sábado, janeiro 28, 2006
Um elevador para os céus
O príncipe de todos os príncipes era William Randolph Hearst [...], arquétipo do empresário autocrático e implacável, cujo enaltecimento de si mesmo tornara-se a sua raison d'être. Não chegou a ser supresa, portanto, que servisse de inspiração para o filme Cidadão Kane, de Orson Welles, de 1941, que a imprensa de Hearst, compreensivelmente, tentou arrasar. [...]
Não havia "Rosebud" nenhum na vida de Hearst que pudesse suscinta e agudamente explicar seu maníaco galopar pela vida a uma platéia de embasbacados estudantes de cinema, e apesar disso sua carreira ilustra a natureza e a força de uma obsessão perseguida sem limites. Isto acabou se expressando mais claramente em sua mansão em San Simeon, construção num estilo que seria chamado de espúrio-espanhol-mourisco-romanesco-gótico-renascentista-mercado-em-alta-dane-se-o-quanto-custa, um exagero nunca visto nem mesmo nos Estados Unidos. Não foi, escreve o biógrafo, "construída a partir da estaca zero para satisfazer certas necessidades de habitação; era um mosaico de lembranças de Hearst, de suas inspirações e de seus bens. Em seu fichário, ele tinha registros de planos de decoração e arranjos que vira em castelos e catedrais da Europa, e queria adotar em seu palácio".
Já acumulara centenas de caixas contendo salões góticos inteiros, tetos entalhados, bancos e coro de igreja, painéis de madeira, escadas, vitrais, sarcófagos, tapeçarias e incontáveis itens que viriam a calhar num palácio ainda a ser construído, um edifício para completar os dois castelos que possuía, um dos quais, o castelo Saint Donat em Glamorganshire, ao norte do país de Gales, raramente visitava.
Em seu palácio de San Simeon, Hearst dormia numa cama que pertencera ao Cardeal Richelieu. No edifício Clarendon, em Nova York, o elevador que conduzia a seu apartamento tríplex, atulhado de armaduras, quadros, tapeçarias e esculturas, era um confessionário transformado, que em outros tempos testemunhara os pecados sussurrados e as intrigas do Vaticano. A banheira era de mármore de Paros e tinha anteriormente acomodado o presidente Wilson na Casa Branca.
Tudo tinha que ter a marca da prodigalidade. Hearst, o homem do jornal, tinha um aeroporto, dez mil cabeças de gado, uma leiteria, um haras de puros-sangues, uma granja, frotas de carros, um pequeno exército de jardineiros e um zoológico particular onde leões e tigres, ursos polares e outras criaturas eram exibidos para visitantes admirados que se tornavam, pelo menos temporariamente, parte da coleção. Desde Versalhes o mundo não vira palácio tão fenomenal e senhor tão prodigamente, tão prodigiosamente gastador.
Philipp Blom, "Ter e manter - Uma história íntima de colecionadores e coleções"
Editora Record, 2003
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