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O príncipe de todos os príncipes era William Randolph Hearst [...], arquétipo do empresário autocrático e implacável, cujo enaltecimento de si mesmo tornara-se a sua raison d'être. Não chegou a ser supresa, portanto, que servisse de inspiração para o filme Cidadão Kane, de Orson Welles, de 1941, que a imprensa de Hearst, compreensivelmente, tentou arrasar. [...]
Não havia "Rosebud" nenhum na vida de Hearst que pudesse suscinta e agudamente explicar seu maníaco galopar pela vida a uma platéia de embasbacados estudantes de cinema, e apesar disso sua carreira ilustra a natureza e a força de uma obsessão perseguida sem limites. Isto acabou se expressando mais claramente em sua mansão em San Simeon, construção num estilo que seria chamado de espúrio-espanhol-mourisco-romanesco-gótico-renascentista-mercado-em-alta-dane-se-o-quanto-custa, um exagero nunca visto nem mesmo nos Estados Unidos. Não foi, escreve o biógrafo, "construída a partir da estaca zero para satisfazer certas necessidades de habitação; era um mosaico de lembranças de Hearst, de suas inspirações e de seus bens. Em seu fichário, ele tinha registros de planos de decoração e arranjos que vira em castelos e catedrais da Europa, e queria adotar em seu palácio".
Já acumulara centenas de caixas contendo salões góticos inteiros, tetos entalhados, bancos e coro de igreja, painéis de madeira, escadas, vitrais, sarcófagos, tapeçarias e incontáveis itens que viriam a calhar num palácio ainda a ser construído, um edifício para completar os dois castelos que possuía, um dos quais, o castelo Saint Donat em Glamorganshire, ao norte do país de Gales, raramente visitava.
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Em seu palácio de San Simeon, Hearst dormia numa cama que pertencera ao Cardeal Richelieu. No edifício Clarendon, em Nova York, o elevador que conduzia a seu apartamento tríplex, atulhado de armaduras, quadros, tapeçarias e esculturas, era um confessionário transformado, que em outros tempos testemunhara os pecados sussurrados e as intrigas do Vaticano. A banheira era de mármore de Paros e tinha anteriormente acomodado o presidente Wilson na Casa Branca.
Tudo tinha que ter a marca da prodigalidade. Hearst, o homem do jornal, tinha um aeroporto, dez mil cabeças de gado, uma leiteria, um haras de puros-sangues, uma granja, frotas de carros, um pequeno exército de jardineiros e um zoológico particular onde leões e tigres, ursos polares e outras criaturas eram exibidos para visitantes admirados que se tornavam, pelo menos temporariamente, parte da coleção. Desde Versalhes o mundo não vira palácio tão fenomenal e senhor tão prodigamente, tão prodigiosamente gastador.
Philipp Blom, "Ter e manter - Uma história íntima de colecionadores e coleções"
Editora Record, 2003
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