sábado, dezembro 20, 2008
Quase ao fim
Em novembro, um deslizamento de terra matou um dos cachorros dos meus pais. Então, meu pai chamou a Prefeitura que foi lá, cutucou bem tudinho e disse que estava tudo ok. Não estava. Uma obra clandestina do único vizinho dos meus pais num raio de quilômetros desviou um curso d'água para a direção de uma imensa rocha. Nas chuvas que se seguiram, o terreno já fofo afundou de vez e a pedra rolou encosta abaixo. Meus pais não estavam em casa. A pedra bateu à porta da cozinha e levou metade da casa - só parou no ribeirão que dá as boas-vindas a quem chega ao sítio.
E então eu fiquei subindo e descendo a serra. Por quase dois meses. Larguei minha casa, meu trabalho e minhas filhas para ver meu pai completamente aturdido revirando, com a ponta da bengala, os restos enlameados de seu álbum de casamento. Seus documentos, diplomas, certificados. As fotos da infância dos seus filhos e netos. As fotos de infância de seus pais. Seus preciosos livros já sem as letras nas páginas amolecidas pela chuva.
Eu ouvi meu pai chorar por dentro. Um choro quente, desesperado, cheio de porquês. Minha mãe não esboçou nenhuma reação. Apagou-se como uma vela já no fim e só acordou no hospital, o rosto muito pálido refletindo o que fazer para recuperar o que foi perdido - em alguns casos, para sempre.
Com somente a roupa do corpo e nada mais, no meio daquele frio todo, meu pai olhou no fundo dos meus olhos e murmurou: "Que bom que você não estava aqui com as meninas. Que bom que nós não estávamos aqui. Que bom que você está aqui agora." Naquele momento, ganhei o único presente de Natal que esperei a minha vida inteira para receber: o amor do meu pai.
Que todos vocês ganhem, nesse fim de ano, o que mais almejaram a vida inteira - em tamanho, em intensidade, em eternidade.
Beijos meus e das meninas. Não sumam.
sexta-feira, dezembro 12, 2008
...
quinta-feira, dezembro 04, 2008
Sumário
Meu avô me dizia que, quando ele nasceu, tinha um nome grande que terminava pequeno: Paulinho. Aí ele cresceu, e na escola era chamado de "Paulo de Tal", entre outros Paulos. Formou-se e acabou virando "Excelentíssimo Sr. Juiz Dr. Paulo Fulano Beltrano de Tal e Qual". Casou e virou de novo "Paulo". Teve um filho, e daí virou "papai" e depois, "pai".
No fim da vida, gostava de dizer que tinha sido resumido a uma sílaba: "Vô". Mas que aquela sílaba, inversamente ao "Excelentíssimo Sr. Juiz Dr. Paulo Fulano Beltrano de Tal e Qual", encerrava um universo que transcendia a sua própria existência.
No fim da vida, gostava de dizer que tinha sido resumido a uma sílaba: "Vô". Mas que aquela sílaba, inversamente ao "Excelentíssimo Sr. Juiz Dr. Paulo Fulano Beltrano de Tal e Qual", encerrava um universo que transcendia a sua própria existência.
segunda-feira, dezembro 01, 2008
Lembrete
Su, minha adorada;
[...] Você criou esse mundo que te parece mais rico e mais interessante. Mas a outra, a que você também é, caminha pra esse mundo toda vez que precisa. Me parece fascinante. Essa capacidade que vocês duas têm de se autoproteger e se refazer deve ser parte de teu processo de cura e de crescimento. Uma pessoa tão sensível, tão bela e tão profunda como você é, com teus poemas, tuas fotografias, tuas leituras, só sendo duas. Quer dizer, muitas, muitas. A mãe das meninas, a mulher que limpa o jardim depois das tormentas (literalmente também) e a maravilhosa Suzana Elvas que conhecemos nos blogs. Não pára, Su. Você ainda se considera fragmentada? Bem, um pouco somos todos. Mas nos momentos de plenitude somos todos os fragmentos juntos. Me parece que teu momento está chegando. E sem muitos medos de ficar no outro mundo. Nada disso. Eu te amo muito.
