor, não faz isso." Amante é tradutor universal. Isso quer dizer "Vem, eu preciso tanto de você." Escorrega-se, lenta e dolorosamente, para dentro, para um mundo onde minutos podem ser horas e vice-versa. Delicadamente, mas com firmeza. As bocas que se juntam num desencontro que parece não ter fim. Por que não acertam o passo? Porque há mais para acertar. O prazer vem do desacerto, das palavras que não dizem o que querem dizer. Tudo é ao contrário, a dor vira prazer, o prazer é tudo o que há.
As línguas que bebem o suor a escorrer da nuca, a descer pelos ombros. Mãos que buscam embaixo de corpos o que desesperadamente pede para ser tocado – mas que foge ao sentir o toque. Um púbis a escorregar pelas costas, costas a se chocar com pernas. Cabeças a subir por joelhos que não sabem se a ordem é encontro ou separação. Fazer amor é sentir os nós dos dedos dele na palma das mãos, o queixo nas espátulas, o roçar da barba por fazer, o hálito que se procura desesperadamente, como um guia no meio de um nevoeiro.
Pode-se escrever tratados sobre isso – aliás, eles existem, melhor escritos do que aqui.
Fazer amor é, ao final, acariciar sobrancelhas, rosto, mãos. É escutar o ressonar satisfeito, como o de um gato. É ouvir urgência na pergunta: "Aonde você vai?" e tranqüilizar com um "Só beber um copo d'água".

Ex-alvabranca

Cheguei em casa com gosto de sal na pele, com aquele cheirinho de mar, a pele ainda um pouco ardida do sol. Não tem sensação que se compare a tomar um banho frio e vestir uma roupa que não toca, roça a pele. É muito bom.
Mas o melhor mesmo foi o mar. Fiquei sentada uma hora, conversando na beira d’água, deixando a água ir e vir entre as pernas esticadas. Nunca imaginei que estivesse com tanta saudade assim do mar.
Reencontrei um amor :o)

Sem esquecer a vitrolinha

A casa está uma bagunça. Dane-se. Vou me arrumar porque hoje tenho minha reentré na praia. Biquini novo - graças a São Supino, tudo em cima e nada fora do lugar - protetor solar 30, óculos escuros. Vou encontrar com as meninas em Ipanema.
Até.

Animal Planet

Acabei de dar banho nos cachorros. Primeiro, foram as cadelas - como são menores, cabem no tanque e são mais fáceis de carregar e banhar. Primeiro lavei a labradora; terminado o banho, saiu correndo esfregar-se na terra. Depois, foi a vez da boxer. Quando a tirei do tanque, ela sentou-se no meio da lavanderia, pingando água. O macho, solícito e amoroso, lambeu-a carinhosamente, com cuidado, como carícias, até que ela deu por encerrado esse ato de amor, lambendo-o no focinho.
A gente tem muito a aprender com os animais.

...

Preciso de um tigre que me leve para dançar sob a lua.

sábado, março 12, 2005

Livros

Sempre gostei de livros infantis. Minhas filhas têm uma biblioteca de mais de 300 livros, alguns muito, outros poucos manuseados. Mexem inclusive nos meus livros, e tem que ser assim. Seria para mim a maior das decepções que elas não gostassem de ler. Até hoje, tudo vai bem.
Adoro ler. Sempre que me pai me interditava algum título, aí é que me dava mais vontade. O primeiro "adulto" que eu li foi a série "Os reis malditos", de Maurice Druon, comprado no extinto Círculo do Livro. Tinha dez anos.
Fiquei chocada, uns cinco anos depois, quando descobri que ele é o mesmo autor de "O menino do dedo verde". Mas depois compreendi o quanto você pode ser pueril e, ao mesmo tempo, enxergar toda a podridão que um homem pode guardar em si. Isso faz os grandes escritores - e Maurice Druon o é.
Conversei com ele, há uns quatro meses, por fax. Ele não atende telefone, não tem e-mail. É, mesmo avesso a estranhos, galante e gentil - lembrou do tetravô brasileiro, deferência àquela que lhe escrevia.

Ao luar

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Este é um dos mais belos livros infantis que eu li. É a história de uma menininha que sai todas as noites, com seu vestidinho listrado, para dançar com um tigre sob a luz da lua. Se você tem filhos (ou gosta de livros ilustrados) e tiver chance, compre. Não vai se arrepender. Da Simon & Schuster Editors.

Receita de beleza II

Como sou muito, mas muito branca, faz tempo que apenas descoloro os pêlos das pernas, que são bem poucos. Uso água oxigenada e descolorante, tipo Blondor.
Pois acabo de detonar um tubo inteiro de Creme Fernergan nas pernas. Empolaram. Coçam terrivelmente. Estão quentes e muito, muito, muito vermelhas. Parece pele de crocodilo gay.
Fala aí, Gisela:

"Show de mulher!"

