“Mas que palavra”, pensou ela. Marianne já havia cruzado com ela muitas vezes – essa palavra e outras. Insano. Anomalia. Psicopata. Agora, elas caíam de sua boca por acidente, como sapos. Ela sentia as palavras escorregando para fora e caindo no chão. [...] Marianne engolia a sensação pantanosa em sua garganta e enchia as palmas das mãos de óleo. [...]
No corredor, Richard preenchia os formulários médicos junto com a enfermeira. Ele parou no bebedouro no caminho de volta para a sala de espera. O jato era fraco, mas foi bom para molhar os lábios. Ele ligou para a Dra. Snow do telefone público, de olho em Lucas, sentado num canto com o rosto afundado numa revista.
- Os remédios não estão funcionando.
- Às vezes isso acontece.
- Ele está ficando pior.
A Dra. Snow suspirou.
- Ataque a irmãos é bastante comum – ela sugerir terapia familiar. Marcou uma sessão para o dia seguinte. Eles deviam ir para casa e descansar. – Peça comida chinesa – aconselhou ela. – Alguma coisa leve.
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Quando o carro estacionou na entrada de carros, Richard viu a vizinha. Ele entendeu que alguma coisa estava errada pelo modo como a blusa dela estava torcida.
- Não sei o que fazer – disse ela enquanto Richard baixava a janela. – Minha gata não quer sair do seu quintal. [...]
- Essa não é uma hora muito boa.
- Está tudo bem – disse Marianne. –Eu a levo – ela pôs as chaves no bolso e tirou Sarah do carro. [...] Um grande curativo branco estava colado na testa de Sarah e Richard podia ver uma seção de careca onde o médico tinha raspado o cabelo da menina. [...]
- E então? – perguntou Richard. – Qual é o problema?
A gata estava no quintal, para em um dos cantos do jardim.
- Lamento muito por isso – disse a vizinha. – Normalmente eu consigo convencê-la a ir para casa – o rosto tremeu um pouco quando ela se aproximou da gata laranja. – Vem agora, querida – a gata sibilou e bateu na mão da mulher, depois correi de volta para o canto. [...]
A barriga vazia da gata balançava, os mamilos se arrastavam no chão. Quando chegou mais perto, Richard viu que seus bigodes tinham sido cortados. Ele sabia que cortar os bigodes era o mesmo que cegar; os animais os usavam para sentir aquilo que seus olhos não podiam ver. Richard deu uma olhada na casa. As cortinas estavam fechadas.
Foi até onde a gata estava sentada e futucou o chão com o pé. O sapato de Richard afundou na terra macia e, quando ele tocou o que tinha sido enterrado ali, sentiu seu ânimo desabando junto com a ponta do seu sapato, um mergulho na tristeza. Ele pensou no que estava surgindo. Havia vermes, ele podia senti-los, e grãos minúsculos abriam caminho, entrando em suas meias.
Hannah Tinti, "Verdadeiros animais"
Editora Rocco, 2004
*São 11 contos, este é o décimo. Em todos, os animais são personagens que correm à margem; se ausentes, porém, não haveria sentido para as histórias. Um livro que eu gostaria de ter escrito. O título em inglês é "Animal crackers", aqueles biscoitinhos em forma de bicho - aliás, foi assim que a editora original fez a divulgação: distribuindo latas desses biscoitinhos para a imprensa junto com o livro.
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