Nelly (La Mamacita da Lola)
Às vezes eu me pergunto "Ora bolas, pra que ter um blog? Já tenho tanta coisa pra fazer, e ainda tenho sempre que postar coisas interessantes ou aí aproveito pra chorar pitangas virtuais etc." Aí eu leio isso.
Do fundo do meu coração, obrigada pelo colo, D. Nelly. Eu estava precisando.
sábado, novembro 29, 2008
Punjabi soul
Jind Mahi
Oh jind mahi baaz tere kumlayiyaan, teriyan laadliyan bharjayian
oye baagi firan kadi nahin aayiyaan,
Oh ik pal beh jana mere kol, tere mithde ne lagde bol
Oh jind mahi je chaliyon patiale, othon liyavi reshmi naale
Adhe chitte te addhe kaale,
Oh ik pal beh jana mere kol, tere mithde ne lagde bol
jind mahi baajre diyan chattiyaan, mela vekhan aayiyaan jattiyaan
Hath ch sheeshe te laundiyan pattiyan,
Ik pal beh jana mere chanda, Vichora do dilan da manda.
ho jind mahi ishqey di kaali raat, hove jiven sawan barsaat
ehe ishq hai buri saugaat
ik pal beh jana mere kol, tere mithde ne lagde bol
Minha querida
Meu amor, elas estão tristes sem você, minhas adoráveis cunhadas
Oh, você jamais veio ao jardim para caminhar
Sente-se um momento comigo, eu adoro suas doces palavras
Ei, amor, se você estiver indo para Patiala, traga sedosas meadas de lá
algumas brancas, algumas negras
Sente-se um momento comigo, eu adoro suas doces palavras
Meu amor, há trigo nos talos, primas vieram para ver a festa,
pentear os cabelos com espelhos nas mãos
Sente-se um momento, minha lua; a separação de dois corações é muito ruim
Minha querida, na noite escura do amor, tal como a chuva de monção,
o dom do amor é muito doloroso
Sente-se um momento comigo, eu adoro suas doces palavras
sexta-feira, novembro 28, 2008
Noite
Homem: Estou falando daquela vez no rio.
Mulher: Que vez?
Homem: A primeira vez. Na ponte. O começo, na ponte.
Mulher: Não consigo me lembrar.
Homem: Na ponte. Paramos e olhamos o rio. Era noite. Havia luzes na margem. Estávamos sozinhos. Eu pus minha mão na tua cintura. Você se lembra? Pus minha mão por baixo de teu casaco.
Mulher: Era inverno?
Homem: Claro que era inverno. Foi quando nos encontramos. Foi nosso primeiro passeio. Deste passeio você se lembra.
Mulher: Eu me lembro do passeio. Eu me lembro do passeio com você.
Homem: A primeira vez? Nosso primeiro passeio?
Mulher: Sim, é claro. Eu me lembro dele. (pausa) Caminhamos pelo campo. Atravessamos algumas cercas, chegamos num canto e paramos junto a uma cerca.
Homem: Não. Foi na ponte que nós paramos.
(pausa)
Mulher: Então foi outra pessoa.
Homem: Que besteira.
Mulher: Foi outra mulher.
Homem: Faz muito tempo. Você se esqueceu. (pausa) Eu me lembro da luz sobre a água.
Mulher: Você estava junto à cerca e segurou meu rosto com suas mãos. Você foi muito gentil. Muito atencioso. Você me acariciou. Seus olhos procuraram meu rosto. Eu queria saber quem era você. Queria saber o que você ia fazer.
Homem: Foi numa festa que nos encontramos. Você não concorda com isto?
Mulher: O que foi isso?
Homem: Isso o que?
Mulher: Pensei ter ouvido uma criança chorando.
Homem: Não há barulho nenhum.
Mulher: Pensei ter ouvido uma criança chorando, acordando.