Passageira

Dormi à tarde e perdi o pôr-do-sol, mas consegui ver ainda um restinho dele. Mas o céu estava um espetáculo à parte. Nuvens muito, muito escuras e pesadas de chuva corriam loucamente, vindas do mar. Até os cachorros pararam para ver.
E meu vizinho - agora oficialmente batizado de O Bolha - estava ouvindo Gal Costa. Não sei de que disco - e importa?

In/Out

Às vezes, como hoje, eu tenho a impressão que as meninas, ao saírem, apertam em mim o botão "Desliga". E eu só torno a funcionar quando elas apertam o "Liga", no domingo à noite.
Preciso aprender a eu mesma apertar os botões certos.

Marte chamando Terra

Eu sinceramente vou morrer numa santa ingenuidade e na mais absoluta solidão. Porque não consigo entender certos conceitos que algumas pessoas têm de que "disponibilidade" é uma coisa a ser perdida, como virgindade.
Tenho um amigo que conheço há uns sete anos. Depois que fiquei sozinha, saí com ele duas vezes para jantar e uma, para almoçar. Amigos, mesmo. Nada de selinhos na boca ou qualquer outra demonstração de que haveria algo mais do que amizade.
Faz uma hora, ele ligou perguntando se eu queria passar a tarde com ele. Disse que não; almoço até poderia ser, aqui pelo Centro, mas não estava a fim de "passar uma tarde" (uma expressão que, no fim das contas, não quer dizer nada). Aí ele abriu o jogo: se eu estava sozinha há tanto tempo, sem ninguém, porque não passar nós dois o fim de semana juntos?
- Porque não.
- Mas você não está disponível, sozinha?
- Estou sozinha, não disponível.
- No fim acaba sendo a mesma coisa.
- Nunca foi.
- Então encare assim. A gente pode se divertir, juntos.
- Se eu te chamar de João no meio da noite, sem problema?
- Claro que não, né? É óbvio que não.
- Entendeu por que eu não quero? Não quero. O corpo está "disponível", o resto não. Corpos disponíveis você vai ver às dúzias antes de chegar aqui. Então, fique pelo meio do caminho que é melhor.

Ele desligou chateado. Sinto muito, companheiro, mas é preciso crescer um dia. Tem gente que sequer sabe de que planeta veio e ainda quer convencer os outros de que lá é um paraíso.

Manhãs musicais

O que meu vizinho do lado tem de chato e amante da boa música, meu vizinho de baixo (a minha casa tem embaixo um quarto-e-sala, que era o depósito do casarão no início do século) tem de gente boa e péssimo gosto musical. Agora ele está ouvindo um bate-estaca. Contra-ataco com Eric Clapton e suas "Chronicles".
Tem sábado que o vizinho de um lado bota Adoniran Barbosa; o de baixo manda ver num AC/DC e o do outro lado, um pagode da vida. O que eu faço? Arrumo a bolsa e vou pra rua. Não há Dinah Washington que resista.

Porque hoje é sábado

O dia amanheceu esplendorosamente bonito, prometendo ser a sucursal nº 3 do inferno – porque às sete da manhã o termômetro já marcada 26 graus.
As meninas acordaram cedo – vão para a casa da avó agora de manhã, mas antes disso eu já estava lá em cima no pomar, olhando à luz do sol o que eu vou ter que fazer. Muita coisa. O pé de maracujá vou ter que arrancar, porque está infestado de praga. A bananeira está com frutos, mas a grama alta está precisando de um corte militar urgente. O limoeiro vai bem, obrigado, mas andou se desentendendo com a goiabeira, que ainda não se decidiu pra que lado vai crescer.
Obviamente, quem tem cachorro grande sabe que descer e subir escadas é operação que requer cuidado. Bom, eu não tive. Nenhum. Depois de ser atropelada pelo caminhão-cegonha, ainda consegui me segurar no corrimão para não despencar escada abaixo, mas não me livrei do ônibus e da caminhonete que vieram atrás.
Então, rapêize, volta a nova versão do Show de Mulher: além das costas picadas de mosquitos (não, tia, não botei repelente; em minha ancestral sabedoria, me enfiei no meio do mato, às seis e meia da manhã, de camiseta curta e short. É, eu sei que sou esperta), estraçalhei meu pobre joelho, já tão castigado pela vida.
Mas o dia é longo. Depois que as meninas saírem vou dar banho nos cachorros e um trato no pomar – de bronzeador, repelente e joelheira.
Bom dia. São 9h3m. Céu azul, temperatura em elevação. Em Santa Teresa, 27 graus.

