tag:blogger.com,1999:blog-116742032024-03-14T07:03:23.822-03:00Breviario das HorasSuzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.comBlogger2022125tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-66893804904546562062017-11-23T09:13:00.004-02:002017-11-23T09:48:56.819-02:00MatinêTrês e meia da manhã é a hora que você vai dormir. E, obviamente, às seis e meia tem alguém te cutucando, em caráter de urgência. Mas nunca é pra dizer "mãe, tem um homem lindo na sala falando que quer dividir a vida e a fortuna dele com você". Não. Isso é só pra gente normal, tipo a namorada do Idris Elba. Comigo é pra comunicar que a doga cagou toda a cozinha. To.da. E pisou em cima. E carimbou a sala. E deixou o grande final na porta da sala; o item escolhido não foi o número um (que, apesar de tudo, se fez presente na cena), mas sim o número dois - de novo - na versão clássica "Explosão do Krakatoa" ("O uso de toalhas de papel, detergente aroma limão siciliano com toques de tangerina e luvas de kevlar é altamente recomendável").<br />
<br />
Meia hora (e mãos e braços esfregados com pasta rosa) depois, você volta para o oco quentinho e macio do seu edredom plus cobertor de lã de alpaca e se aquece o bastante para ser cutucada de novo: uma versão estendida do diretor, agora denominada "Explosão do Krakatoa - Inferno de Java", teve lugar novamente na cozinha, desta vez com a participação especial das paredes e da porta de um armário.<br />
<br />
Rá. Isso não acontece com a namorada do Idris Elba. Certeza.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-88492732764370115602016-10-20T12:41:00.000-02:002016-10-20T17:29:45.173-02:00Não maisHoje em dia, quase todo supermercado tem fila para 15 itens, ou
seja, se você tem na sua cesta ou no carrinho menos de 15 itens, pode pagar no
caixa destinado a clientes que querem comprar 15 itens ou menos. Simples.<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas aí o cara chega no caixa, bota sobre a esteira a cesta e
tira dela 16 itens. “Senhor, este caixa permite apenas compras de até 15 itens”,
protesta polidamente a caixa. O cliente então olha diretamente nos olhos dela e
diz, com ar de superioridade, “Ora, é apenas um item a mais, não é um problema
assim tão grande, não?” e sorri. A jovem não retruca (foi-lhe dito no
treinamento que o cliente sempre tem razão), abaixa a cabeça, fecha a compra, embala
tudo e o homem sai, cabeça erguida, com seus 16 itens.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A fila continua a andar. Alguns clientes resmungam, outros
sorriem, alguns mais resolvem ignorar o ocorrido (“Tem gente mal educada em
todo lugar, o que se pode fazer? Nada.”). Lá atrás, um rapaz viu a cena. Baixa
os olhos, conta quantos itens tem na cesta: são 14. Ele quer levar ainda um
pacote de batatas fritas, uma cerveja e um chocolate. “Ah, foda-se”, pensa,
enquanto vai pegando o que quer nas gôndolas por entre as quais a fila
serpenteia. Ao chegar sua vez, ele olha firmemente a funcionária do caixa,
depois de despejar o conteúdo da cesta na esteira. A moça não fala nada; apenas
baixa o olhar, registra tudo, embala as compras e recebe o dinheiro, em
silêncio.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na fila do lado, outro homem observa a cena e sorri: ele tem
quase 20 itens no carrinho. Quando chega a sua vez, encara a mulher sentada do
outro lado da esteira - mas, para sua surpresa, ela se recusa a registrar suas
compras. “O senhor tem 19 itens, e este caixa é somente para compras de até 15”,
diz ela. “Isso é ridículo! É pouca coisa a mais!”, diz ele, ainda divertido e
já irritado. A caixa continua a argumentar e a mostrar a placa onde se lê “Compras
até 15 itens”, e ele começa a erguer a voz, a se inclinar sobre a esteira. Ela
permanece inalterada, e gesticula chamando a fiscal. “Esse senhor quer passar mais compras que o permitido.” “Senhor, infelizmente não podemos registrar o que o senhor
comprou porque...”</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E o impasse continua. Algumas pessoas acham a discussão uma
bobagem sem tamanho (“Gente, isso acontece em qualquer lugar, qual o problema
se for uma comprinha a mais? Afe!”), outros dão apoio à funcionária, outros
obviamente não dão a mínima. O caso é levado ao gerente que, depois de se
aproximar e ouvir a história, se vira para a caixa e para a fiscal e diz “Pra
que essa confusão por causa de poucos itens? Vocês estão desperdiçando meu
tempo e, pior, o tempo do cliente! Ele se enganou, pegou itens a mais, e daí?
