sábado, abril 30, 2005
Sobrenatural
Um dos grandes enigmas de meus primeiros anos, além do enigma do nascimento, foi o mecanismo da descida dos brinquedos de Natal através da chaminé. Eu arquitetava objeções bizantinas a propósito dos brinquedos demasiado grandes poderem logicamente passar pela chaminé, tendo Papai Noel os largado do alto. [...]
Quando fiquei sabendo que as crianças se formavam no ventre [...]e o mistério do Natal me foi revelado, tive a impressão de alcançar uma espécie de maioridade; isso se confundiu em mim com a noção de idade da razão, época que – em princípio – se recebe o primeiro grau de iniciação. Desde que soube o que era a gravidez, o problema do parto se colocou para mim de maneira análoga ao colocado pela vinda dos brinquedos pela chaminé: como podem passar os brinquedos? Como podem sair as crianças?
Michel Leiris, "A idade viril".
Cosac & Naify, 2003
Quando fiquei sabendo que as crianças se formavam no ventre [...]e o mistério do Natal me foi revelado, tive a impressão de alcançar uma espécie de maioridade; isso se confundiu em mim com a noção de idade da razão, época que – em princípio – se recebe o primeiro grau de iniciação. Desde que soube o que era a gravidez, o problema do parto se colocou para mim de maneira análoga ao colocado pela vinda dos brinquedos pela chaminé: como podem passar os brinquedos? Como podem sair as crianças?
Michel Leiris, "A idade viril".
Cosac & Naify, 2003
...
Zé Colméia tem uma amiguinha de sala que é surda, e somente agora, com quase seis anos, está aprendendo a falar - ela sempre usou a linguagem de sinais.
Eu e outras mães aprendemos alguns gestos, os mais simples. Mas fiquei surpresa e imensamente orgulhosa da minha querida filha quando a vi conversando com a amiga usando as mãos, e acompanhando cada gesto com as palavras ditas de maneira clara, bem silabada.
A melhor coisa de ser mãe é poder aprender com os filhos, sempre.
Eu e outras mães aprendemos alguns gestos, os mais simples. Mas fiquei surpresa e imensamente orgulhosa da minha querida filha quando a vi conversando com a amiga usando as mãos, e acompanhando cada gesto com as palavras ditas de maneira clara, bem silabada.
A melhor coisa de ser mãe é poder aprender com os filhos, sempre.
Maratona
Acordei hoje às cinco e meia da manhã, rezando para que dez minutos depois desabasse a ira de Deus em forma de temporal. Rá, que ilusão: 118 mini-sanduíches em 45 minutos. Um garrafão de suco de uva, biscoitos, uma caixa de Bis, guardanapos de papel e copos de plástico. Às oito e meia, embarcamos num táxi para o programa de índ..., quer dizer, o piquenique anual na escola das meninas.
Obviamente, pais mais inteligentes e com menos coração-mole do que eu não foram, já prevendo o temporal que cairia mais tarde. Mas eu tinha que ir para pular, cantar, fazer trenzinho, ginástica, pintura de dedo, tatuagem, máscara de lantejoulas e comidaria coletiva. A uma da tarde estava embarcando de volta para casa (sem guarda-chuva, é óbvio). Deitamos as três na cama e dormimos quatro horas seguidas - quando acordei, descobri que Catatau estava com uma placa de bolo de chocolate grudada nos fundilhos. Normal. Um sábado normal, como qualquer outro.
Aos que ainda estão por aí, boa-noite :o)
Obviamente, pais mais inteligentes e com menos coração-mole do que eu não foram, já prevendo o temporal que cairia mais tarde. Mas eu tinha que ir para pular, cantar, fazer trenzinho, ginástica, pintura de dedo, tatuagem, máscara de lantejoulas e comidaria coletiva. A uma da tarde estava embarcando de volta para casa (sem guarda-chuva, é óbvio). Deitamos as três na cama e dormimos quatro horas seguidas - quando acordei, descobri que Catatau estava com uma placa de bolo de chocolate grudada nos fundilhos. Normal. Um sábado normal, como qualquer outro.
Aos que ainda estão por aí, boa-noite :o)
sexta-feira, abril 29, 2005
Jardins
Ontem, peguei o metrô para buscar as meninas na escola. Como diz minha assistente, "metrô no fim do dia tem cheiro de meia molhada". Tem mesmo. Mas logo na primeira estação sentou-se do meu lado uma velhinha muito brejeira (sabe? daquelas que se arrumam, brincos, colar, tudo combinando, bolsa pequena, essas coisas). Pois foi ela se sentar e o cheiro de babosa encheu o vagão. Não era aquele cheiro de xampu Colorama, aquela coisa vulgar (de comum). Era de babosa, legítima, cheiro de jardim molhado, fim de tarde. E o cabelo dela refletia o tratamento que ela deve fazer (e que minha avó aplicava no meu cabelo e no da minha irmã: folhas de babosa cortadas em comprido, passadas diretamente na cabeleira): branquinho, macio, enrolado num coque fofo e aprumado.
Um cheiro maravilhoso de tarde orvalhada que me fez muito feliz.
Um cheiro maravilhoso de tarde orvalhada que me fez muito feliz.
Sem fantasia nem ilusão
Sem fantasia
Chico Buarque
Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer
Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perder-te em meus braços
Pelo amor de Deus
Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu
Ah, eu quero te dizer
Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer
Que eu vim pra não morrer
De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus
Eu também adoro Maysa, querida; não curto muito Elis, adoro Dolores Duran.
Mas não tenho ouvido muita música, ultimamente. Não tenho ouvido nada nem ninguém.
Chico Buarque
Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer
Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perder-te em meus braços
Pelo amor de Deus
Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu
Ah, eu quero te dizer
Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer
Que eu vim pra não morrer
De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus
Eu também adoro Maysa, querida; não curto muito Elis, adoro Dolores Duran.
Mas não tenho ouvido muita música, ultimamente. Não tenho ouvido nada nem ninguém.
quinta-feira, abril 28, 2005
...
Parou de chover. Ainda está nublado, frio, mas o sol está dando as caras, de vez em quando.
E eu não estou falando do tempo.
E eu não estou falando do tempo.
Sebo
Fui hoje de manhã no apartamento dos meus pais à procura de um livro para a Zé Colméia. Ela está estudando o A e me lembrei que meu avô tinha um livro todo escrito só com palavras que começavam com essa letra.
No meu quarto ainda estão quatro caixas de livros que foram a minha herança dele. Abri todas quando chegaram, mas não tirei os livros de dentro. Hoje fiz isso - e achei muita coisa legal (mas não o livro que eu estava procurando; na verdade, no fim nem me lembrava mais dele).
A maior parte dos livros é de 1800 e lá vai fumaça; outra parte é do início dos 1900. Pouca coisa avança de 1950. E os títulos...!
"Casamento perfeito", de Diogo de Payva. O livro é de 1897, a terceira edição de uma obra publicada originalmente e, 1630 e, depois, em 1725. Só pode ser paixão de colecionador de livros antigos, porque é uma pérola (e esse trecho está sublinhado a lápis):
"...que saõ entre estes taes casados taõ certas as guerras, que logo se desquitaõ da paz em celebrando o casamento, e bem se alcança por experiencia que ha mister muyto de espirito divino, ou de prudencia natural qualquer casado, que sendo de geraçaõ illustre ha de sofrer a condiçaõ desordenada de huma mulher de sangue humilde, e quando ellas excedem aos maridos na qualidade ainda he mayor o perigo, assim porque he menos usada esta differença, como porque as mulheres costumaõ ser mais promptas na ira e mais arrojadas na vingança."
Não é supimpa? Vou voltar lá amanhã para catar outros do tipo :o)
No meu quarto ainda estão quatro caixas de livros que foram a minha herança dele. Abri todas quando chegaram, mas não tirei os livros de dentro. Hoje fiz isso - e achei muita coisa legal (mas não o livro que eu estava procurando; na verdade, no fim nem me lembrava mais dele).
A maior parte dos livros é de 1800 e lá vai fumaça; outra parte é do início dos 1900. Pouca coisa avança de 1950. E os títulos...!
"Casamento perfeito", de Diogo de Payva. O livro é de 1897, a terceira edição de uma obra publicada originalmente e, 1630 e, depois, em 1725. Só pode ser paixão de colecionador de livros antigos, porque é uma pérola (e esse trecho está sublinhado a lápis):
"...que saõ entre estes taes casados taõ certas as guerras, que logo se desquitaõ da paz em celebrando o casamento, e bem se alcança por experiencia que ha mister muyto de espirito divino, ou de prudencia natural qualquer casado, que sendo de geraçaõ illustre ha de sofrer a condiçaõ desordenada de huma mulher de sangue humilde, e quando ellas excedem aos maridos na qualidade ainda he mayor o perigo, assim porque he menos usada esta differença, como porque as mulheres costumaõ ser mais promptas na ira e mais arrojadas na vingança."