sexta-feira, março 11, 2005

No calor da noite

Crianças na cama, malinha das duas arrumada, fui para o meu posto de observação. A noite está fantástica, como as noites de verão sabem ser. Daqui de cima, o Rio parece limpo, civilizado. Os sons que chegam são de cidade do interior: um cachorro latindo, água correndo, alguém assobiando longe.
O prédio do Comando do Exército fica iluminado a noite inteira, e é bonito de se ver. Ao redor de mim, encostas com árvores centenárias – a amendoeira na minha calçada já ultrapassou o telhado, o que dá uma altura de um prédio de quatro andares.
Meu vizinho da esquerda é um chato de galochas. Acende um baseado assim que acorda – e isso jamais acontece antes das nove da manhã. Detesta meus cachorros, que acordam cedo como as donas. Mas, puxa vida, que gosto musical o cara tem. Quando eu subi, a vitrola lamentava-se em Dolores Duran. Agora, já está às lágrimas com Maysa.
Tudo bem, ele é um bolha. Mas para ouvir essas duas numa sexta à noite é porque ele deve estar numa fossa danada, coitado.

Sétimo Céu

Mandei meus contos para um grande amigo e escritor (ele publica por duas editoras grandes, do primeiro time) para que ele avaliasse o que escrevo. A resposta dele chegou agora, por e-mail:

Era você!!! Que história, hein? Deu para brincar de Fernando Pessoa? Então sou o Estêves, do poema Tabacaria. [...] teus contos são fantásticos! a suavidade árida, o humor didático que ensina a desconstruir, a respiração presa para soltar depois de contar até dez. tua literatura tem a despretensão de um beijo no rosto que acaba sem querer na boca. teus contos me alegraram - quanta surpresa! Tens a minha efusiva recomendação!

É bom ser famosa no anonimato :o)

Cenouras e algemas

Você conhece o Mundo de Piven?

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Hoje, no Segundo Caderno de O Globo (pág. 5) vi um anúncio surreal (tá no pé da página): "O casamento é um mistério. A solução é o final feliz. Sucesso mundial entre os amantes de palavras cruzadas". O nome da revistinha? "Até que a morte os separe". Um lançamento Ediouro/Coquetel.
E assim me lembrei das palavras do poeta: "Palavras cruzadas, feitas em dupla, terminam com rapidez e não têm graça."

A falta de opção

[...] Quem diz que não tem opção ainda tem opção. Mesmo que seja para mudar de idéia, mesmo que seja para gostar novamente do que deixou para trás. Todos temos opção, sorrir ou ficar sério, brigar ou fazer as pazes, fugir ou pedir o divórcio, viajar ou pedalar o mar. Ao atravessar a rua, tenho a opção de olhar para a esquerda ou para a direita, para a amizade ou para sedução. Há opção na falta de opção. Há opção até depois da morte. Não admito essa covardia de escrever a própria vida sem assinar.

Fabrício Carpinejar

Do Leblon ao Catete

Tenho uma reunião importante e, para adiantar o trabalho, peguei um táxi. No momento que sentei no banco, vi um verdadeiro outdoor evangélico no painel do carro. Contei cinco adesivos "Cristo é minha luz", sem contar os santinhos e o indefectível terço pendurado no espelho.
- A senhora se importa de eu botar uma musiquinha?
- ("Ai, Jesus...") Não, tudo bem.
- É uma seleção que eu mesmo fiz, gosto de dirigir ouvindo música.
Enterrei a cara no jornal e me atraquei com o caderno de economia, para parecer concentradíssima e cortar qualquer idéia de arrebatamento da pobre ovelha desgarrada do rebanho do Senhor. Que, aliás, não deve ter nada para fazer lá em cima, a não ser curtir com a minha cara.
Porque a primeira música era... Eric Clapton. Depois, seguiram-se Lou Reed, Joe Coltrane, Ella Fitzgerald, Ray Charles!
Ainda bem que ele errou o caminho. Deu pra ouvir até o finzinho o solo de Miles Davis.

quinta-feira, março 10, 2005

Belas maldições

Quase sete horas, atrasada para pegar as meninas na escola - eu dentro do ônibus, um calor anunciando a vinda da Besta. O ônibus desceu do viaduto... e parou.
Passeata dos trocadores de ônibus. Mereço.
Salto correndo, vou dando dribles nas pessoas que descem no meio da rua, me jogo numa boca do metrô, bilhete já na mão. Quando chego na plataforma, vem apitando a composição.
Vazia. Ar-condicionado. Plantações verdejantes e laranjantes de bancos desocupados. Vista deslumbrante dos túneis.
Na estação seguinte, ela entra.
- Por que você se espremeu aí no cantinho?
- Perdão...?
- Você acha que eu tenho bunda grande, né? Pode dizer.
- [...]
- Ah, não vai responder? Eu tenho bunda grande sim, e daí? Qual o problema? Meu homem gosta!