Todo mundo faz isso! Em vez de reclamar você deveria ser mais ágil, assim as
compras passariam mais rapidamente, a fila andaria e o cliente não sairia daqui
com o dia arruinado por conta de um problema inexistente que, no fim das
contas, foi você (e aponta o dedo pra cara da caixa) quem causou.”</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Fechada a conta, o cliente vai embora, feliz com seus 19
itens e porque (alguém duvidava?) ele tinha razão. O cliente sempre tem razão.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ao longo do tempo, são muitos os que testam se conseguem
passar com mais de 15 itens pelo caixa rápido. Algumas semanas depois, já era
possível ver compras de 20, 25 itens rolando pelas esteiras. As funcionárias
eram orientadas a não criar caso – porque, afinal, o que são algumas poucas
coisas a mais? Caras novas, velha
estratégia. Ainda havia quem resmungasse entre as filas, mas de nada adiantava:
o cliente sempre tem razão. E foi por isso que, em poucos meses, carrinhos
abarrotados se enfileiravam nos caixas de até 15 itens. Mesmo tendo quem reclamasse
com o gerente (que botava invariavelmente a culpa na caixa, que sempre era “lerda
demais” e “pouco inteligente”, além de “não entender nada”), muitos pensavam “Ah,
isso acontece por toda parte, é da cultura, o que se há de fazer?”, enquanto uma parcela
significativa (que despejava muito mais que 15 itens na esteira do caixa) achava ótimo
porque “Ora, são poucos itens a mais, qual o problema?”</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Lucía Pérez mostrou a tod@s nós qual é o problema.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://3.bp.blogspot.com/-RH39hmX3-Qc/WAjV07u1QNI/AAAAAAAAo2I/sXzzO-9M0EAZw7VcorFi5b4_Vdza6eoIgCLcB/s1600/NiUnaMenos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="266" src="https://3.bp.blogspot.com/-RH39hmX3-Qc/WAjV07u1QNI/AAAAAAAAo2I/sXzzO-9M0EAZw7VcorFi5b4_Vdza6eoIgCLcB/s400/NiUnaMenos.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Buenos Aires, Argentina, 19 de outubro de 2016. #NiUnaMenos</i></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-40455317249155084702016-02-20T01:05:00.002-02:002016-02-20T01:08:42.019-02:00"I love the smell of book ink in the morning"<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-p0desDgusCU/VsfW3INmHrI/AAAAAAAAo0U/zPgOeZv908Q/s1600/Umberto%2BEco%2Bby%2BChris%2BBuck%252C%2BThe%2BRed%2BList.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-p0desDgusCU/VsfW3INmHrI/AAAAAAAAo0U/zPgOeZv908Q/s320/Umberto%2BEco%2Bby%2BChris%2BBuck%252C%2BThe%2BRed%2BList.jpg" width="316" /></a></div>
<br />
<i>"What are you at work on now? </i><br />
<div class="story-body-text story-content" data-para-count="749" data-total-count="2314" itemprop="articleBody">
<i>A. </i>I
am in turmoil over a very complex story. In the States, they publish an
enormous collection of books called “The Library of Living
Philosophers.” It started with John Dewey and Bertrand Russell and the
last book was about Richard Rorty. For mysterious reasons — probably
because there is nobody else is around — they chose me for the next one.
These are books of 1,500 pages. I am supposed to write 100 pages of
philosophical autobiography. And there are 25 people, working at this
moment, each writing a paper on my philosophical activity. And I am
supposed to read all of them and to respond to each of them with at
least three or four pages each. I think I have two years to work on it,
and I am hoping to die before I have to do it."</div>
<div class="story-body-text story-content" data-para-count="749" data-total-count="2314" itemprop="articleBody">
<br /></div>
<div class="story-body-text story-content" data-para-count="749" data-total-count="2314" itemprop="articleBody">
(<a href="http://www.nytimes.com/2013/11/28/arts/international/umberto-eco-a-master-of-fiction-considers-historys-lies.html?_r=0" rel="nofollow" target="_blank">"Umberto Eco: Exploring imaginary lands with one of Italy’s masters of fiction"</a> - Stephen Heymannov: The New York Times, 27 de novembro de 2013) </div>
Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-18978534862480926742015-12-11T00:10:00.002-02:002019-09-19T22:25:47.465-03:00Vida que segue e abana o rabinho<br />
Todas as noites. Ou é o calor de rachar que me faz levantar pra ver se as meninas estão fazendo sauna embaixo dos lençóis, a eterna briga só-durmo-de-janela-fechada-só-durmo-de-janela-aberta. Ou aquela tempestade que parece que vai levar embora o topo do prédio. Sempre SEMPRE tem alguma coisa que me faz levantar de madrugada e eu saio tropeçando em mochila sapatos brinquedos da doga aspirador de pó bolsa de livros fio da TV colchonete de ginástica saco de lixo do banheiro que ninguém levou lá pros fundos. Aí eu consigo enfim me deitar e fechar meus olhinhos. Por exatos cinco minutos.<br />
<br />
- Tô com sede.<br />
- Ai, caramba, vai lá na cozinha beber água.<br />
- Tá escuro.<br />
- Não tá nada. Não inventa e vai logo.<br />
- Tô com medo.<br />
- Não tem nada lá!<br />
- Tô com medo. E com sede. Muita sede. TÔ COM SEEEEEEEEEEEEEEDE!<br />
- Vai dormir que passa.<br />
<br />
[...]<br />
<br />
- Não passou.<br />
- &%$#*#&*#&@#&%$!<br />
- E agora tô com mais sede ainda.<br />
- E o que é que a senhora quer que eu faça? <br />