Não é supimpa? Vou voltar lá amanhã para catar outros do tipo :o)
quarta-feira, abril 27, 2005
Sim, eu repeti
Nem adianta pensar por que acabou
talvez o amor acabe um belo dia
apenas por que um dia começou:
acaba a dor como acaba a alegria.
E por favor chore mais mansamente
de repente cai o fruto
se em tudo a vida muda fatalmente
por que seria diferente o amor?
Seria amor por todo e todo o sempre?
Com expediente e horário e rotina?
O mesmo, o máximo, milagre só?
Mas começou – não é? – que bem me lembre
Sem avisar e apesar do clima:
Chuva, uva, vinho, vinagre, pó.
Domingos Pellegrini, "Gaiola aberta"
Editora Bertrand, 2005
Boca a boca
...
Saí do trabalho ontem às dez da noite, no meio de um pandemônio de tiros e sirenes de polícia. Normal, para a área. Mataram um rapaz a menos de 50 metros de onde trabalho, soube hoje de manhã.
Acordei às cinco, com aquela sensação de "onde estou, quem sou eu". E havia um passarinho pousado em cima da televisão, olhando pra mim. Acordei as meninas (as duas foram para a minha cama de madrugada) e ficamos as três quietinhas, quase sem respirar, para ver o que ele ia fazer. A resposta: voltou para o ninho, que ele fez no forro do meu quarto.
São onze e meia e eu já fui a duas livrarias (a trabalho) e a não sei quantas lojas de roupas infantis procurando moletons para as garotas. As duas parecem versões mirins de Miss Suéter - nada cabe mais. Comprei a peso de ouro cinco calças e três casacos.
É bom, assim: como dizia a minha avó, "cabeça desocupada é recreio para o diabo".
Bom-dia :o)
Acordei às cinco, com aquela sensação de "onde estou, quem sou eu". E havia um passarinho pousado em cima da televisão, olhando pra mim. Acordei as meninas (as duas foram para a minha cama de madrugada) e ficamos as três quietinhas, quase sem respirar, para ver o que ele ia fazer. A resposta: voltou para o ninho, que ele fez no forro do meu quarto.
São onze e meia e eu já fui a duas livrarias (a trabalho) e a não sei quantas lojas de roupas infantis procurando moletons para as garotas. As duas parecem versões mirins de Miss Suéter - nada cabe mais. Comprei a peso de ouro cinco calças e três casacos.
É bom, assim: como dizia a minha avó, "cabeça desocupada é recreio para o diabo".
Bom-dia :o)
terça-feira, abril 26, 2005
Insônia
[...] Não posso deixar as lembranças se tornarem impessoais. Meu egoísmo é enraizamento. Às vezes me bate um desejo de viver tanto, tanto, que até me esqueço de falar.
Fabrício Carpinejar
Fabrício Carpinejar
Todo dia
É muito chato não ter nada de bom, de engraçado ou original a dizer. Nesses dias, só posso observar as pessoas que embarcam no meu ônibus, ou quem anda na rua, ou as lojas.
Hoje saí de casa debaixo de uma verdadeira tempestade. Na escola das meninas não havia luz. Corri até o ponto de ônibus: metade dos bancos molhados.
E eu me perdi. Olhei a mulher gorda comendo seu farnel, que devia ser o café da manhã, comprado na Central do Brasil: três pastéis de forno imensos, de camarão, e dois refrigerantes. A mulher de sobretudo de napa e cabelos tingidos de vinho que se sentou molhando todo o banco, sem se preocupar em tirar primeiro o casaco.
A oficina mecânica que, apesar dos pôsters grosseiros de mulheres em posições ginecológicas, tem o singelo e poético nome de "Esquina do Sol". A loja chamada Conecval, que vende conexões e válvulas, que tem, em seus furgões, a foto imensa de uma modelo com cara de devoradora de homens, tapando os seios com uma mão e segurando uma válvula com outra.
A menina loura que, em qualquer tempo, estica um plástico azul como telhado de sua barraquinha e frita pastéis para os operários da subestação da Light. Os velhos jogando carteado na esquina do meu trabalho - de bermudas e chinelos ou de moletom, meias... e chinelos.
O bom-dia aos seguranças; ler seis jornais, responder aos e-mails - e, hoje, encher os sapatos de jornais e secar as palmilhas dos tênis atrás do computador.
É assim que começa o meu dia.
Hoje saí de casa debaixo de uma verdadeira tempestade. Na escola das meninas não havia luz. Corri até o ponto de ônibus: metade dos bancos molhados.
E eu me perdi. Olhei a mulher gorda comendo seu farnel, que devia ser o café da manhã, comprado na Central do Brasil: três pastéis de forno imensos, de camarão, e dois refrigerantes. A mulher de sobretudo de napa e cabelos tingidos de vinho que se sentou molhando todo o banco, sem se preocupar em tirar primeiro o casaco.
A oficina mecânica que, apesar dos pôsters grosseiros de mulheres em posições ginecológicas, tem o singelo e poético nome de "Esquina do Sol". A loja chamada Conecval, que vende conexões e válvulas, que tem, em seus furgões, a foto imensa de uma modelo com cara de devoradora de homens, tapando os seios com uma mão e segurando uma válvula com outra.
A menina loura que, em qualquer tempo, estica um plástico azul como telhado de sua barraquinha e frita pastéis para os operários da subestação da Light. Os velhos jogando carteado na esquina do meu trabalho - de bermudas e chinelos ou de moletom, meias... e chinelos.
O bom-dia aos seguranças; ler seis jornais, responder aos e-mails - e, hoje, encher os sapatos de jornais e secar as palmilhas dos tênis atrás do computador.
É assim que começa o meu dia.
segunda-feira, abril 25, 2005
Correspondências
Troca de e-mails com meu querido amigo Felipe, que lê este blog:
"Quer sair pra jantar e espantar a depressão? Tenho acompanhado o que você escreve e acho que rir é o melhor remédio pra você."
"Você quer sair com a Suzana ou a [...]?"
"Quero sair com a mulher que escreve o Breviário."
É bom ver que um homem entende que nós duas somos uma só. Achei que isso fosse um mistério insolúvel do ciberespaço.
"Quer sair pra jantar e espantar a depressão? Tenho acompanhado o que você escreve e acho que rir é o melhor remédio pra você."
"Você quer sair com a Suzana ou a [...]?"
"Quero sair com a mulher que escreve o Breviário."
É bom ver que um homem entende que nós duas somos uma só. Achei que isso fosse um mistério insolúvel do ciberespaço.
Soneto
Quando em teus braços estou abismada
às vezes me atravessam uns lampejos
de entender (e não entendo nada)
o planetário sistema dos beijos
a química anarquista do desejo
a tragédia de tantos casamentos
a morte de amar sem ser amado
a violência vã dos ciumentos
Então eu me arremesso em teus abismos
e viro estrela no teu céu da boca
e entre organizados cataclismos
somos só uma mulher e um homem
cevados por uma ternura louca
e um desejo a mais, mais e mais fome
Domingos Pellegrini, "Gaiola aberta"
Editora Bertrand, 2005
Parece piada
Mas não é: depois de muito tempo, resolvi consultar o Oráculo. Peguei na estante um dos muitos exemplares, fiz minha pergunta e abri o livro. Um doce para quem adivinhar a resposta:
"Você escolheu a CARTA DO ENFORCADO: Sim, com sacrifício."
"Você escolheu a CARTA DO ENFORCADO: Sim, com sacrifício."
Novo dia
Levantar hoje para trabalhar foi um sacrifício. Essa semana vai ser dureza: se eu algum dia pensei que abril estava passando muito rápido, essa semana parece que vai ser arrastar.
Mas o dia está lindo - pelo menos isso.
Bom-dia.
Mas o dia está lindo - pelo menos isso.
Bom-dia.
domingo, abril 24, 2005
Assim é
Te amarei sempre – em todo o homem
que me amar e que eu amar de novo
amando você assim como um povo
se renova em cada um que nascer
Como nasce uma espécie de um ovo
você estará em tudo o que eu fizer
e viverá em mim quanto eu viver
se renovando como me renovo
Te quererei em tudo o que eu quiser
seu gosto continua no que provo
e até o fim me sentirei renascer
Se ainda e tanto e sempre te louvo
é porque aprendi enfim a ser
ser mais do que existir e ser de novo
Domingos Pellegrini, "Gaiola aberta"
Editora Bertrand, 2005
sábado, abril 23, 2005
Última vez
A última vez em que ri sem me preocupar foi na semana passada, quando Zé Colméia começou a imitar personagens do Cartoon;
A última vez em que eu achei bonita foi há quase três meses, quando me vi refletida no espelho de um banheiro, depois de ter feito enlouquecidamente amor;
A última vez em que me senti segura e realmente feliz foi há quase um ano. Estava olhando as nuvens correndo no céu, ao sabor de um vento gelado de inverno, e sentindo um queixo aninhado na curva do meu pescoço.