"Oi! Você ligou pra Deus. No momento eu não posso atender. Após o sinal, deixe seu recado. Obrigado!"

No âmago

Estava eu explicando um croqui para um rapazinho do departamento de design. Me inclinei sobre a mesa e senti aquele olhar. "Hum, olhando os meus peitos, hein?"
- Nunca viu?
- Com essa mira, não.
Tinha enfiado o cordão que prende as alças do meu macacão dentro da caneca cheia de café.
Thank you, God. Sooooooooo much.

Fábulas de Esopo

A aranha passeava pela parede, como quem não quer nada, mas à espreita. A formiguinha deu de cara com a aranha, deu uma brecada mas, como a aranha não fez nada, seguiu em frente. A cena se repetiu com outras duas formiguinhas. Aí veio uma formigona e a aranha crau! nela.
A moral da história? Tem, não. Quando se fuma no meio de uma dúzia de operários do galpão principal e quatro boys, não se tem muito assunto.
Ah, eu não vi a b. da BBB na capa da Sexy. Não vi, não.
Sorry.

Todas as cores e sabores do mundo

Aqui na esquina da rua onde trabalho, todas as quintas, tem uma feira. Tem gente que prefere saltar a três quarteirões do que vir pela outra ponta, bem mais perto, mas onde se instala os caminhões de peixe. Eu adoro. O peixe fresco, as postas abertas, a carne brilhante, o gelo arrumado artisticamente (tem feirante que enfeita até com casquinhas de limão) me encantam. Não sei porquê.
Adoro o mar e tudo o que vem dele. Adoro praia, não pelo motivo nascisista de quase todo mundo que freqüenta. Gosto de andar pela praia, sentar-me na areia e cheirar a maresia. O vento salgado, o barulho - que barulho! Dá para chamar aquele arrulho de "barulho"?
E a feira me lembra coisa de criança - não a minha infância (até um pouco) mas a infância de Drummond, Bandeira, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector. TODO mundo ia à feira. Os supermercados eram mercearias - a lembrança mais vívida que minha mãe guarda de sua infância é ela, com quatro anos, marcando seu lugar na fila do pão - a família, muito grande, ia em peso buscar sua ração de pão, em tempos de guerra. Ela, em cachos, fitas e rendas, aguardando sua vez de pegar o pão, numa esquina da Tijuca. Atrás dela, os outros três irmãos, a mãe, o pai, os tios, a avó e o avô.
Gosto do cheiro e do barulho das feiras. Tem gente que compra flores (mesmo sabendo que muitas vezes elas não sobreviverão para ver o carrinho dobrar a esquina), temperos a granel (nossa, que espanto ao descobrir que baunilha vem em favos, e que o curry é uma mistura de pós aromáticos!). As mulheres que compram... por que a maioria é de portuguesas? Os coques branquinhos, os cabelos macios escapando por cima do invariável xale preto (faça calor ou brisa fresca), as reclamações da vida, naquele sotaque não domado nem por mais de 50 anos de Brasil ("Não, sinhoire, não preciso de paixe muito grande porque amanhã não vou cozinhaire").
Quinta-feira é dia de comprar biscoitos para as meninas. Sequilhos, de nata, com goiabada, rosquinhas de leite, de lamego, de cebola, pimentinha, folheados...
A feira começa bem o meu dia. Pena que somente às quintas.

Fortuito

- De novo, minha filha?
- De novo, D. Lúcia.
- Assim não pode ser, Suzana. Mas, também, só assim te vejo... Toma essas balas de café. Assim que subir no ônibus, bota as duas na boca – e vê se não perde o ponto de novo!

D. Lúcia vende balas no ponto final do ônibus que pego para vir trabalhar. Não tem um dente na boca, mas o mundo mora naquele coração idoso.

quarta-feira, março 09, 2005

Fluorescente

Deu pra ouvir lá do terraço:

- É amarela!
- É verde!
- Amarela!
- Verde!
- AMARELA!!!
- VERDE!!!
- A-MA-RE-LAAAAAAAAAAAAA!!!!!!
- Feia!
- Chata!
- Boba!
- Bacalhuda!

Uh! Chamou pra briga.