- Abre a torneira do bidê pra mim?<br />
<br />
E aí eu vou, xingando e tropeçando em mochila sapatos brinquedos da doga aspirador de pó bolsa de livros fio
da TV colchonete de ginástica saco de lixo do banheiro que ninguém levou
lá pros fundos, abrir o bidê pra doga beber água e, finalmente, me deixar dormir.<br />
<br />
***<br />
<br />
<br />
- Não entendi por que eles brigaram, mas eles discutiram. Depois ela foi pra casa da mãe dela e ficou lá a tarde toda.<br />
- Eita, que babado forte.<br />
- Vai vir separação... Veja nos próximos capítulos de "Casos de Famílias: o casal Paulana Barredes"!<br />
- E eu aqui perdendo isso.<br />
- Pois eu vejo de graça e em alta resolução, 3D som dolby stereo.<br />
- Eu só posso ler a sinopse.<br />
- Eu assisto até os créditos.<br />
<br />
Zé Colméia foi pra casa do pai, Catatau ficou comigo. O pai briga com a mulher todo santo dia. Nessa vida de tédio, em vez da usual troca de comentários no messenger, agora uma acompanha as discussões ao vivo, via skype, pelo celular da outra. Streaming da DR do pai - com direito a pipoca. Juro.por.deus - pi-po-ca. Não sei se premio a genialidade ou boto as duas de castigo.<br />
<br />
***<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-jwK2PI12wBs/Vmov83fuolI/AAAAAAAAozk/cL3KJx2UwFI/s1600/IMG_20151206_183004870.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://4.bp.blogspot.com/-jwK2PI12wBs/Vmov83fuolI/AAAAAAAAozk/cL3KJx2UwFI/s400/IMG_20151206_183004870.jpg" width="225" /></a></div>
<br />
Porque ninguém - nem a veterinária - vai ter vida fácil tentando por a mão onde mamãe passou talquinho.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-64851262344260982015-08-31T21:18:00.004-03:002015-12-10T22:43:45.842-02:00Mamãe só quer o seu bem Primeira consulta da minha mãe na terapia:<br />
<br />
- Filha, me bateu um arrependimento tão, mas tão grande em relação a você...<br />
<br />
(Ai, o momento "Devia ter apoiado mais você", "Queria ter estado ao seu lado quando você se divorciou", "Fui ausente quando mais você precisou de mim" e variantes tais. Olhos já marejando e...)<br />
<br />
- ... porque eu passei anos insistindo pra você fazer concurso pro Banco do Brasil ou pra Caixa Econômica. Se eu soubesse que análise dava dinheiro tinha falado pra você ser analista. R$ 250 a hora pra eu falar que minha preocupação maior é que as gatas estão mijando fora da areia? Só hoje quando estava lá contei quatro pessoas - são mil reais por dia. Mil reais! Agora não dá mais, né? Ou dá?
Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-76648847731470942372015-01-07T03:17:00.002-02:002015-01-07T03:17:39.976-02:00As pessoas são como cidades<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-mIZZ9W1kjzc/VKy_yFq8twI/AAAAAAAAoUw/s3kfncf1Hr8/s1600/Paris%2Bde%2Bnuit%2C%2Bpour%2BBrassai.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-mIZZ9W1kjzc/VKy_yFq8twI/AAAAAAAAoUw/s3kfncf1Hr8/s1600/Paris%2Bde%2Bnuit%2C%2Bpour%2BBrassai.jpg" height="300" width="400" /></a></div>
<br />
"Quem gosta de viajar talvez já tenha pensado nisso: as pessoas são como cidades. Quando nos envolvemos com elas, quando passamos a conhecê-las intimamente, é o equivalente a caminhar sem mapa por ruas nas quais nunca pisamos, por bairros que não sabíamos existir. O prazer desse passeio inaugural é irreproduzível. Você poderá voltar às mesmas ruas muitas vezes, deve fazê-lo na verdade, mas nenhum outro momento terá a surpresa daqueles instantes iniciais, quando os nossos olhos são puros e o nosso coração é virgem outra vez. Pode-se amar uma cidade a vida inteira, mas é impossível descobri-la duas vezes.<br /><br />A imagem das pessoas como cidades me ocorreu na semana passada, enquanto conversava com uma amiga que está redescobrindo o mundo. Falávamos de novos relacionamentos, sobre a luz fresca que eles despejam sobre a nossa vida, de como nos despertam a totalidade dos sentidos. Então surgiu a ideia de que as pessoas são como cidades ensolaradas e coloridas – às vezes sombrias e chuvosas - que vão sendo exploradas à medida que as conhecemos. Ou à medida que consintam em ser devassadas.<br /><br />Se eu olhar para o meu passado – e você para o seu – descobriremos ter passado por diferentes geografias humanas.<br /><br />Havia uma moça, aos 19 anos, que era uma tempestade em movimento. Enquanto estivemos juntos, eu descobria, a cada passo, ruas sombrias que me assustavam, placas com direções contraditórias, terrenos abandonados e hostis. Na cidade que era ela, quanto mais eu andava mais perdido me sentia. Consegui espantar o medo do que via em troca do prazer de estar ali, mas isso não foi suficiente. Antes que eu tivesse tempo de fazer um mapa, de ensaiar a mais elementar das compreensões, ela se foi. Só fui revê-la anos depois, ainda impenetrável, ainda perturbadora.<br /><br />Com o passar do tempo, eu, que me julgava um amante da sombra, descobri os prazeres da luz – e o fascínio daquilo que é, ao mesmo tempo, transparente e intraduzível.