Anseio pelo dia em que poderei dizer das coisas boas que experimento: "Ainda não tive uma última vez."
...
Estou passando por um momento extremamente delicado na minha vida, que pode inclusive levar à cessão da guarda das minhas filhas ao meu ex-marido. É uma possibilidade que me tira o sono à noite, mas é real, e antes de tudo é preciso pensar no bem-estar delas.
Sei que muita gente vem aqui porque gosta dos textos, porque gosta do que eu escrevo, porque gosta de mim (nem todos, eu sei. Tem gente que entra por curiosidade mórbida). Então, se eu postar com menos freqüência é porque nada de bom tenho a dizer.
O dia está lindo, aproveitem. Porque eu vou sair dessa.
Eu sempre consigo. Bem ou mal, a vida continua.
Sei que muita gente vem aqui porque gosta dos textos, porque gosta do que eu escrevo, porque gosta de mim (nem todos, eu sei. Tem gente que entra por curiosidade mórbida). Então, se eu postar com menos freqüência é porque nada de bom tenho a dizer.
O dia está lindo, aproveitem. Porque eu vou sair dessa.
Eu sempre consigo. Bem ou mal, a vida continua.
Com dicionário
Tructesindo bateu o sapato de ferro sobre as lajes, indignado com tal embaixada mandada por tal vilão... – mas Garcia Viegas, que dum sorvo enxugara o púcaro, recordou serenamente e lealmente os preceitos:
– Tende, tende, primo e amigo! Que, por uso e lei de aquém e de além serras, sempre mensageiro com ramo se deve escutar...
– Seja pois! – bradou Tructesindo. – Ide vós fora às barreiras com duas lanças, Ordonho, e sabei do recado!
O Vilico rebolou pela denegrida escada de caracol até o patim da Alcáçova. Dois acostados, de lança ao ombro, recolhendo de alguma rolda, conversaram com o armeiro, que sarapintara de amarelo e escarlate cabos de ascumas novas e as enfileirava contra o muro para secarem.
– Por ordem do Senhor! – gritou Ordonho. – Lança direita, e comigo às barbaças, a receber mensagem!
Ladeado pelos dois homens que se aprumaravm, atravessou as barreiras; e pelo postigo da barbaça, que uma quadrilha de besteiros guardava, saiu ao terreiro da Honza, largueza de terra calcada, sem relva ou árvore, onde se erguiam ainda as traves carcomidas duma antiga forca.
Gonçalo Mendes Ramires (Eça de Queiroz), "A torre de D. Ramires"
Lacerda Editores, 1997
– Tende, tende, primo e amigo! Que, por uso e lei de aquém e de além serras, sempre mensageiro com ramo se deve escutar...
– Seja pois! – bradou Tructesindo. – Ide vós fora às barreiras com duas lanças, Ordonho, e sabei do recado!
O Vilico rebolou pela denegrida escada de caracol até o patim da Alcáçova. Dois acostados, de lança ao ombro, recolhendo de alguma rolda, conversaram com o armeiro, que sarapintara de amarelo e escarlate cabos de ascumas novas e as enfileirava contra o muro para secarem.
– Por ordem do Senhor! – gritou Ordonho. – Lança direita, e comigo às barbaças, a receber mensagem!
Ladeado pelos dois homens que se aprumaravm, atravessou as barreiras; e pelo postigo da barbaça, que uma quadrilha de besteiros guardava, saiu ao terreiro da Honza, largueza de terra calcada, sem relva ou árvore, onde se erguiam ainda as traves carcomidas duma antiga forca.
Gonçalo Mendes Ramires (Eça de Queiroz), "A torre de D. Ramires"
Lacerda Editores, 1997
sexta-feira, abril 22, 2005
Pensamentos meus
Nem adianta pensar por que acabou
talvez o amor acabe um belo dia
apenas por que um dia começou:
acaba a dor como acaba a alegria.
E por favor chore mais mansamente
de repente cai o fruto
se em tudo a vida muda fatalmente
por que seria diferente o amor?
Seria amor por todo e todo o sempre?
Com expediente e horário e rotina?
O mesmo, o máximo, milagre só?
Mas começou – não é? – que bem me lembre
Sem avisar e apesar do clima:
Chuva, uva, vinho, vinagre, pó.
Domingos Pellegrini, "Gaiola aberta"
Editora Bertrand, 2005
talvez o amor acabe um belo dia
apenas por que um dia começou:
acaba a dor como acaba a alegria.
E por favor chore mais mansamente
de repente cai o fruto
se em tudo a vida muda fatalmente
por que seria diferente o amor?
Seria amor por todo e todo o sempre?
Com expediente e horário e rotina?
O mesmo, o máximo, milagre só?
Mas começou – não é? – que bem me lembre
Sem avisar e apesar do clima:
Chuva, uva, vinho, vinagre, pó.
Domingos Pellegrini, "Gaiola aberta"
Editora Bertrand, 2005
Dor
Meu pai ligou para mim hoje de manhã. Assim que eu disse "Alô?" ele ficou mudo, tapou o bocal e perguntou pra minha mãe: "Qual é mesmo o nome dela?"
E antes que eu me esqueça
Sim, estou deprimida, pra baixo. Até os palhaços guardam o nariz vermelho na gaveta, de vez em quando.
...
Sem saco. Pra nada nessa vida.
Vou trabalhar; assim a cabeça se ocupa. Até porque esse fim de semana as meninas vão ficar com o pai, de novo. E eu tenho que me preparar para ficar dois dias sozinha. Sem enlouquecer.
Vou trabalhar; assim a cabeça se ocupa. Até porque esse fim de semana as meninas vão ficar com o pai, de novo. E eu tenho que me preparar para ficar dois dias sozinha. Sem enlouquecer.
quinta-feira, abril 21, 2005
Memorando
Eu me lembro que cresci achando que a felicidade é realizar os sonhos de infância. Deve ser por isso - dizem - que o dinheiro não traz felicidade. O dinheiro não é um sonho de infância.
Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, "Memorando"
Companhia das Letras, 1993
Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, "Memorando"
Companhia das Letras, 1993
...
Todos nós nascemos com um no-break - na verdade, com uma cadeia deles. Existem os mais leves, menos potentes, que funcionam para nos impedir de devorar um pote de sorvete de uma vez só ou gastar o salário inteirinho em meia hora. Em muitas pessoas - em milhares - não funciona.
Há os mais potentes, que brecam nossa vontade de destruir a casa num acesso de raiva ou espancar os filhos quando estamos irritados ou sob pressão. Também esses falham, num número menor de pessoas.
E há o grande no-break, aquele em que, em caso de falhar, tira a nossa vida. É aquele que está no fim da linha. Muitas vezes, o curto-circuito começa do lado errado da cadeia, e pifa justamente o no-break que deveria segurar tudo. Sobram apenas os que impediriam quem explodiu os miolos de se entupir de chocolate ou estourar o cartão de crédito. Mas, para esse alguém, nada mais importa.
Há os mais potentes, que brecam nossa vontade de destruir a casa num acesso de raiva ou espancar os filhos quando estamos irritados ou sob pressão. Também esses falham, num número menor de pessoas.
E há o grande no-break, aquele em que, em caso de falhar, tira a nossa vida. É aquele que está no fim da linha. Muitas vezes, o curto-circuito começa do lado errado da cadeia, e pifa justamente o no-break que deveria segurar tudo. Sobram apenas os que impediriam quem explodiu os miolos de se entupir de chocolate ou estourar o cartão de crédito. Mas, para esse alguém, nada mais importa.
Fado
Perder uma amizade não se resume a perder um amigo.
Significa uma derrota.
Mais uma a acrescentar ao meu currículo.
Significa uma derrota.
Mais uma a acrescentar ao meu currículo.
Envelhecer
Para poder morrer
Guardo insultos e agulhas
Entre as sedas do luto.
Para poder morrer
Desarmo as armadilhas
Me estendo entre as paredes
Derruídas.
Para poder morrer
Visto as cambraias
E apascento os olhos
Para novas vidas.
Para poder morrer apetecida
Me cubro de promessas
Da memória.
Porque assim é preciso
Para que tu vivas.
Hilda Hilst, "A obscena Senhora D"
Editora Globo, 2001
quarta-feira, abril 20, 2005
Sabedoria
"Sinto cheiro de Glenn Close em Atração Fatal no ar... e é bem feito."
Concordo em gênero, número e grau. :o)
Concordo em gênero, número e grau. :o)
...
Hoje de manhã, vindo para o trabalho, vi um homem ser atropelado. Ele resolveu não esperar o sinal fechar. Meu ônibus estava parado, desembarcando passageiros. Ele simplesmente saiu correndo mas não viu que outro ônibus, que estava parado atrás do meu, acelerava e saía da baia.