- Ei, ei, ei! O que é isso?
- É ela, mamãe!
- Né nada, foi ela que começou!
- Não me interessa quem começou! Vamos parar já com isso!
- Mas foi ela, mamãe. Eu disse que é amarela e ela falou que é verde!
- É verde!
- Não é, é amarela!
- O que é verde ou amarela??
- A sua perna, mamãe. É verde ou amarela?

Preciso de sol. Urgente. Antes que eu comece a brilhar no escuro.

terça-feira, março 08, 2005

"Amando você"

 Posted by Hello


A escalada é demorada. É preciso preparação, fôlego. Um roçar de mãos, de braços. O beijo terno, dedos carinhosos alisando, tateando, procurando onde se apoiar. Vocês sobem, cordas tensionando-se em pernas e braços urgentes. A subida é dura, íngreme, mas é sabido: a vista é maravilhosa. Não dizem isso, sempre? Pois há de ser assim.
Cada vez mais poderosa, desafiante, sarcástica, a montanha debocha, ri. O silêncio é ensurdecedor, nada mais é ouvido, a não ser a respiração entrecortada, nomes e promessas sussurradas em aflição. Nada é certo nem será lembrado depois; no momento do presente já será passado amargo. Mas você avista o cume, e aperta o passo, esquece o cansaço e dá a mão ao companheiro. É preciso correr, a noite está chegando, nada mais importa. Você alcança o pico da montanha, ri, grita de felicidade, abre os olhos, e vê, no meio do intenso nevoeiro do gozo, os olhos dele. E descobre que, ao contrário do que você tão intensamente sentia, são duas encostas, duas montanhas, duas caminhadas. Vocês jamais estiveram juntos. E olha, estarrecida, o abismo da descida que terá que empreender, penosamente, na mais completa solidão.

Para todas nós

O homem escreve como quem grita.
A mulher escreve baixo, em prece.

Fabrício Carpinejar, "Cinco Marias"
Editora Bertrand, 2004.

Prima Donna

Recebi convite charmoso e muito tentador para ser uma VIP na noite de cantoria do Jorge Drexler na inauguração do FM Hall, sala de espetáculos da Oi. Mas vou esnobar. Na boa, estou muuuuito cansada, e essa noite ainda passei pelo horror de acordar com vozes no quarto das meninas - para descobrir que era a p. da boneca da Catatau que disparou a falar "Esse é o meu olho", "Essa é minha boca", às três da manhã.
Sorry, periferia, mas vou pra casa ver "O laboratório de Drexler" :o)

segunda-feira, março 07, 2005

Pela popa

Há mais de dez anos não uso calças compridas. Adoro saias e vestidos - acho que sou a única mulher do planeta abaixo dos 50 anos que usa combinação.
Hoje tive um acidente na escola das meninas e fui correndo ao meu QG (a casa da minha mãe) para trocar de roupa. A única coisa que achei foi uma calça jeans que minha irmã esqueceu, ainda no carnaval do ano passado. Como já estava atrasada (ia me encontrar com uma pessoa no Centro) vesti aquilo mesmo.
No metrô, lotado, passaram a mão em mim. Vesti sempre saias e vestidos, curtos e compridos, e nunca isso aconteceu. Foi botar uma calça jeans e vem um babaca me apertar a bunda.
Preciso urgentemente ou levar mais roupas para a casa da minha mãe ou de alguém que passe regularmente a mão no meu traseiro - mas com a minha permissão :o)

domingo, março 06, 2005

Desejo

A noite cresceu as pernas
e avolumou os seios.
Não sou de ninguém.
Amo de empréstimo.

Descobrirás quando minto.
Não exagero
ao contar uma verdade.

Fabrício Carpinejar, "Cinco Marias"
Editora Bertrand, 2004

Eldorado

Moro numa casa alugada muito velha, de 1924. Quando vim para cá, ainda estava casada e, mesmo sabendo que não era o que eu queria, assim mesmo aceitei porque já sabia naquela época que, em dois meses, pediria o divórcio - era questão de deixar passar o Natal e o Ano Novo - e eu poderia, com meu salário, bancar a despesa.
Depois, aprendi a amá-la. As paredes precisam urgentemente de uma pintura; tenho poucos móveis e quadro nenhum. Mas eu, deitada na minha cama, vejo o amanhecer em todo o seu esplendor. No outono e na primavera, naqueles dias límpidos de frio e céu azul, vejo da minha varanda o Dedo de Deus.
A casa é construída numa encosta. Tenho um enorme terraço com um pomar. Lá instalei meu fumódromo: em cima da caixa d'água. Subi ali agora há pouco, para ver o pôr do sol. Na verdade, eu não posso ver realmente o entardecer, porque o sol desce às minhas costas. Mas do meu ponto de observação eu vejo todas as janelas de todos os prédios do Centro do Rio - Central do Brasil, Petrobras, BNDES, Catedral Metropolitana e mais dezenas de outros edifícios - refletirem a luz do sol e tornarem-se como de ouro puro. Ficam douradas, o céu vermelho. Hoje havia gaivotas nas correntes de vento. E eu fico ali, fumando, meus cachorros deitados em baixo, escutando a cantoria dos passarinhos no fim de tarde.
Nessas horas, meu coração admira aquela paz, por um instante que seja. E eu sou feliz.