<br /><br />Uma mulher de imensa delicadeza entrou na minha vida e a encheu de sol. Mais que uma cidade, ela me pareceu um país inteiro. Andei tanto por suas ruas, me perdi tanto descobrindo, que não notei que havia ficado sozinho. Tive de deixar a cidade que eu amava e aquilo foi como um exílio. Passaram-se anos antes que eu encontrasse outra pessoa tão marcante, outra cidade tão nova e diferente da minha, outro lugar de onde não queria me afastar. Explorei essa nova cidade com a urgência de quem nunca vira nada semelhante, arfando e rindo, tomado pela alegria e o colorido do que ia percebendo. Nunca me senti tão acolhido, nunca fui tão feliz. Mais que uma cidade, havia uma festa ao meu redor. Quando, ao final, as luzes se apagaram, eu havia me tornado outro homem – suavizado pela experiência tranquila de amor, capaz de entender, finalmente, o que me cabe e o que me completa.<br /><br />Como sabem os amantes das viagens, uma cidade leva a outra. Explorar é explorar-se. Conhecer é conhecer-se. Cada experiência nos prepara para a outra. Cada mudança antecipa a outra que está por vir. Assim, aos trancos, cheguei à cidade onde me encontro. Não a havia antecipado. Quando a vi, me pareceu tão linda que não me cabia, mas fui ficando, como um usurpador ou um clandestino. Tornou-se o meu lugar. Às vezes descubro uma esquina nova, de vez em quando me perco na beira do rio, fico. Gosto do que conheço, sinto que há muito mais a descobrir. Percebo, meio encantado, que esta cidade cresce à frente dos meus passos, ao meu redor, comigo. Há nela algo de inesgotável que reage a mim. É a minha cidade. Cuido dela, que me faz feliz.<br /><br />Minha amiga me faz notar, porém, que nem todas as pessoas são cidades. Algumas serão vastos continentes gelados. Outras, apenas becos sem saída.<br /><br />Posto diante dessa imagem poderosa, me pergunto quem sou eu. Um quarteirão deserto e árido? Uma praça com bancos coloridos? Uma cidadezinha preguiçosa plantada num vale? Uma metrópole à beira-mar, varrida pelo vento e pela sirene dos navios? Eu não sei. Não sabemos, na verdade. E nem nos cabe dizer. Na verdade, temos de ser descobertos, nomeados e mapeados. É pelo olhar amoroso do outro que nos revelamos. É no olhar do outro que nos re-conhecemos. Como uma cidade. Um país. Um mundo que o outro queira habitar – e transformar em sua casa."<br /><br />(Ivan Martins, para a Revista Época)Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-4397322133529293392015-01-07T03:04:00.000-02:002015-01-07T03:04:31.604-02:00..."Às vezes, na vida, você tem que esquecer o que você quer para começar a entender o que você realmente merece."Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-18746662858021564262014-09-25T03:51:00.001-03:002014-09-25T03:51:29.741-03:00Papai que fezEu tinha cinco anos - meu primeiro ano na escola. Jardim de infância. Uma época em que os pátios viviam repletos de mães, avós, babás a levarem e buscarem as crianças da família.<br />
<br />
Eu tinha cinco anos e ia comemorar meu aniversário na escola. Eu não guardei nenhuma imagem do que aconteceu - não há nenhuma foto - mas a história me foi contada tantas vezes que eu, qual menina que ainda não sabe ler, criei dentro da minha cabeça o cenário e imaginei os personagens.<br />
<br />
Eu tinha cinco anos e ia comemorar meu aniversário na escola pela primeira vez. Ao contrário da minha mãe, que detesta cozinhar, meu pai colecionava dezenas de livros sobre culinária e, sempre que possível, ia às panelas. E foi num desses livros que ele encontrou o bolo: um castelo. Torres de casquinhas de sorvete. Paredes de waffles. Gramados de jujubas verdes. Portões de biscoitos de chocolate. Janelas de bolachas de maisena. Um castelo de contos de fadas.<br />
<br />
Eu tinha cinco anos, e para comemorar meu aniversário na escola meu pai, especialmente naquele dia, me acompanhou até a sala de aula. Ele contava que, andando com aquele gigantesco, extraordinário e inesquecível bolo nos braços, foi precedido por uma menina gordinha, saltitante em seu uniforme escolar de xadrez miúdo azul e branco e sapatos vermelhos de verniz, a cantarolar: "Papai que fez meu bo-lo", "Papai que fez meu bo-lo", "Papai que fez meu bo-lo". O único homem entre as dezenas de mães, avós e babás a rirem da situação.<br />
<br />
"Morri de vergonha", ele dizia, encabulado, toda vez que terminava de contar esta história. Mas olhando nos olhos dele, eu sabia que era mentira: para ele, era motivo de orgulho ser o pai que fez o bolo mais encantador e mágico que uma menina de cinco anos poderia querer.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-71261694745575112682014-05-03T16:07:00.000-03:002014-09-21T03:18:10.310-03:00Uma alegria excruciante<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-QExZVWilBls/U2U9Bycjb5I/AAAAAAAAC5A/BYnyjLbaIG8/s1600/calPB.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-QExZVWilBls/U2U9Bycjb5I/AAAAAAAAC5A/BYnyjLbaIG8/s1600/calPB.jpg" /></a></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="userContent" data-ft="{"tn":"K"}">"Na
semana passada, limpei o quarto da Cal. Era a faxina da primavera, mas
significou muito mais - mais do que apenas uma mudança de estação. Foi
como um ritual. Arrumei uma enorme caixa de brinquedos e fraldas para
doar à Creche St. John. Tentei não me importar muito ao separar os
brinquedos praticamente novos que eu doaria para a escola. Como minha
mãe, meu sentimentalismo jamais ultrapassa o pr<span class="text_exposed_show">agmatismo. Há algo pecaminoso sobre brinquedos e roupas juntando poeira, quando poderiam ser úteis a outras pessoas.