Eu vi quando ele tomou impulso. E não entendi. "Não vai dar tempo"; e ele sumiu na frente do ônibus. O motorista gritou. Todo mundo gritou. Eu fechei os olhos com força, e a gente tem a impressão que aquele segundo não vai existir. E se recusa a abrir os olhos, e reza para o ônibus ir logo, porque você não quer ouvir aqueles gritos, a confusão, o barulho dos carros freiando atrás do ônibus acidentado.
Que merda. Merda, merda, merda.
Eu vi quando ele tomou impulso. E não entendi. "Não vai dar tempo"; e ele sumiu na frente do ônibus. O motorista gritou. Todo mundo gritou. Eu fechei os olhos com força, e a gente tem a impressão que aquele segundo não vai existir. E se recusa a abrir os olhos, e reza para o ônibus ir logo, porque você não quer ouvir aqueles gritos, a confusão, o barulho dos carros freiando atrás do ônibus acidentado.
Que merda. Merda, merda, merda.
terça-feira, abril 19, 2005
Nana nenê
...
São cerca de 14 horas quase ininterruptas sentada, escrevendo e lendo. Nem mais almoçar eu vou. O resultado é que meu pescoço e meus joelhos estão me matando.
Parece piada, mas não é: preciso urgentemente ir a um ortopedista. Ou vou adentrar o Riocentro numa cadeira de rodas.
Parece piada, mas não é: preciso urgentemente ir a um ortopedista. Ou vou adentrar o Riocentro numa cadeira de rodas.
No ar
A página em que eu estava trabalhando está no ar. Ficou linda, apesar de não ser, em absoluto, o que eu pretendia no início. Mas o importante é que ela ficou simples, bonita, funcional e vai servir ao que se presta: levar informação.
Agora é tocar o projeto da outra.
Agora é tocar o projeto da outra.
Bento XVI
É por essas e por outras que não acredito na Igreja, apesar de continuar crendo em Deus - que, hoje em dia, não tem nada a ver com a instituição que usa seu santo Nome em vão.
Bom-dia
Estou morta de cansaço. Minha empresa toma parte da Bienal do Livro e a montanha de coisas a fazer rivaliza com a montanha de coisas já feitas. Vem gente de fora, gente de dentro, da direita, da esquerda, de cima e de baixo. Estou dormindo três horas por noite e as balas de café que eu comia no ônibus virou o pós-cigarro - que já chegou a um maço por dia.
Até fim de maio, não sou ninguém.
Mas, pelo menos, o dia está lindo. Já viu?
Até fim de maio, não sou ninguém.
Mas, pelo menos, o dia está lindo. Já viu?
segunda-feira, abril 18, 2005
Eterna vigilância
Está na IstoÉ dessa semana: pesquisa do Ministério da Saúde revela que aproximadamente 7 mil crianças morrem anualmente no País devido a acidentes domésticos. Outras 40 mil acidentadas sobrevivem mas com seqüelas graves.
Há uns dois anos, o Hospital Albert Einsten, em São Paulo, fez uma pesquisa para mostrar a causa principal para morte de crianças pequenas em casa: afogamento em vaso sanitário. A principal causa de queimaduras em bebês é a imersão da criança em água escaldante - porque a mãe ou babá se esquece de testar a temperatura antes de enfiar o bebê na banheira.
A gente acha que consegue controlar tudo. Para descobrir, da pior maneira, que isso é impossível.
Há uns dois anos, o Hospital Albert Einsten, em São Paulo, fez uma pesquisa para mostrar a causa principal para morte de crianças pequenas em casa: afogamento em vaso sanitário. A principal causa de queimaduras em bebês é a imersão da criança em água escaldante - porque a mãe ou babá se esquece de testar a temperatura antes de enfiar o bebê na banheira.
A gente acha que consegue controlar tudo. Para descobrir, da pior maneira, que isso é impossível.
...
Ontem à noite, o vizinho da casa em frente saiu pulando na calçada e gritando "É campeão! É campeão! Nense, nenseeeeeeee!!!!!!" De cueca samba-canção.
E depois dizem que mulher é descompensada...
E depois dizem que mulher é descompensada...
Dia de glória
Fui dormir às duas da manhã. Acordei às cinco e meia com a impressão que tinha acabado de me deitar. Arruma daqui, penteia de lá, bolsa + mochilas + pesquisa para o Dia do Índio + biscoitos de goiabinha ("Mãe, você esqueceu a Lindinha!!!!! Eu quero a Lindinha!!!"), sobe de novo, desce de novo, entra no carro, bota na cadeirinha, vai revirando a bolsa procurando celualr, óculos, contas a pagar. Chovendo, corre, entra na fila, você vai perder a aula de música, deixa isso aí, volta, você esqueceu o guarda-chuva!!!, dá beijo, mais um abraço, tchau, mamãe!
Na verdade, só acordei quando subi no ônibus. Dei de cara com o motorista com um chapéu de vaqueiro verde e vermelho, dirigindo enrolado na bandeira do Fluminense.
Acordei no susto. Literalmente.
Na verdade, só acordei quando subi no ônibus. Dei de cara com o motorista com um chapéu de vaqueiro verde e vermelho, dirigindo enrolado na bandeira do Fluminense.
Acordei no susto. Literalmente.
domingo, abril 17, 2005
Memorabilia
Memorando
Eu me lembro de uns versos:
"Quando os teus olhos fecharem
Para o esplendor do mundo
Hei de ficar de joelhos:
Quando os teus olhos fecharem
Hão de murchar as espigas
Hão de cegar os espelhos."
Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, "Memorando"
Companhia das Letras, 1993
"Quando os teus olhos fecharem
Para o esplendor do mundo
Hei de ficar de joelhos:
Quando os teus olhos fecharem
Hão de murchar as espigas
Hão de cegar os espelhos."
Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, "Memorando"
Companhia das Letras, 1993
Sonho de criança
Uma das coisas que eu gosto de fazer é olhar vitrines de lojas de brinquedos. E o que mais me fascina são as Barbies, aquelas de colecionador, de preço proibitivo e vestidas por Saint-Laurent, Chloé, Givanchy, Versace.
Faz muito tempo, vi numa vitrine de um shopping uma Barbie vestida de noiva. Eu não me casei no religioso, um sonho de menina que jamais realizarei. Mas aquela Barbie estava com um modelo que era muito, mas muito parecido com o que minha mãe vestiu. E eu chorei. Muito. Porque eu sabia que seria sempre assim: veria o vestido que eu sempre desejei num corpo que não o meu. Numa boneca, nas fotos de minha mãe, nas minhas filhas. Jamais em mim, refletida no espelho.
Por quê?
Há quem grite; sussurre. Ou apenas suspire. Os que silenciam, os que gritam o nome. Os que dormem, os que se levantam e se vestem, ajeitam a roupa e se vão. Há os que adormecem de olhos abertos, mirando o teto e esperando a respiração de acalmar.
Às vezes, é isso o que eu faço. Mas eu também choro. Muito. Dolorosamente.
Por quê?
Às vezes, é isso o que eu faço. Mas eu também choro. Muito. Dolorosamente.
Por quê?
Ponto de vista
Na mesa ao lado da nossa:
- Cara, você tá de porre!
- Não estou não, eu estou sensível.
- Cara, você tá de porre!
- Não estou não, eu estou sensível.
Sempre
Ainda não o chamo, não posso chamá-lo, de nada. Ainda não sei ao certo o que você representa para mim. Mas você está enraizado no fundo do meu coração. E isso já há um ano.
Devo ir para a escola da Srta. Lyon amanhã. O Pai insiste. Sei, porém, que não o deixo neste quarto quando partir. Sei que você me acompanhará.
Falarei sempre com você com minha voz verdadeira: não com as sílabas elaboradas que devo usar com os outros – a conversa alegre e inconsistente dos chás, do grupo de costura e da sala de aula. Nem lhe falarei com aquela voz retórica que uso para manter os estranhos à distância. Com você, falarei na língua áspera e simples da minha alma.
Você não se importará se eu me deixar levar pela paixão!
Não deixe de entrar comigo na carruagem amanhã! Não deixe!
De Emily Dickinson a uma Pessoa Misteriosa, 10 de setembro de 1847
Judith Farr, "Nunca lhe apareci de branco – Um romance epistolar da vida de Emily Dickinson"
Editora Rocco, 1998
sábado, abril 16, 2005
Sábado da Cabeça Oca
Breviário
Sempre gostei de escrever mas, por pudor, jamais fiz isso. Porque nunca senti que era suficientemente boa para qualquer coisa que fosse. O fracasso, com o eventual "Eu não disse?" sempre rondaram a minha vida.