Todos a passear

Um domingo pra lá de bom, como há muito eu não passava. Pra quem é do Rio, o café da manhã do Cereal Panificação Artesanal é o máximo. Vista maravilhosa, quase tudo feito em casa (pães, geléias, doces, queijos), e em Santa Teresa! Almoço num italiano da Barra e, de tarde, sorvete no Mil Frutas e exposição na Casa Julieta de Serpa. Tudo em ótima companhia :o)
Estou um bagaço, mas em paz para enfrentar os fantasmas noturnos e a semana que começa.

sábado, março 05, 2005

A maluca de Santa Teresa

Esta sou eu. Essa foto é especial porque eu estava grávida de dois meses e não sabia. Só soube desse filho (ou filha), na verdade, quando me casei, um ano depois. Foto de Flávia Pereira.

 Posted by Hello

Levem meu beijo a ela

No Dia Internacional da Mulher (dia 8, terça-feira) quem mora no Rio tem encontro marcado com ela: Marina W vai estar no Fórum Cultural Fnac (BarraShopping) às 20h falando sobre filmes memoráveis, artistas e curiosidades de Hollywood e do cinema brasileiro. A Musa vai ter a companhia de Ayrton Chaves, colaborador do livro "O caderno de cinema de Marina W", editado pela NAU.
Ahn? Você AINDA não tem esse livro? Meu Deus, que mosca imensa você comeu... Tava gostoso?

Ah, querida, adoraria ir pra te dar um beijo imenso. Mas você sabe que não dá, né? Então se sinta bem abraçada, acarinhada e paparicada. Vai ter gente suficiente para fazer isso por mim. E não se esqueça de consultar o Oráculo sempre, viu?

Ausente

Meu medo se interessa por qualquer ruído.
Hoje quero alguém para conversar enquanto dirijo,
baixar os faróis em estrada litorânea,
enxergar pelas mãos.

Fabrício Carpinejar, "Cinco Marias"
Editora Bertrand, 2004

Neologismo

Beijo pouco, falo menos ainda
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo.
Teadoro, Teodora.

[Petrópolis, 25 de fevereiro de 1947]

Adoro Manuel Bandeira.

Bom-dia! São 7h51m. Céu limpo, sem nuvens. Possibilidade de chuva no fim da tarde. Em Santa Teresa o termômetro marca 23 graus :o)

sexta-feira, março 04, 2005

Livre acesso

Do menu de opções do site do I Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão:

Inicial
Organização
Download Anais
BVS-Psi
Ajuda
Contato

Freud explica.

Olho por olho

Da Coluna Gente Boa do Globo de hoje:

Uma parcela considerável dos brasileiros é a favor de punições ilegais para criminosos. Este é o resultado de uma pesquisa com duas mil pessoas em todo o país, coordenada pelo cientista político e professor da UFF Alberto Almeida, que sairá no próximo número da revista "Insight-Inteligência", nas bancas no fim do mês.
Entre os ouvidos, 40% acham certo que um estuprador sofra a mesma agressão por parte de outros presos na cadeia.
Cerca de 30% acham normal a polícia bater nos suspeitos para que eles confessem os crimes.
Outros 29% sugerem que a polícia mate os ladrões.
Nada menos que 28% defendem a promoção de linchamentos públicos.

Wish list

Relançamento de 'O Grande Circo Místico' desperta lembranças pessoais sobre o disco

"Com a verdadeira história do Grande Circo Knieps/ Muito pouco se tem ocupado a imprensa". Assim termina o poema "O Grande Circo Místico", de Jorge de Lima, inspiração primeira para o álbum homônimo de Edu Lobo e Chico Buarque, que reunia as músicas feitas para um espetáculo do Ballet Guaíra com roteiro de Naum Alves de Souza. O disco, que chegou às lojas originalmente em 1983, agora ganha luxuoso relançamento pela gravadora Dubas.