</span></span><br />
<span class="userContent" data-ft="{"tn":"K"}"><span class="text_exposed_show"> <br /> [ ...]<br /> <br />
Cal está morrendo; eu agora posso dizer isso e fazer planos para além
desse momento. Tenho pensado sobre as escolhas que fizemos antes e
discutido o que sinto sobre elas. Pat e eu tivemos uma conversa sobre o
que está por vir e usamos a palavra começada por "m" para descrever o
que está acontecendo. Pode-se imaginar que Pat e eu falamos sobre a
morte de Cal às vezes, mas não. Consigo dizer a estranhos no telefone
que Cal tem uma doença terminal, mas conto nos dedos de uma mão quantas
vezes eu já disse isso ao pai dela.<br /> <br /> [...]<br /> <br /> O que é tão
diferente do ano passado é a forma como os médicos e enfermeiros
recomendam medicamentos para ajudar minha filha ou sugerem
procedimentos. Agora, há muito pouco de novo a tentar. Quando os médicos
e enfermeiros olham Cal, eles nos perguntam o que queremos fazer; os
truques para tornar as coisas melhores parecem ter a mesma eficácia de
mudar as cadeiras de lugar no convés do Titanic que afunda. Cal estourou
todas as dosagens de medicamentos e a única droga que restou na caixa
de conforto é a morfina.<br /> <br /> Que estranho é saber que tão pouco
tempo resta. A morte, três anos e meio depois do diagnóstico, parecia
tão longe quando um dos médico nos deu a sua previsão do tempo que
restava a ela!<br /> <br /> [...]<br /> <br /> Disse coisas que nunca imaginei
que seria capaz de dizer: a algumas pessoas, que estou com raiva e me
sentindo traída por elas; a outras, que me sinto inundada de eterna
gratidão e apreço. [...] Não há filtros entre meus pensamentos e
palavras e ações. Não há tempo a perder com brincadeiras e diplomacia.<br /> <br /> Há muita coisa a ser feita."<br /> </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="userContent" data-ft="{"tn":"K"}"><span class="text_exposed_show"></span></span><br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="userContent" data-ft="{"tn":"K"}"><span class="text_exposed_show"> ***<br /> </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="userContent" data-ft="{"tn":"K"}"><span class="text_exposed_show"><br />
Maria Kefalas é a mãe de Calliope, uma menina que nasceu com
leucodistrofia metacromática (LDM) - um diagnóstico sem esperança: a
maior parte dos pacientes não vive até os cinco anos. Aos 47 anos, ela
quase largou sua cadeira na Universidade St. Joseph,
onde leciona sociologia. <br /> <br /> Ler o
blog que Maria escreve é uma lição diária de como viver, se questionar,
se descobrir falível e, ao mesmo tempo, forte o suficiente para apoiar a
quem precisa. Menos do que os procedimentos por que passa sua filha,
ela escreve sobre como nossas prioridades mudam; como errar e acertar;
como se lamentar (ou se congratular) pelas escolhas feitas e encontrar
novos caminhos a partir daí.<br /> <br /> Conhecer toda a vida dessa mulher
(desde o centro de estudos sobre violência juvenil que ela dirige,
fundado pela universidade em memória de um estudante brilhante, morto
estupidamente, até a perda do pai e o diagnóstico do marido, que luta
contra um câncer) é antes de tudo aprender a lidar com as pequenezas que nos
aborrecem e a manter as coisas sob perspectiva.<br /> <br /> O que Maria ensina é a arte de viver.<br /> <br /> <a href="http://www.thecalliopejoyfoundation.org/search" rel="nofollow nofollow" target="_blank">http://<wbr></wbr><span class="word_break"></span>www.thecalliopejoyfoundation.or<wbr></wbr><span class="word_break"></span>g/search</a></span></span></div>
Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-77484542916577794432013-12-07T19:24:00.002-02:002013-12-07T19:24:51.036-02:00Um anoDia 5 fez um ano que eu perdi meu pai.<br />
E eu me perdi esses dias, tentando entender como eu ainda não realizei que não, se eu ligar ele não vai atender.<br />
Ele não vai mais contar piadas idiotas quando eu ligar.<br />
Não vai mais contar aquelas histórias intermináveis.<br />
<br />
E eu ando com um medo muito louco de esquecer a voz dele, mesmo tendo descoberto uma gravação que meu mp3 vez, por acaso, quando eu estava em Friburgo. No silêncio do quarto (onde as meninas estavam lendo) dá pra ouvir ao fundo meu pai falando com minha mãe.<br />
<br />
Esse fiapo de voz, gravado do andar de cima da casa, é o único e último registro que eu tenho da voz do meu pai. Duas frases.<br />
<br />
É tudo o que tenho pra não esquecer.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-3926019823395373372013-11-18T20:29:00.000-02:002013-11-18T20:29:26.748-02:00...As coisas vão, aos poucos, se encaminhando. Depois de uma pneumonia e de um trabalho que me fez subir pelas paredes, estou voltando ao meu ritmo. Preparando, arrumando, doando, dando, jogando fora. Procurando apartamento em Londres. Fazendo uma lista de miudezas do tipo "como abrir conta em banco? Como ter linha de celular? Onde comprar roupas de inverno? Que documentos levar?"<br />
<br />
Pânico define. Mas a gente empurra o que aparece com a barriga e deixa que ela esfrie às vésperas da viagem, quando não tiver mais jeito.<br />
<br />
"Quando não tiver mais jeito" - essa é a minha técnica pra embarcar no avião sem olhar pra trás.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-37200450030209810992013-09-13T12:42:00.003-03:002013-09-13T12:42:18.795-03:00É necessário seloEu tinha uma caneta tinteiro, dada pelo meu ex-marido, com que eu escrevia cartas. Como meu casamento, perdeu-se. Muita gente pra quem eu escrevia, eu sei, não dava muita importância a isso. Mas sempre foi importante para mim. Escrever é importante em minha vida.
Cada resposta que eu dou, cada post que eu faço, cada mensagem que eu mando é importante para mim. É um pedaço do que eu sou, é o que eu quero que o mundo saiba, é o que eu vou deixar pra trás.<br />
<br />
Procurando uma imagem para este post, encontrei a vida de Lore Dublon. Ela escreveu um diário, assim como Anne Frank e, como Anne Frank, morreu num campo de concentração. Eu só sei da sua existência porque ela escreveu. Eu só sei do que veio antes de mim porque pessoas se deram ao trabalho de escrever, escrever e escrever.<br />
<br />
Eu não sou importante como o foram Anne Frank ou Lori Dublon (cujo diário, aliás, está no acervo do <a href="http://www.museujudaicosp.org.br/o-diario-de-lore-dublon/">Museu Judaico de São Paulo</a>). Mas eu quero, de alguma maneira, ser importante para as pessoas de quem gosto - ou, pelo menos, pensar que sou.
