sexta-feira, janeiro 20, 2006

Gôndolas

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Cultivo um daqueles prazeres bobos da vida com cuidado extremo: fazer supermercado (acompanhada, então, é dos deuses :o). Faço a lista do que falta, procuro ofertas, percorro os corredores numa determinada ordem (pra não parecer barata tonta e ter que ficar indo e voltando) e arrumo o carrinho com capricho. Uma vez, a pessoa que estava fazendo compras comigo virou a cara com aquela expressão de "não faço a menor idéia o que essa neurótica está fazendo" porque eu comecei a travar uma luta surda com o empacotador, que botou no fundo da sacola os pacotes de macarrão e arrumou, por cima, duas latas grandes de Nescau e, por último, as latas de molho de tomate.
Então, eu passo primeiro o material de limpeza, que é mais pesado; depois, o material de higiene; a seguir, lataria e garrafas, sacos de farinha, coisas que amassam (como pão e bolos), coisas que quebram (macarrão e biscoitos) e, por fim, frutas, verduras, ovos e os gelados (que são sempre as últimas coisas que pego antes de ir para o caixa - odeio carrinho pingando de sangue e água de peixe. Irc!)
Ontem, fui ao supermercado fazer aquela comprinha básica antes do feriado (aqui no Rio é dia de São Sebastião, padroeiro da cidade). Filas quilométricas. Tocar na Caaba demoraria menos.
Pois a fila do supermercado é, como no aeroporto, um grande cenário onde se desenrolam inúmeros fragmentos de novelas. Assim sendo, vamos analisar o rapaz três carrinhos à minha frente: perto de 40 anos, nem gordo nem magro, não adepto de praia, bermudão (Osklen), havaianas, camiseta que viu melhores dias (mas era Gap).
Na cesta, uma compra razoável, mas pra quem é solteríssimo e deve ganhar bem: vinho tinto (quatro garrafas, do bom), pão, queijo gorgonzola, conservas importadas, peras portuguesas (aquelas de custam um salário o quilo) e mais alguns itens que desconheço, por não fazerem parte nem do meu orçamento nem da minha vida real.
Por sua vez, na fila ao lado uma mulher dos seus 40 anos implorava, suplicava aos três filhos (uma menina de uns oito anos, um menino de seis e uma meninina, no carrinho, que deveria ter uns dois anos, e a cada três segundos soltava um "Pála com isso!" para os irmãos). Pois a mãe ameaçou, ralhou, brigou, mas sempre com aquele tom de voz de profundo arrependimento - não sei se pela idéia de ter tido três filhos ou de tê-los levado para o supermercado. Ela comprou dois carrinhos cheios, e eu fiquei pensando como ela ia levar aquilo tudo embora.
Muuuuitas velhinhas. Todas com suas respectivas rações de passarinho: uma com um saco com um pão, outra com dois tomates e uma cebola, outra com 300g de peixe, e assim por diante. Mas uma coisa me espantou profundamente: há, logo na entrada, uma fileira de cadeiras para os idosos que queiram descansar (antes ou depois das compras). No rosto da maioria deles (principalmente das mulheres) não se lia cansaço, nem tristeza, nem alegria - apenas um profundo e quase mortal tédio por estar (ainda) vivendo.

Um comentário:

Lala´s disse...

Ué, aí não tem nenhum maluco recém-desempregado que anota o preço de tudo, e no final soma com uma calculadora, para ter controle sobre os gastos? Aqui em São Paulo tem. :o)