sábado, janeiro 14, 2006

Relembrar para não esquecer jamais*

 Posted by Picasa


Você pode trepar, transar e fazer amor. As duas primeiras requerem apenas conhecimento técnico. Mas a terceira requer algo mais.
Fazer amor é, antes de tudo, conhecer. O jeito de acender um cigarro, a maneira de inclinar a cabeça quando pensa. Os olhos ficam ligeiramente avermelhados quando bate o tesão? Se entrefecham? Há urgência nas mãos? Sim, há de se reparar em todos os detalhes.
Na hora, não se deve pensar muito. Eu sei, é instintivo. Mas também é a maneira de abraçar que faz o coração bater loucamente, sentindo que o desejo cresce e força passagem. As pernas não deixam, prendem o que quer se libertar. Tateia, tenta escapar, encontrar a saída por onde tanto deseja entrar.
Arquear as ancas (sabe o que são as ancas? A parte mais escandalosa, a que mostra à platéia se você está agradando). Passear as mãos pelo corpo, como se procurasse algo, mas feliz por apenas escorregar na pele lisa, sedosa, que se arrepia ao menor toque, seja ele agressivo ou diáfano. E então começa a luta, de uma violência que parece mostrar que ali não há amor, quando amor é o que mais há. "Por favor, não faz isso." Amante é tradutor universal. Isso quer dizer "Vem, eu preciso tanto de você." Escorrega-se, lenta e dolorosamente, para dentro, para um mundo onde minutos podem ser horas e vice-versa. Delicadamente, mas com firmeza. As bocas que se juntam num desencontro que parece não ter fim. Por que não acertam o passo? Porque há mais para acertar. O prazer vem do desacerto, das palavras que não dizem o que querem dizer. Tudo é ao contrário, a dor vira prazer, o prazer é tudo o que há.
As línguas que bebem o suor a escorrer da nuca, a descer pelos ombros. Mãos que buscam embaixo de corpos o que desesperadamente pede para ser tocado – mas que foge ao sentir o toque. Um púbis a escorregar pelas costas, costas a se chocar com pernas. Cabeças a subir por joelhos que não sabem se a ordem é encontro ou separação. Fazer amor é sentir os nós dos dedos dele na palma das mãos, o queixo nas espátulas, o roçar da barba por fazer, o hálito que se procura desesperadamente, como um guia no meio de um nevoeiro.
Pode-se escrever tratados sobre isso – aliás, eles existem, melhor escritos do que aqui.
Fazer amor é, ao final, acariciar sobrancelhas, rosto, mãos. É escutar o ressonar satisfeito, como o de um gato. É ouvir urgência na pergunta: "Aonde você vai?" e tranqüilizar com um "Só beber um copo d'água".

* Que, antes de ser mãe, eu sou uma mulher.

6 comentários:

Anônimo disse...

Sem palavras. Fiquei muda.

lr disse...

olá, suzana: muito bonito! mas isso de que você fala às vezes tem um preço demasiado elevado.é o que eu ando pensando agora. e nem tudo vale o que se paga por ele. um abraço.

Anônimo disse...

Querida,
Fantástico este seu post! Uma delicadeza...
Coisas que a gente só percebe tempos depois, não é? Acho que mais na ausência do que no momento.
Pra acompanhar este seu post, escute a musica Yamore do Salif Keita. É um soco bem dado no estômago. Êta musica hipnotisante...
beijocas pra vc!

Anônimo disse...

caramba muito boa a sua descrição...
você poderia comentar os comentários... o que acha?
abs

anouska disse...

olá suzana. vim aqui conhecer o seu mundo. a vida tá difícil, mas parece que você tem encarado tudo com muita doçura. eu volto, pode crer. beijo

Ligia disse...

Texto genial.

Acho que aceitar que a dor é prazer quando se faz amor é uma das coisas mais misteriosas do sexo.