Assim, saí ontem e comprei uma caneta-tinteiro para mim. E hoje à noite, depois que as meninas dormirem, o cachorro se recolher e o apartamento silenciar, vou começar a escrever cartas.<br />
<br />
Espero que você responda.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-73945549359814346472013-09-11T17:59:00.002-03:002013-09-11T17:59:37.283-03:00DepoisAmigo querido disse uma vez que, quando uma coisa muda na vida da gente, todo o resto da nossa existência se desloca para acompanhar o movimento. Tudo - TUDO - na minha vida está se deslocando. Eu não sei que peça foi que saltou da engrenagem e nem quando, mas tudo mudou. Principalmente lá dentro, onde a vontade de ter cada vez menos me faz olhar com desinteresse pra tudo o que é meu e me perguntar "Pra que isso?"<br />
<br />
A vontade de viajar. De não mais pintar os cabelos. De ler e aprender o máximo que a vida me permitir. De tentar fazer coisas ousadas, doidas, daquelas que as pessoas fazem bico e dizem "mas pra que gastar esse dinheiro?" Prometer com a certeza de que vai cumprir. Ter certeza de que o esforço vai valer a pena.<br />
<br />
Saber que nada vai ser igual ao que foi, exatamente para eu voltar a ser quem eu era. <br />
<br />
<br />Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-3918463754883912872013-07-31T04:16:00.002-03:002013-07-31T04:16:51.563-03:00Todo ouvidosVocê tá lá, uma profissional liberal certinha, limpinha, cheirosa e responsável, com seu livro contábil registrando o que vai sair e o que vai entrar de dinheiro no mês que começa amanhã. E - surpresa! - a coluna de créditos dá positivo. Beeeeeeeeem positivo. Você sussurra "Que bom que vai entrar um dinheiro extra!" e na mesma hora se arrepende.<br />
<br />
Mas é tarde demais. Ele escutou. Porque duas horas depois pimba! Seu computador tem uma síncope e agora tá respirando por aparelhos.<br />
<br />
Suzana, você não aprendeu NADA com a geladeira, com a TV e com o micro-ondas, né?
Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-2140119519132003322013-07-21T18:58:00.001-03:002013-07-21T18:58:24.064-03:00Aquilo que desejasÀs vezes a gente quer tanto uma coisa, mas tanto, que quando ela acontece o desapontamento é gigantesco.<br />
Porque, no fundo, a gente não queria que acontecesse.<br />
E só percebe isso quando começa a doer.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-26547654821067866442013-07-21T07:00:00.000-03:002013-07-21T14:54:26.638-03:00Aos 47<a href="http://2.bp.blogspot.com/-SXb0Pvp-cUo/Uem2PQN_58I/AAAAAAAACto/l9ZLCszGfVE/s1600/6616511567_3a4d2f701e_z.jpg" imageanchor="1"><img border="0" height="400" src="http://2.bp.blogspot.com/-SXb0Pvp-cUo/Uem2PQN_58I/AAAAAAAACto/l9ZLCszGfVE/s400/6616511567_3a4d2f701e_z.jpg" width="300" /></a><br />
<br />
Então né?
50 - 3 e contando.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-35731544678953309082013-07-07T01:21:00.001-03:002013-07-07T01:21:21.811-03:00Túnel do tempo"Pois eu quero me casar virgem."
"Pois eu quero transar muito antes de morar com alguém."
Num nanossegundo você vai até o passado distante, quando uma dizia <i>tocovelos</i> e a outra usava macacão com rabinho de elefante, e no nanossegundo seguinte você volta pra mesa, onde o garfo está ali, parado na frente da sua boca.
Transar.
O garfo parado.
Metaforicamente, ele nunca mais vai sair dali.
Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-37939268996740364322013-07-06T17:13:00.001-03:002013-07-07T00:37:59.539-03:00De fábrica, mas com opcionaisBiscoitos: cookies cobertos de chocolate, água e sal, recheados de morango<br />
Bolo: chocolate, ameixa, banana<br />
Suco: uva, laranja, manga<br />
Carnes: carne, peixe, frango<br />
Verduras: nenhuma, espinafre, alface<br />
Legumes: batata, cenoura, xuxu<br />
Batata: Purê, assada, frita <br />
Xampu: cabelos oleosos, cabelos secos, cabelos normais<br />
Absorventes: sem aba, OB, com abas<br />
Fluxo menstrual: pouco, muito, médio <br />
Desodorante: rollon, spray, em creme<br />
Maquiagem: pouca, nenhuma, diversas opções<br />
Cores: frias, quentes, todas<br />
Sono: pouco, muito, interminável<br />
Fome: pouca, normal, incomensurável<br />
Café da manhã: nenhum, normal, gigantesco<br />
<br />
Se eu tivesse dinheiro contratava um personal family pra organizar essa joça. Porque fazer supermercado, arrumar o banheiro ou preparar o almoço é um roteiro de Além da Imaginação. Ou a prova de que, se eu não enfartei aos 40, não vou ter um derrame aos 50. <br />Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-36699802302516185752013-07-05T16:37:00.000-03:002013-07-06T17:03:16.750-03:00Há 12 anos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-nulZulXKUqc/Udh3zqBM1uI/AAAAAAAACtU/lUP5CiITYIQ/s1600/Kisses.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="http://4.bp.blogspot.com/-nulZulXKUqc/Udh3zqBM1uI/AAAAAAAACtU/lUP5CiITYIQ/s400/Kisses.jpg" width="367" /></a></div>