O que mudou? Não sei. Tinha a noção (errada) de que, apesar de achar que sempre fazia as coisas certas, o resultado jamais era o que eu esperava. Fiz duas faculdades; jamais consegui terminar quaisquer dos cursos que inventei de fazer – dos usuais inglês e francês aos estapafúrdios sax e mecânica. Sempre me diziam – pai, mãe, namorado, marido: "Você não vai usar isso. Você não está fazendo direito. Pra que fazer?"
Então aceitei a palavra dos outros contra a minha própria. Mas, aos poucos, comecei a perceber que quem tinha que viver a minha vida era eu. E fazer o que EU achava certo – mesmo que sempre desse errado, era melhor viver a certeza que deu errado do que a incerteza que, por acaso, deu certo.
Foi assim que deixei levar a termo minha segunda gravidez; me envolvi com outro homem antes mesmo de assinar o meu divórcio e quase dormi em banco de praça por causa dele; troquei de emprego mesmo tendo duas experiências semelhantes que deram errado; e comecei a escrever.
Surpreendentemente, tudo o que fiz a partir do momento em que decidi, contra tudo e contra todos, ter minha Catatau, deu certo. Pode não ter chegado a bom termo, mas me ajudou a ser uma pessoa melhor. Amo meu emprego, minhas filhas são minha luz, conheci pessoas maravilhosas graças ao que eu escrevo aqui.
No fim das contas, sou uma pessoa melhor.
O que mudou? Não sei. Tinha a noção (errada) de que, apesar de achar que sempre fazia as coisas certas, o resultado jamais era o que eu esperava. Fiz duas faculdades; jamais consegui terminar quaisquer dos cursos que inventei de fazer – dos usuais inglês e francês aos estapafúrdios sax e mecânica. Sempre me diziam – pai, mãe, namorado, marido: "Você não vai usar isso. Você não está fazendo direito. Pra que fazer?"
Então aceitei a palavra dos outros contra a minha própria. Mas, aos poucos, comecei a perceber que quem tinha que viver a minha vida era eu. E fazer o que EU achava certo – mesmo que sempre desse errado, era melhor viver a certeza que deu errado do que a incerteza que, por acaso, deu certo.
Foi assim que deixei levar a termo minha segunda gravidez; me envolvi com outro homem antes mesmo de assinar o meu divórcio e quase dormi em banco de praça por causa dele; troquei de emprego mesmo tendo duas experiências semelhantes que deram errado; e comecei a escrever.
Surpreendentemente, tudo o que fiz a partir do momento em que decidi, contra tudo e contra todos, ter minha Catatau, deu certo. Pode não ter chegado a bom termo, mas me ajudou a ser uma pessoa melhor. Amo meu emprego, minhas filhas são minha luz, conheci pessoas maravilhosas graças ao que eu escrevo aqui.
No fim das contas, sou uma pessoa melhor.
sexta-feira, abril 15, 2005
Saudade
Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.
Clarice Lispector, "A descoberta do mundo"
Editora Rocco,1999
O trem
A verdade é que, apesar de muita gente dizer o contrário, eu comecei minha viagem por aqui sozinha, e a terminarei sozinha. Cada dia que passa tenho mais certeza disso.
A maioria das vezes em que precisei de alguém que me ajudasse, encontrei costas viradas. E não digo nos grandes dramas - a consciência de todo mundo manda que você seja solidário no câncer, na morte, no acidente que aleija, na perda do emprego, no incêndio, no terremoto.
Falo daquela atenção que alivia a rotina ou ajuda a cumprir todos os compromissos. Me dar algumas horas de folga para que eu possa comprar algo para mim ou ir ao cinema - mais simples: do ouvido que escuta "Eu tive um dia tenebroso" e responde "Deixa comigo, eu tomo conta de tudo", e te deixa chorar em paz, longe da galáxia dos problemas comuns, debaixo do chuveiro.
Jamais acharei alguém para conversar, alguém para me ouvir, enquanto o trem não chega - nem à estação, nem ao seu destino.
Só tenho que aprender a me conformar e confortar a mim mesma.
Colorido ausente
Fazia muito tempo que eu não recebia flores. Muito, mesmo. As últimas que recebi não tive o prazer nem tempo de levá-las para casa - e não sei se sobreviveram ao vendaval de janeiro.
Vou ver se, no feriado, consigo novamente florir meus canteiros. E o terraço, que anda abarrotado de borboletas e abelhas por causa do maracujá que está florescendo, e das flores da bananeira e da goiabeira (elas são meladas e doces).
Vou passar o fim de semana trabalhando, sozinha em casa - mas com o intervalo para o chope à noite. Sinto-me só, mas não triste. Somente à espera do que o destino me reserva.
Vou ver se, no feriado, consigo novamente florir meus canteiros. E o terraço, que anda abarrotado de borboletas e abelhas por causa do maracujá que está florescendo, e das flores da bananeira e da goiabeira (elas são meladas e doces).
Vou passar o fim de semana trabalhando, sozinha em casa - mas com o intervalo para o chope à noite. Sinto-me só, mas não triste. Somente à espera do que o destino me reserva.
Dividindo o movimento das sobrancelhas
[...] Da onde vem essa fobia da longa convivência? Será que a mulher com quem vivemos se torna indiferente, deixa de oferecer toda a intensidade de antes, ou o amor é que se torna mais exigente com o tempo e se especializa em reivindicar? Poucos param para sondar essa hipótese: é natural o amor ficar excessivamente severo, já que agora tem uma história e a fortuna dos dias, a tal ponto que cobra o que nem precisava. Não é o amor de antes que acabou, o amor de antes ficou tão grande que vê tudo como falta de amor. Perto do que se transformou, o mundo é pequeno para alojá-lo.
O amor é insaciável. Quanto mais obtém mais quer. Diferente da amizade que não aposta alto e se contenta em proteger o que obteve em vida. A amizade larga a roleta ao empenhar um único lance. O amor não. O amor se endivida até pedir falência. O amor tem uma fome obscena, pois devora a própria memória se necessário, devora a própria imaginação se preciso. [...]
Fabrício Carpinejar
O amor é insaciável. Quanto mais obtém mais quer. Diferente da amizade que não aposta alto e se contenta em proteger o que obteve em vida. A amizade larga a roleta ao empenhar um único lance. O amor não. O amor se endivida até pedir falência. O amor tem uma fome obscena, pois devora a própria memória se necessário, devora a própria imaginação se preciso. [...]
Fabrício Carpinejar
quinta-feira, abril 14, 2005
Preciso
Quero acordar de manhã porque o outro lado ficou, de repente, vazio e frio. Quero acordar com o cheiro de café fresco. Quero dividir meu jornal, meus comentários bobos, minhas ilusões, meus medos, meus sentimentos, minhas inseguranças, alegrias e esperanças. Minhas conquistas!
Quero ter pra quem comprar roupas, inutilidades. Quero ter alguém para ligar no meio da tarde e dizer "Oi! Só liguei para ouvir sua voz" e desligar de coração leve.
Quero ocupar, no meio do "Ainda por fazer" e o "Já feito", meus pensamentos com alguém.
Quero me preocupar em lembrar aniversário, data especial, festa da família ou a formatura dos filhos.
Quero brigar para fazer as pazes, pedir desculpas, arrepender-me do que foi dito e jurar nunca mais dizer. Quero horrorizar-me, pensando sozinha, como fui capaz de dizer aquilo – mesmo que depois eu emende com um "Mas eu tinha razão, sim". Mas silenciar sobre a minha certeza.
Quero esticar os lençóis, lavar as xícaras, separar o pão fresco do dormido. Limpar gavetas, guardar a programação dos jornais pra ficar em casa, procurar serviços na internet e jogar fora a roupa velha.
Quero abraçar mãos, desenhar sobrancelhas, acariciar rugas, amaciar a raiz dos cabelos.
Quero amar, novamente.
E nessa também
Também da IstoÉ dessa semana:
Henfil top (top! top!)
Uma verdadeira preciosidade estará aberta ao público – em especial para quem gosta do riso como castigo. Trata-se de Henfil do Brasil (Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, a partir do dia 19), a primeira retrospectiva da obra do cartunista Henfil (1944-1988), com 501 originais entre revistas, gibis, tiras, peças gráficas, cartazes e até um convite de casamento e um aviso de nascimento. O acervo pertence ao único filho do cartunista, Ivan Cosenza de Souza, e a curadoria é de Julia Peregrino e Paulo Sergio Duarte. A mostra, que vai para Brasília em julho e para São Paulo em outubro, revela o (hoje) rudimentar método de trabalho de Henfil, que primeiro fazia a história em preto-e-branco, depois tirava xerox e as coloria com lápis de cor em fases que poderiam incluir papel-manteiga colado nas pontinhas do original.