Ítem dois da minha lista de prioridades supérfluas :o)

Sem perder a ternura

"E aqui, antes de continuar este espetáculo, é necessário que façamos uma advertência a todos e a cada um. Neste momento, achamos fundamental que cada um tome uma posição definida. Sem que cada um tome uma posição definida, não é possível continuarmos. É fundamental que cada um tome uma posição, seja para a esquerda, seja para a direita. Admitimos mesmo que alguns tomem uma posição neutra, fiquem de braços cruzados. Mas é preciso que cada um, uma vez tomada sua posição, fique nela! Porque senão, companheiros, as cadeiras do teatro rangem muito e ninguém ouve nada".

(Oduvaldo Vianna Filho, na peça "Liberdade Liberdade", de Flávio Rangel e Millôr Fernandes. Trecho introduzido no dia da estréia, a pedido do arquiteto Lúcio Costa que, tendo assistido ao ensaio geral, sugeriu aos autores que fizessem alguma coisa com referência ao lamentável barulho das cadeiras do teatro. Não podendo apelar para a engenharia, os autores apelaram para o humor.)

A migalha e a fome

No meio-fio da
calçada
e da vida, no
meio-fio
do livro e do amor,
uma fome
de comer cada vez
menos.

Maria Carpi, "A migalha e a fome"
Editora Vozes, 2000

Em Roma como os arqueólogos

Em Roma como os arqueólogos
"Arqueólogo austríaco morre soterrado em local de escavações (Reuters)

VIENA - Um arqueólogo austríaco morreu soterrado nesta sexta-feira quando a escavação onde trabalhava desmoronou em Salzburgo, afirmou a polícia. [...] Os arqueólogos procuravam relíquias em uma fazenda romana que agora está em uma área industrial."

Há alguns anos, tive o privilégio de conhecer Roma. Numa sorveteria, o dono veio conversar comigo (eu estava tentando ler um "A divina comédia" em italiano :o). Falamos das cidades - a minha e a dele - e perguntei se era bom morar em Roma, no berço da civilização ocidental: "É uma droga. Qualquer conserto de cano demora meses: é só abrir um buraco que você acha ruínas, esculturas, armaduras de centuriões e até vasos com cocô! Mas não importa: é tudo arqueologicamente histórico!"

Laje

Nada mais triste e miserável
do que, num mar de antenas
secar um par de sapatos.

quinta-feira, março 03, 2005

Na gaveta



"Rinus Michels, ex-técnico do chamado 'Carrosel Holandês' e que comandou também Barcelona, Ajax e Bayer Leverkusen, morreu nesta quinta-feira, dia 3, em um hospital na Bélgica em razão de problemas cardíacos. Michels, que jogou como meia do Ajax na década de cinqüenta, começou a treinar o clube holandês em 1965. Depois passou por Barcelona e pela seleção holandesa, com a qual conseguiu o título de campeão da Europa, em 1988.
O treinador foi o comandante da famosa Laranja Mecânica, que caracterizada pelo 'futebol total' de seus jogadores, um estilo que Michels inventou. O profissional tinha feito uma cirurgia cardíaca preventiva no dia 18 de fevereiro, mas teve complicações pós-operatórias e morreu esta madrugada.
Michels era conhecido como 'O General', apelido que ganhou durante sua época de técnico, pela dureza que tinha com os jogadores. Na Holanda, uma frase sua ficou famosa: 'O futebol é a guerra'."

Eu sempre fui aficionada por futebol. Quando era menina, a maneira que eu imaginei para me aproximar de meu pai, um homem seco e nada carinhoso, foi me tornar o filho que ele teve mas que jamais cumpriu o papel de companheiro paterno. Dividia com meu pai os consertos de casa (e com isso aprendi carpintaria, pintura, hidráulica e elétrica), os consertos do carro (o que me levou a começar a estudar mecânica) e as tardes vendo futebol e Fórmula 1.
Campeonatos estaduais, municipais e até nacionais não me atraíam muito, porque torcíamos por times diferentes - eu curtia sozinha. Mas Copa do Mundo era outra conversa.
Eu me lembro da vitória do Brasil em 70, meu pai gritando feito um desesperado. Eu me lembro do quase-gol perfeito do Pelé, contra a Tchecoslováquia. Me lembro do Beckenbauer jogando com o braço imobilizado. Me lembro de uma cotovelada do Pelé na cara de um gringo - que o juiz não viu. Me lembro que a TV pifou no meio de um jogo decisivo para o Brasil em 1978. Eu me lembro da derrota em Sarriá. Me lembro eu assistindo à Copa do Mundo de 94 e uma criatura perguntando: "Se o juiz é aquele ali, quem são esses do lado do campo?"
Me lembro que eu gritei "É pentacampeão" com minhas meninas no colo, nós três berrando até enrouquecer. O grito ressoou pelas encostas de Santa Teresa, e os olhos das minhas filhas brilhavam de excitação por poder gritar e rir à vontade – e ouvir outros gritos, ecoando pelas ruas ainda desertas.
Eu me lembro menina, na sala de um apartamento sem móveis, apenas a televisão e uma cadeira. Sentada no chão, meu pai inclinado sobre mim, tentando explicar com uma paciência cheia de pressa o que era o Carrossel Holandês.
Porque o jogo ia começar.