Cabelos jamais podem ser presos, porque são a moldura do rosto. Prendê-los só em ocasiões especiais ou quando a profa de ginástica obriga. Ou eu, porque o espetáculo de vê-la comendo com as melenas lambendo o macarrão ainda não está (nem nunca estará) em cartaz aqui em casa.<br />
<br />
Todo dia à noite "ir pra cama" se insere num ritual sagrado: a escolha do tema. Eu mesmo não entendia o que era isso, até que eu vi com meus olhinhos que a terra há de comer. O "tema" é o que determinará toda a montação, o look, a cartela de cores, os acessórios. É a inspiração do dia que a acompanhará até a noite, quando outro tema será escolhido.<br />
<br />
Então. "Escolhi para amanhã o tema 'flores campestres'." Isso quer dizer que rosas não entram. Os brincos são margaridinhas, as pulseiras, verdes e nude e a de berloques de joaninhas. "Não vou usar colar porque vai ficar over", mas no cabelo (solto) brilhará a fivela (uma roseta multicor feita de filó em torno de um brilhante rosa). O make é básico: lápis coral claro, sombra rosa pálido (levemente dourada, se o dia prometer sol) e, na boca, um gloss levemente rosado. Pra dar uma incrementada no visual, esmalte verde (ela aprendeu a fazer sozinha as unhas em uma tarde).<br />
<br />
Eu tenho um moedeiro onde guardo meu rímel, dois batons e três cores diferentes de gloss, além de um lápis de olho nunca usado. Zé Colméia tem uma necessaire com uns quatro batons, um gloss e um estojo de sombras. Catatau tem uma <a href="http://www.lojapescaeviagem.com.br/image/cache/data/linhas/produtos%20pesca/caixa%2006%20multibox-600x600.jpg">caixa de ferramentas</a> com maquiagem (só de lápis de olho são nove, sendo três pretos, de espessuras diferentes, para áreas diferentes do olho), acessórios para cabelo, pulseiras, anéis, brincos e colares. Tudo organizado por uso, cor e tendência.<br />
<br />
E ela leva, todas as manhãs, dez minutos para se arrumar.<br />
<br />
Mesmo com toda essa produção, ela sai de casa exatamente como ela é: uma menininha fofa e redonda, usando uma saia curta, esmalte preto e fivela de bolinha no cabelo. Que diz "Mãe, amo ser periguete!" mas tem vergonha de falar no telefone. Que tem eternamente três meninos brigando por ela desde os quatro anos, mas é amada pelas meninas.<br />
<br />
Essa é minha Catatau, há 12 anos. Feliz aniversário, querida. Mamãe ainda tem guardadas muitas fivelas de ursinho - não se preocupe por elas quebrarem tão facilmente. Aqui tem mais. Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-86513722522168159762013-06-20T16:20:00.000-03:002013-07-06T16:35:15.823-03:00Há 14 anos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-ineRmKSx6RM/UdhwqzcWZ_I/AAAAAAAACtI/B3pgSUn3cOg/s1600/Rocky+girl+c%25C3%25B3pia.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://3.bp.blogspot.com/-ineRmKSx6RM/UdhwqzcWZ_I/AAAAAAAACtI/B3pgSUn3cOg/s320/Rocky+girl+c%25C3%25B3pia.jpg" width="307" /></a></div>
"Cara, tipo assim, que bichice! Mas é mó recalque, tipo assim, o que eu falei pra ela, e ela me disse tipo assim se enxerga, né? Porque, tipo assim, você é linda - só que não. E ainda vem cheia de recalque. Que bichice! E o irmão dela é o maior gatinho - só que não. Mas eu disse pra minha irmã - bom, ela não é minha irmã mas é suuuuuuuuuper minha amiga, então né? É minha irmã - eu disse pra ela que ela pode até estar amarradona nele mas tipo assim, nada a ver. Maior mico. Porque ela é Twilighter, é Lítor e, tipo assim, vai gostar logo daquele cara? Não dá, né? Muita bichice pro meu gosto.<br />
<br />
Mãe? Cê tá ouvindo? Mãe?"<br />
<br />
Zé Colméia fala todo um vocabulário que eu não consigo entender. Mas um dia eu espero compreender tudo isso, esse mistério linguístico, essas mutações parentais, esse universo que se interpõe entre nós a cada mês. Mas, quando eu acho que nada poderá transpô-lo, ela vem pra minha cama à noite, se aconchega a mim e diz, entre um soluço e outro: "Mamãe, posso dormir com você? Tive um pesadelo tão horrível...! <br />
<br />
Feliz aniversário, querida. Minha cama, meu colo, meu amor sempre estarão - tipo assim - à sua disposição, mesmo sendo o maior mico, repleto de bichice e recalque (que, eu tenho certeza, você não faz a menor ideia do que quer dizer :o).Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-660832844745446262013-05-21T09:57:00.002-03:002013-05-21T09:57:48.934-03:00Perdoai-meMesmo com caruncho, amassados, rasgos na pele eu boto no saco batatas, maçãs, bananas, tomates (principalmente tomates) - desde que eu assisti "Ilha das Flores".<br />
<br />
Mesmo sendo muito pouco, eu me sinto muito mal comprando presentes para as minhas filhas em épocas comemorativas, como Páscoa e Natal.<br />
<br />