Outra rara oportunidade é acompanhar a transformação de personagens como a Graúna, a desbocada ave da Caatinga que nasceu um insosso passarinho e virou um desenho de traços mínimos do qual o autor extraía as mais incríveis expressões. Os Fradins, Baixim e Cumprido, adquiriram um hábito que ficou mais famoso do que eles próprios: bater com uma mão aberta na outra fechada e produzir o safado som top, top, top! Com esse genuíno humor, suas figuras exigiram o fim da ditadura, pediram anistia para os presos políticos e marcharam com o movimento Diretas-já.
Henfil top (top! top!)
Uma verdadeira preciosidade estará aberta ao público – em especial para quem gosta do riso como castigo. Trata-se de Henfil do Brasil (Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, a partir do dia 19), a primeira retrospectiva da obra do cartunista Henfil (1944-1988), com 501 originais entre revistas, gibis, tiras, peças gráficas, cartazes e até um convite de casamento e um aviso de nascimento. O acervo pertence ao único filho do cartunista, Ivan Cosenza de Souza, e a curadoria é de Julia Peregrino e Paulo Sergio Duarte. A mostra, que vai para Brasília em julho e para São Paulo em outubro, revela o (hoje) rudimentar método de trabalho de Henfil, que primeiro fazia a história em preto-e-branco, depois tirava xerox e as coloria com lápis de cor em fases que poderiam incluir papel-manteiga colado nas pontinhas do original.
Outra rara oportunidade é acompanhar a transformação de personagens como a Graúna, a desbocada ave da Caatinga que nasceu um insosso passarinho e virou um desenho de traços mínimos do qual o autor extraía as mais incríveis expressões. Os Fradins, Baixim e Cumprido, adquiriram um hábito que ficou mais famoso do que eles próprios: bater com uma mão aberta na outra fechada e produzir o safado som top, top, top! Com esse genuíno humor, suas figuras exigiram o fim da ditadura, pediram anistia para os presos políticos e marcharam com o movimento Diretas-já.
Nessa eu vou
Da revista IstoÉ desta semana:
Esplendor russo
O fim da dinastia Romanov é um daqueles episódios da história russa que, de tanto ser encobertos pela revolução bolchevique, em outubro de 1917, inspirou as mais fantasiosas versões. Depois de meses isolados em uma casa de campo, o último czar, Nicolau II, e sua família foram fuzilados em julho de 1918, na cidade de Iekaterinburgo, mais tarde chamada Sverdlovsk. Mesmo com o desmantelamento da antiga União Soviética, em 1991, as marcas do esplendoroso cotidiano dos Romanov continuaram restritas ao Kremlin, o complexo arquitetônico que abriga igrejas, museus e palácios bem no centro de Moscou. Uma mostra com 200 obras dessas coleções – entre jóias, ícones, pratarias e vestimentas – começa a desembarcar em São Paulo na terça-feira 12, para a exposição A herança dos czares, que o Museu de Arte Brasileira da Faap abrirá no final do mês, depois de ambientá-las em réplicas de três salões do Kremlin.
Cada salão corresponderá a um século da dinastia Romanov, iniciada em 1613, com o czar Mikhail Fyodorovich. “Os ambientes serão em amarelo, reproduzindo o classicismo russo, como no Kremlin”, adianta o arquiteto Jorge Elias, responsável pelo cenário, que por duas ocasiões percorreu os salões originais em busca de inspiração. Como apogeu da mostra, ele planeja instalar numa sala redonda o ovo de Páscoa em ouro, prata, diamantes, marfim e vidro com que Nicolau II presenteou sua mulher, Alexandra, em 1913, durante as comemorações do tricentenário da dinastia. A obra, que exibe retratos de 18 integrantes da família Romanov, foi criada pelo joalheiro Carl Fabergé (1846-1920), titã da ourivesaria internacional. A maioria da população passava por maus pedaços, mas, quatro anos antes da reviravolta política, os Romanov mantinham o secular hábito de comemorar.
Esplendor russo
O fim da dinastia Romanov é um daqueles episódios da história russa que, de tanto ser encobertos pela revolução bolchevique, em outubro de 1917, inspirou as mais fantasiosas versões. Depois de meses isolados em uma casa de campo, o último czar, Nicolau II, e sua família foram fuzilados em julho de 1918, na cidade de Iekaterinburgo, mais tarde chamada Sverdlovsk. Mesmo com o desmantelamento da antiga União Soviética, em 1991, as marcas do esplendoroso cotidiano dos Romanov continuaram restritas ao Kremlin, o complexo arquitetônico que abriga igrejas, museus e palácios bem no centro de Moscou. Uma mostra com 200 obras dessas coleções – entre jóias, ícones, pratarias e vestimentas – começa a desembarcar em São Paulo na terça-feira 12, para a exposição A herança dos czares, que o Museu de Arte Brasileira da Faap abrirá no final do mês, depois de ambientá-las em réplicas de três salões do Kremlin.
Cada salão corresponderá a um século da dinastia Romanov, iniciada em 1613, com o czar Mikhail Fyodorovich. “Os ambientes serão em amarelo, reproduzindo o classicismo russo, como no Kremlin”, adianta o arquiteto Jorge Elias, responsável pelo cenário, que por duas ocasiões percorreu os salões originais em busca de inspiração. Como apogeu da mostra, ele planeja instalar numa sala redonda o ovo de Páscoa em ouro, prata, diamantes, marfim e vidro com que Nicolau II presenteou sua mulher, Alexandra, em 1913, durante as comemorações do tricentenário da dinastia. A obra, que exibe retratos de 18 integrantes da família Romanov, foi criada pelo joalheiro Carl Fabergé (1846-1920), titã da ourivesaria internacional. A maioria da população passava por maus pedaços, mas, quatro anos antes da reviravolta política, os Romanov mantinham o secular hábito de comemorar.
...
Felicidade é mandar fazer uma saia com as medidas pequenas e, ao estrear a dita, descobrir que ela está caindo cintura abaixo. :o)
Nem pra embrulhar peixe
Às vezes fico impressionada com a soberba dos grandes jornais - todos eles. Hoje, no GloboOn, está uma chamada para o blog do Jorge Bastos Moreno, dizendo que Fernando Morais vai escrever a biografia de Paulo Coelho. Tchã tchãn!
No texto, o colunista ainda diz: "Acabo de saber que você vai escrever a biografia de Paulo Coelho. É verdade? Conte-nos isso, por favor."
Pois até os camelos do deserto já sabem que Fernando Morais vai escrever um livro sobre Paulo Coelho, já que Cassiano Elek Machado noticiou isso na Folha de S. Paulo, em matéria do dia 1º de abril:
"Ele já perfilou o 'mago' da imprensa, Chatô, o 'mago' da publicidade, Olivetto, e tem sempre em mente um projeto de biografia do 'mago' da política, Antonio Carlos Magalhães, mas é o mais 'mago' de todos o próximo alvo de Fernando Morais. O escritor fechou no começo deste ano com a editora Planeta e inicia ainda em abril uma biografia do "mago" das letras, Paulo Coelho."
Na boa? Eu teria vergonha de ter um colunista que diz que "acabou de saber" uma notícia que o Brasil já sabe e já comentou (li isso em sites e em outros jornais) há quase 15 dias.
No texto, o colunista ainda diz: "Acabo de saber que você vai escrever a biografia de Paulo Coelho. É verdade? Conte-nos isso, por favor."
Pois até os camelos do deserto já sabem que Fernando Morais vai escrever um livro sobre Paulo Coelho, já que Cassiano Elek Machado noticiou isso na Folha de S. Paulo, em matéria do dia 1º de abril:
"Ele já perfilou o 'mago' da imprensa, Chatô, o 'mago' da publicidade, Olivetto, e tem sempre em mente um projeto de biografia do 'mago' da política, Antonio Carlos Magalhães, mas é o mais 'mago' de todos o próximo alvo de Fernando Morais. O escritor fechou no começo deste ano com a editora Planeta e inicia ainda em abril uma biografia do "mago" das letras, Paulo Coelho."
Na boa? Eu teria vergonha de ter um colunista que diz que "acabou de saber" uma notícia que o Brasil já sabe e já comentou (li isso em sites e em outros jornais) há quase 15 dias.
Precisa-se
Domador, destemido e valente. Mão firme. Experiência. Ambos os sexos. Para amansar e domesticar juba rebelde e com muito, mas muito cabelo. Salário a combinar.
Porque eu não agüento mais andar descabelada.
Porque eu não agüento mais andar descabelada.
quarta-feira, abril 13, 2005
Memorando
Por falar em esporte e caráter, eu me lembro que naquela época o Brasil jogou com a Tchecoslováquia. Pelé pegou a bola na área do Brasil, disparou pelo meio do campo – a torcida diante da TV dizia "Vaaaii!" – driblou metade do time inimigo – a torcida gritava "Vaaaii!" –, saiu pela linha de fundo mas a tempo de cruzar para a área tcheca – a torcida, já de pé, vibrava: "Ahhhhhh!" –, mas a bola passou rente ao gol e saiu pela linha de fundo. Aí, alguém gritou: "Eta nego ruim de bola!"