As tormentas, de Pessoa

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

...

Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.

Castelos

A cidade, arrasada,
amanheceu em cinzas.
Ninguém ali acreditava
que seria possível ver o dia
se a noite não se acabara.

quarta-feira, março 02, 2005

Samba-canção

Samba-canção
Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça, pelo telefone – taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar, meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica, e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
era comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz...

Ana Cristina César, "A teus pés"
Editora Global Brasiliense, 1993

...

Minha avó já aconselhava que, na falta de coisa melhor para dizer, deixe os outros falarem. Sábio conselho.

Eternidade mortal

Mário Palmério projetou, ele mesmo, o seu mausoléu com três túmulos, sendo os dos lados para dois velhos e queridos amigos e o do centro para ele mesmo, que assim explicava suas razões:
- As almas conversam. E quero ter, ao meu lado, na eternidade, pessoas inteligentes e agradáveis.

Uma arte perdida

Do Caderno Mais! da Folha de São Paulo:

"Em 'Striptease The untold history of the girlie show' (Striptease - A história secreta do show das meninas, OXford, 438 págs, US$ 30, R$ 77), Rachel Shteir mostra as origens do striptease e explora a influência que exerceu na obra dos escritores como Gustave Flaubert (1821-80). Comentando o livro para a revista New Yorker, a escritora Francine du Plessiz Gray afirma que o striptease é uma das três maiores contribuições dos EUA para a cultura popular (as outras seriam o jazz e o cinema)."

...

"O que se adia não será cumprido depois."

Fabrício Carpinejar

Safra XXI

Antigamente, quando você queria comprar um carro, tinha uma dúzia de modelos, se tanto, para escolher. Comprar cigarros, a mesma coisa: dos mais fracos, Free, Ela & cia. Os mais fortes: Hollywood, Malboro, Carlton. Agora de Hollywood você encontra vários blends; Free tem até um miudinho, chamado Flex, para os que, como eu, querem se enganar que fumar menos faz menos mal (ou, como um amigão meu diz, "é um less de menos, não um plus a mais" :o)
Definitivamente, estou ficando velha.

Som da hora

"Catavento e girassol", de Leila Pinheiro. A música que dá nome ao CD é de Aldir Blanc, que devia estar tomando santo quando escreveu "Eu sou você que se vai no sumidouro do espelho" e variantes. Até hoje eu sinto os olhos encherem de água quando ela canta "Eu sinto muita saudade/ você é contemporânea".
Não sei porquê.

terça-feira, março 01, 2005

Mãe

Sinto o ventre vazio,
apesar de nele habitar
o eco de minhas filhas.

Contrariando o poeta,
parir é gerar saudade.

Em cima da hora

Manchete do site de notícias:

"Compras das mulheres puxam a expansão do mercado de cartões de crédito."

Jura?

Sex in the city

Ontem, voltando do trabalho, não deu pra não notar a placa do táxi num ponto em frente à Candelária.
LOV 0969
Ménage... a trois?

Upgrade

Glória maior não é dizerem que você tem cara de 32 quando você está beirando os 40. Não é ouvir "Mas como você dá conta de tudo?", não é ver o orgulho com que suas filhas desfilam com você na escola quando chega a reunião de pais & mestres.
Bom, é isso, também. Mas a glória maior é vestir tranqüilamente um short que você usava há muito tempo - mais precisamente, antes de entrar na faculdade. A primeira. :o)

Filosofia de frege é melhor

É roubado, mas não deixa de ser fenomenal:

Pra curar amor platônico, só uma trepada homérica.

Não é supimpa? Amei!

Tattoo

As meninas vão novamente para a casa do pai no próximo fim de semana, então aproveitei e marquei uma sessão para refazer minha tatuagem, que está mais do que desbotada (ela tem 18 anos, coitada. Até que resistiu bem). Para não ir sozinha, já liguei para duas amigas; nenhuma das duas quer ir, porque "tem aflição".
Catatau se ofereceu pra ir (Zé Colméia quer ir "porque eu quero uma igual pra mim"). Como não quero ter que explicar isso a um Juizado de Menores, vou sozinha, mesmo.
Eu já fui mais corajosa. É a idade.

...

O amor é, antes de tudo, parceiro da solidão.
Pelo menos, para mim.