Sempre que chove, eu olho preocupada lá pra fora e penso naquela mulher sentada numa cadeira, encolhida e sem se mexer, com os três filhos sobre ela: dois pequenos em seus braços e um menino maior (8 anos, talvez?) sentado no chão, dormindo encostado em suas pernas. Em volta deles, uma tempestade dentro do barraco. Pela porta aberta, eu via, do carro da reportagem, enquanto o motorista e o fotógrafo trocavam o pneu sob uma chuva torrencial às duas da manhã, como a mulher tentava proteger os filhos do mar de goteiras que despencava à sua volta. Sempre que chove, eu me lembro dos olhos dela. Vejo ali o cansaço do dia seguinte, a tristeza em assistir, sem nada poder fazer, a destruição do pouco dentro do casebre, a esperança de um dia aquela merda de vida mudar - que seus filhos tenham ao menos o direito de dormir à noite secos e protegidos.<br />
<br />
Sempre que gasto algo comigo, mesmo que necessário, me arrependo antes mesmo de receber a nota do caixa. Penso que Catatau precisa de um jeans, que Zé Colméia ainda não cortou o cabelo que está medonhamente crescido, que eu podia dar aquela vacina extra no cachorro (mesmo sabendo, lá no fundo, que ela é totalmente desnecessária), que poderia ter comprado mais carne, feito um estoque de leite, guardado pra uma emergência.<br />
<br />
Culpa é meu primeiro nome.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-73026018303950370822013-05-12T19:53:00.002-03:002013-07-07T00:38:36.555-03:00Ponto de vistaQuando a gente menos espera, o "já" virou "ainda". Como pode? É assim de repente, sem aviso, sem ninguém anunciando senhoras e senhores, a partir deste momento da sua vida, onde se lê "já" leia-se "ainda". Pedimos desculpas pelo incômodo e desejamos a todos uma boa viagem.<br />
<br />
"Já senta, já anda, já come sozinha, já sei me vestir sozinha, já sei ler e escrever, já vou ao cinema com meus amigos, já volto sozinha da escola, já moro sozinha". Aí uns anos de recreio e você começa com "ainda consigo ler sem óculos, ainda vejo dessa série, ainda caibo em algumas roupas de solteira, ainda não preciso pintar o cabelo, ainda posso comer gordura, ainda não preciso ir ao médico, ainda uso isso, ainda me lembro."<br />
<br />
A gente deixa de ser "já" pra ser "ainda".<br />
A gente ainda.<br />Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-74474233354618775282013-05-07T10:35:00.003-03:002013-05-07T10:35:59.442-03:00Diário de bordoDuas semanas sem glúten.<br />
A dor nas articulações foi-se.<br />
<br />
Ai, que vontade doida de comer pão francês.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-516939796175353792013-05-05T19:49:00.000-03:002013-07-07T00:39:28.986-03:00Já deu"Quero voltar pro útero."<br />
<br />
Essa é a expressão que eu mais tenho usado ultimamente. Esqueça as trocentas caixas de mudança na sala. Esqueça a bagunça generalizada. O período de seca na seara do trabalho, o projeto pessoal emperrado, a aguda falta de dinheiro. Esqueça isso tudo.<br />
<br />
As duas me contaram. Uma constrangida, a outra às gargalhadas. Vinham Zé Coméia e Catatau da escola. Elas agora voltam sozinhas. Às vezes, andam de mãos dadas - principalmente pra atravessar a rua. Então. As duas de mãos dadas, esperando o sinal fechar, uma dá um beijo na outra e as duas se abraçam.<br />
<br />
"Mas que pouca vergonha! O que é isso? Vocês não têm mãe? [<i>bora enfiar a mãe no meio - mãe é sempre culpada, mesmo quando o negócio não tá errado</i>] Cadê a educação, a moral? QUE POUCA VERGONHA É ESSA DE SE ESFREGAR NO MEIO DA RUA, NA PORTA DE UMA IGREJA???!??"<br />
<br />
Urrava, a mulher.<br />
<br />
- Mãe, você precisava ver. Essa boba aqui ficou toda vermelha e assim que o sinal abriu, ela atravessou. Eu fui pra frente da doida e mostrei o dedo pra ela, saí correndo e gritei "A GENTE É IRMÃ, SUA MALUCA!"<br />
<br />
Quero voltar pro útero. Comofas?Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-11674203.post-51575373110489925162013-04-08T23:31:00.002-03:002013-04-08T23:33:23.162-03:00A cada 5Os dias - as datas - nunca significaram muito pra mim. Claro, aniversário de filho é especial, mas nunca dia nenhum me fez parar e pensar sobre o caso. Desde o ano passado, é o dia 5.<br />
<br />
A cada dia 5 do mês eu penso em como o tempo avança, apesar e a despeito do que possamos fazer para que isso não aconteça. A cada dia 5 eu me sinto mais velha, mais alquebrada. A cada dia 5 eu conto as rugas nas minhas mãos, as dobras nos cantos dos meus olhos, o cansaço nos meus cabelos brancos. Em quanto eu pareço mais encurvada, e cansada, e esquecida.<br />
<br />
A cada dia 5 eu olho pra as minhas filhas e vejo duas mulheres em formação, um quadro que se delineia com mais clareza mostrando como uma e outra serão. Eu olho para o cachorro que me restou e conto quantas vezes ela respira. Fico nervosa se o suspiro é mais profundo e o resfolego demora a responder.<br />
<br />
A cada dia 5 eu entro em pânico ao constatar nos dedos das mãos que minha mãe não liga há exatos quatro dias. E ponho-me a fazer contas para me lembrar, de novo, quantos anos ela tem: 2013 - 1939 = 74.<br />
<br />
A cada dia 5 eu me lembro do meu pai, que foi embora depois de três suspiros no dia 5 de dezembro de 2012.<br />
<br />
E eu sinto tanto a falta dele.<br />
Tanto.Suzana Elvashttp://www.blogger.com/profile/11325376516244509472noreply@blogger.com6