Quando todos se sentavam, desolados, alguém suspirou:
"É... Bem que o Saldanha dizia que ele está ficando cego".
Eu me lembro que os chamados subversivos assistiam os jogos do Brasil nos seus "aparelhos" e achavam os gols lindos mas politicamente inconvenientes.
Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, "Memorando"
Companhia das Letras, 1993
Quando todos se sentavam, desolados, alguém suspirou:
"É... Bem que o Saldanha dizia que ele está ficando cego".
Eu me lembro que os chamados subversivos assistiam os jogos do Brasil nos seus "aparelhos" e achavam os gols lindos mas politicamente inconvenientes.
Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, "Memorando"
Companhia das Letras, 1993
Ressuscitou
Este fim de semana as crianças ficam com o pai. O próximo, também.
Com tanta liberdade à vista, já marquei um almoço no Shopping da Gávea no sábado (prazer + trabalho: vou ver se consigo um frila) e, à noite, chope na Cobal do Humaitá com o povo da FGV.
Isso é... Hum... É...
Como, minha senhora? O que a senhora falou? É, a senhora aí atrás! Fala mais alto!
Hã? Ah, é, é isso mesmo!
Vida social.
Esqueci.
Sorry.
Com tanta liberdade à vista, já marquei um almoço no Shopping da Gávea no sábado (prazer + trabalho: vou ver se consigo um frila) e, à noite, chope na Cobal do Humaitá com o povo da FGV.
Isso é... Hum... É...
Como, minha senhora? O que a senhora falou? É, a senhora aí atrás! Fala mais alto!
Hã? Ah, é, é isso mesmo!
Vida social.
Esqueci.
Sorry.
Filosofando na cadeirinha
- ... e aí a gente parou pro Ricardo entrar e aí a gente levou ele em casa.
- E quem é Ricardo, minha filha?
- Ai, mamãe, você não sabe de nada, né? Ricardo é o mau-humorado da Lili!
- [...]
- É, mamãe, todas as mulheres têm que ter mau-humorado, né?
- Sim, minha filha. Toda mulher tem que ter um mau-humorado do lado dela...
- E quem é Ricardo, minha filha?
- Ai, mamãe, você não sabe de nada, né? Ricardo é o mau-humorado da Lili!
- [...]
- É, mamãe, todas as mulheres têm que ter mau-humorado, né?
- Sim, minha filha. Toda mulher tem que ter um mau-humorado do lado dela...
Memorando
Eu me lembro de 1968, da Passeata dos Cem Mil, no Rio, da guerra entre estudantes da Rua Maria Antônia, em São Paulo, de José Dirceu, de Luiz Travassos, de Vladimir Palmeira. Me lembro que, anos depois, quando Travassos morreu num desastre de carro, Vladimir perguntou: "Que maldição é esta que caiu sobre nossa geração?".
Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, "Memorando"
Companhia das Letras, 1993
Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, "Memorando"
Companhia das Letras, 1993
Amorzinhos de Loures
Ingredientes:
·5 colheres de (sopa) de farinha de trigo
·4 colheres de (sopa) de açúcar
·2 ovos
·1 colher de (sopa) de fermento em pó
·canela
·limão
·banha
Confecção:
Bater 2 ovos inteiros até ficarem grossos.
Juntar 4 colheres de (sopa) de açúcar e continuar a bater até ficar num creme branco.
Acrescentar 5 colheres de (sopa) de farinha misturada com 1 colher de (sopa) de fermento em pó, uma pitada de canela e um pouco de vidrado de limão finamente raspado.
Com uma colher de (chá) deitar a massa em tabuleiros untados com banha, tendo o cuidado de afastar bem os montinhos uns dos outros porque crescem bastante.
Cozer rapidamente em forno muito quente, idealmente em forno de pão.
Colaboração do Gabinete de Turismo
Câmara Municipal de Loures
Pra você, querida :o)
Pequenas coisas
Deixar para o outro a última (e maior) fatia do bolo.
Notar se a roupa está com buracos, rasgos, costuras desfeitas; se o cabelo está de outra cor, mais curto ou mais comprido ou se a expressão do rosto está mais descansada.
Encher-se de orgulho pelo sucesso do outro.
Saber que o outro vai, mas volta.
Não se preocupar se o outro está aqui ou na província de Kian, a leste do Rio Amarelo - mas ouvir a voz ao telefone como se fosse na esquina e a saudade, na Lua.
Dividir um sanduíche de dois dias quando nada mais há na geladeira - e achar muito gostoso.
Esperar ansiosamente para fazer amor durante todo o dia, e dormir o melhor dos sonos, enroscadinho, porque o outro está morto de cansaço - mas prometeu compensar no dia seguinte.
Ver vitrines de lojas de brinquedos e imaginar o que NÓS gostaríamos de ter.
Fazer planos doidos, com a certeza secreta que não são tão doidos assim.
Confiar plenamente.
Suspirar constantemente.
Amar sem limites.
O que eu quero
Lembrar das coisas boas,
Relembrar o prazer,
Esquecer as coisas ruins,
Descobrir coisas novas,
Experimentar coisas diferentes,
Surpreender-me com coisas antigas,
Aquecer-me com coisas recentes.
Quero minha calmaria de volta, o certo que o inesperado sempre me trazia.
Preciso disso.
Relembrar o prazer,
Esquecer as coisas ruins,
Descobrir coisas novas,
Experimentar coisas diferentes,
Surpreender-me com coisas antigas,
Aquecer-me com coisas recentes.
Quero minha calmaria de volta, o certo que o inesperado sempre me trazia.
Preciso disso.
terça-feira, abril 12, 2005
Bodas
No início deste mês, eu faria seis anos de casada. Jamais comemorei a data - meu ex-marido, quando eu perguntava se íamos jantar, ou sair, me respondia: "Nada há para comemorar".
Pois ele, este ano, celebrou o aniversário do nosso ex-casamento. Me mandou flores, mensagens, convidou-me para sair. Foi minha vez de dizer: "Nada há para comemorar". Até porque, se ele não falasse nada, eu não me lembraria.
Como dizia minha avó: "Se você não se lembra, é porque não é importante". Deixou de sê-lo, há muito tempo.
Pois ele, este ano, celebrou o aniversário do nosso ex-casamento. Me mandou flores, mensagens, convidou-me para sair. Foi minha vez de dizer: "Nada há para comemorar". Até porque, se ele não falasse nada, eu não me lembraria.
Como dizia minha avó: "Se você não se lembra, é porque não é importante". Deixou de sê-lo, há muito tempo.
A arte imita a vida
Fim dos anos 40. O anúncio num jornal de Nova York era da livraria Marks & Co., na 84 Charing Cross Road, Londres, que oferecia livros raros de segunda mão. Helene Hanff, jovem escritora, sem condições de adquirir tais livros que amava ler, responde à oferta. A resposta de um dos funcionários da Marks & Co., Frank Doel, gera outra carta, outra encomenda. Dá-se o início de uma forte relação com o dedicado funcionário e com todos aqueles que fazem parte de seu mundo. São trocas de cartas e de emoções. Esse é o roteiro do filme "Nunca te vi, sempre te amei" (84, Charing Cross Road) baseado no livro da escritora. Delicado, diferente e comovente, a história relata uma relação de intensa amizade desenvolvida ao longo de 20 anos, nascida do amor aos livros.
Você conhece essa história? :o)
Você conhece essa história? :o)
segunda-feira, abril 11, 2005
Perfil
Quando entrei na empresa que trabalho hoje, tive que fazer vários testes; entre eles, o de aptidão. Hoje, depois de quase um ano, recebi a conclusão:
Resultado: Introvertido-Intuitivo-Sentimental-Julgador
Capaz de desencadear mudanças positivas no meio em que esteja atuando. Solucionador de problemas de natureza interpessoal. Tolera o anonimato e sabe como encorajar aos demais a enfrentarem os próprios medos (de tentar e fracassar, por exemplo) e, em resultado, a crescerem. Faz (e ajuda os demais a fazerem) o que acredita e o que pode ser motivo de orgulho fazer. Sincero, esforça-se em expressar as próprias idéias. Provoca atmosfera quase familiar nos ambientes em que atua. Promotor de harmonia entre as pessoas. Líder persuasivo e altamente envolvido com o que faz.
Áreas favoráveis: Treinamento de pessoal. Conselheiro. Treinador esportivo de crianças. Assistência social. Educação infantil. Designer. Hotelaria.
Resultado: Introvertido-Intuitivo-Sentimental-Julgador
Capaz de desencadear mudanças positivas no meio em que esteja atuando. Solucionador de problemas de natureza interpessoal. Tolera o anonimato e sabe como encorajar aos demais a enfrentarem os próprios medos (de tentar e fracassar, por exemplo) e, em resultado, a crescerem. Faz (e ajuda os demais a fazerem) o que acredita e o que pode ser motivo de orgulho fazer. Sincero, esforça-se em expressar as próprias idéias. Provoca atmosfera quase familiar nos ambientes em que atua. Promotor de harmonia entre as pessoas. Líder persuasivo e altamente envolvido com o que faz.
Áreas favoráveis: Treinamento de pessoal. Conselheiro. Treinador esportivo de crianças. Assistência social. Educação infantil. Designer. Hotelaria.
Encontros
Vício é aquilo que queremos fazer, mesmo contra a nossa vontade. Viciei-me facilmente à prosa de alguém que escreve bem e está na profissão errada – ou na certa, se fomos ver por outro ângulo: aquele que o deixa com tempo livre para criar.
Quando eu era criança, o que mais me dava alegria era receber cartas. Hoje, as que eu recebo são bem-humoradas, inteligentes, perspicazes. Ambos olhamos para o fundo do poço mas, pela vida, sentamo-nos apenas na beirada, a falar de Edgar Allan Poe e do Flamengo. Não há porque mergulharmos nessa escuridão – alguns fazem isso, sem respeitar a quem quer que seja. Nós conversamos sobre tudo e sobre nada – filhos, trabalho, a tristeza de uns e a alegria de outros. Do jogo de futebol (jogado ou não), das sutilezas de se fumar um cigarro ultrafino ou dos problemas de uma linha telefônica.
Moramos na mesma cidade, mas sequer cogitamos trocar telefones.
Perderia a graça e o sabor de, no meio do dia, ter envelopes a abrir.
...
Mesmo com a agenda entupida e coisas a serem resolvidas para ontem, minha rotina é vazia. É apenas isso: uma rotina, coisas que se repetem, uma melancolia que não vai embora.
Queria uma vida assim
Da coluna Gente Boa do Globo de hoje:
Pesquisadora do aipim há três anos, a chef Teresa Corção, do restaurante O Navegador, fará palestra sobre o tubérculo quinta-feira, em Dallas, EUA, no congresso da Associação Internacional de Culinária Profissional.
O que há para se estudar num aipim por três anos?
Pesquisadora do aipim há três anos, a chef Teresa Corção, do restaurante O Navegador, fará palestra sobre o tubérculo quinta-feira, em Dallas, EUA, no congresso da Associação Internacional de Culinária Profissional.
O que há para se estudar num aipim por três anos?
Frase da semana
Os problemas da vida são como um tarado bem dotado: melhor encarar de frente, porque se você der as costas... pode ser bem pior.
Valeu, Anninha :o)
Valeu, Anninha :o)
Medo de viver sozinho
Meu maior medo não é morrer sozinho, ainda que morrer sozinho, sem visitas em um hospital ou sem pássaros num asilo, é tão triste quanto uma pilha de discos de vinil para vender. Meu maior medo é viver sozinho e não me acompanhar. Meu maior medo é ter um dia de aniversário por ano para lembrar de que não nasci, de que estou "apenas olhando". Meu maior medo é perder a curiosidade da solidão. Ficar com alguém para disfarçar a espera, esquecendo do egoísmo de prender esse alguém de uma nova chance. Meu maior medo é ser reconhecido por aquilo que poderia ser. Meu maior medo é dizer sim para desistir depois, dizer não para querer depois. Meu maior medo é não ser avisado pelo medo.
Meu maior medo é fingir que estou bem e me contentar em afirmar "o problema não é você, sou eu" em cada fim de relacionamento. E não acreditar nisso, seguir sendo o problema dos outros para me livrar de meu problema. Meu maior medo é viver sozinho e não ter fé para receber um mundo diferente e não ter paz para se despedir. Meu maior medo é almoçar sozinho, jantar sozinho e me esforçar em me manter ocupado para não provocar compaixão dos garçons.
Meu maior medo é ajudar as pessoas porque não sei me ajudar. Meu maior medo é desperdiçar espaço em uma cama de casal, sem acordar durante a chuva mais revolta, sem adormecer diante da chuva mais branda. Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê enquanto tomo banho. Meu maior medo é conversar com o rádio em engarrafamento.
Meu maior medo é enfrentar um final de semana sozinho depois de ouvir os programas de meus colegas de trabalho. Meu maior medo é a segunda-feira e me calar para não parecer estranho e anti-social. Meu maior medo é escavar a noite para encontrar um par e voltar mais solteiro do que antes. Meu maior medo é não conseguir acabar uma cerveja sozinho. Meu maior medo é a indecisão ao escolher um presente para mim. Meu maior medo é a expectativa de dar certo na família, que não me deixa ao menos dar errado.
Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra e faltar uma companhia para concordar comigo. Meu maior medo é que a metade do rosto que apanho com a mão seja convencida a partir com a metade do rosto que não alcanço.
Meu maior medo é escrever para não pensar.
Fabrício Carpinejar
Alô, Houston
Você aí, no lado escuro da Lua: meu telefone ficou mudo até de madrugada. Por isso te deixei falando sozinho. Não foi de propósito não, viu? Beijos :o)
domingo, abril 10, 2005
Limites
O Alzheimer galopante do meu pai se manifesta em mim às vezes: a festa que eu achei que era hoje só acontece dia 24. Resolvi então levar as meninas para almoçar fora, e depois, ao cinema.
Fomos num restaurante aqui mesmo em Santa Teresa. Cada uma em sua cadeira, as meninas conversavam e escolhiam o que comer quando chegou um casal com um menino de uns sete anos e uma menina de cinco. O que se seguiu foi um espetáculo de falta de educação e de controle dos pais. Nunca vi igual. As crianças faziam guerra de comida, jogando arroz nas pessoas em volta. A menina bebeu duas latas de Coca-Cola para depois, aos berros, dizer que não queria "aquela porcaria de comida". O menino despejava no prato do pai o que não queria.
Não foi a primeira vez em que eu vi crianças sem limites. As minhas filhas são crianças que fazem pirraça, que fazem malcriação, que ficam excitadas e salientes como qualquer outra da idade delas. Mas o que eu vejo são pais cegos - como quem diz "Os incomodados que se mudem". Ou, pior: deixam à solta e quando a situação está simplesmente descontrolada, acham por bem virar a mão na criança - como se isso educasse.
Eu dou palmada, sim. Muitas vezes, num momento de suprema raiva e paciência no limite (mas, quando isso acontece, eu peço desculpas depois). Na maioria das vezes, as meninas recebem palmadas (sempre no traseiro) sabendo que foram avisadas duas vezes - e que na terceira vez o aviso não vem pela boca, e sim na forma de um tapa no traseiro.
Sei lá. Crianças pequenas se entupindo de refrigerante. Berrando com os pais, jogando coisas nos outros. Sem controle, sem educação, sem nada.
Como meu pai diz, "é a educação moderna".
Fomos num restaurante aqui mesmo em Santa Teresa. Cada uma em sua cadeira, as meninas conversavam e escolhiam o que comer quando chegou um casal com um menino de uns sete anos e uma menina de cinco. O que se seguiu foi um espetáculo de falta de educação e de controle dos pais. Nunca vi igual. As crianças faziam guerra de comida, jogando arroz nas pessoas em volta. A menina bebeu duas latas de Coca-Cola para depois, aos berros, dizer que não queria "aquela porcaria de comida". O menino despejava no prato do pai o que não queria.
Não foi a primeira vez em que eu vi crianças sem limites. As minhas filhas são crianças que fazem pirraça, que fazem malcriação, que ficam excitadas e salientes como qualquer outra da idade delas. Mas o que eu vejo são pais cegos - como quem diz "Os incomodados que se mudem". Ou, pior: deixam à solta e quando a situação está simplesmente descontrolada, acham por bem virar a mão na criança - como se isso educasse.
Eu dou palmada, sim. Muitas vezes, num momento de suprema raiva e paciência no limite (mas, quando isso acontece, eu peço desculpas depois). Na maioria das vezes, as meninas recebem palmadas (sempre no traseiro) sabendo que foram avisadas duas vezes - e que na terceira vez o aviso não vem pela boca, e sim na forma de um tapa no traseiro.
Sei lá. Crianças pequenas se entupindo de refrigerante. Berrando com os pais, jogando coisas nos outros. Sem controle, sem educação, sem nada.
Como meu pai diz, "é a educação moderna".
Na hora de pôr a mesa
na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
José Luis Peixoto, "Criança em Ruínas"
Quasi, 2001
Coisa idiota
Sonhei com a Babalu e acordei com saudades dela. Ela é um cachorro que já está velhinho, se não toma banho às quartas começa a feder como o diabo, senta nos jornais quando você está tentando ler. Mas eu gosto dela. E lamento não poder acompanhar seus últimos dias.
Que, espero, demorem bastante a chegar.
Que, espero, demorem bastante a chegar.
Pular o domingo
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