Homem: A casa está em silêncio. (pausa) É muito tarde. Ainda estamos sentados aqui. Já devíamos estar na cama. Tenho que acordar cedo amanhã. Tenho muitas coisas para fazer. Por que você quer discutir?
Mulher: Eu não quero discutir. Não estou discutindo. Eu quero é ir para a cama. Também tenho muito a fazer. Tenho que acordar cedo amanhã.
(pausa)
Homem: A festa foi na casa de John. Você o conhecia. Eu, só de vista. Conhecia mesmo era a mulher dele. Foi lá que encontrei você. Você estava em pé, junto à janela. Eu sorri e, para minha surpresa, você também sorriu para mim. Gostou de mim. Fiquei admirado. Você me achou atraente. Mais tarde me disse isto. Você gostou dos meus olhos.
Mulher: E você gostou dos meus. (pausa) Pegou minha mão. Perguntou quem eu era e o que fazia. E se eu percebia que você estava segurando minha mão, que seus dedos estavam apertando os meus, que seus dedos estavam entre os meus.
Homem: Não. A gente parou na ponte. Eu estava atrás de você. E pus minha mão por baixo do seu casaco. Na sua cintura. Você sentiu minha mão em você.
(pausa)
Mulher: Nós tinhamos estado numa festa. Na casa de John. Você já conhecia a mulher dele. Ela te olhou com muito interesse. Dando a entender que o queria. Ela parecia gostar muito de você. Eu não o conhecia. Nunca havia visto você. A casa deles era maravilhosa. Na margem do rio. Fui apanhar meu casaco e você ficou me esperando. Você se ofereceu para me acompanhar. Achei muito simpático, muito gentil, muito educado, muito atencioso. Pus meu casaco e olhei pela janela, eu sabia que você estava me esperando. Olhei do jardim até o rio e vi as luzes sobre a água. Então fui até você e passeamos pelo campo, atravessamos algumas cercas. Devia ser uma espécie de parque. Depois pegamos o seu carro. E demos algumas voltas.
(pausa)
Homem: Eu toquei teus seios.
Mulher: Onde?
Homem: Na ponte. Eu segurei teus seios.
Mulher: Tem certeza?
Homem: Eu estava atrás de você.
Mulher: Fiquei me perguntando se você ia fazer isso, se você queria mesmo, se você ia fazer.
Homem: Sim.
Mulher: Fiquei me perguntando como você ia fazer isto, se tinha vontade suficiente.
Homem: Pus minha mão por debaixo da tua blusa. Soltei teu sutiã. E apertei teus seios.
Mulher: Talvez uma outra noite. Ou uma outra mulher.
Homem: Você não se lembra de meus dedos no teu corpo?
Mulher: Eles estavam nas tuas mãos? Meus seios? Nas tuas mãos?
Homem: Você não se lembra das minhas mãos no teu corpo?
(pausa)
Mulher: Você estava atrás de mim?
Homem: Sim.
Mulher: Mas eu estava encostada na cerca. Senti a cerca nas minhas costas. Você estava de frente pra mim. Eu estava olhando os teus olhos. Minha blusa estava fechada. Fazia frio.
Homem: Eu desabotoei tua blusa.
Mulher: Era muito tarde. Estava meio frio.
Homem: E depois a gente deixou a ponte. E fomos andando pela margem e chegamos num monte de folhas.
Mulher: E você me possuiu, e disse que estava apaixonado por mim, e você disse que ia tomar conta de mim para sempre, e que minha voz, meus olhos, minhas coxas, meus seios eram maravilhosos e que você ia me adorar sempre.
Homem: Sim. Eu disse.
Mulher: E você vai me adorar sempre.
Homem: Sim. eu vou.
Mulher: E então nós tivemos filhos e estamos sentados aqui, conversando e você se lembrou de mulheres nas pontes e nas margens e nos montes de folhas.
Homem: E você se lembrou dos teus quadris na cerca e homens segurando tuas mãos e homens olhando nos teus olhos.
Mulher: E falando comigo suavemente.
Homem: E tua voz suave. Falando pra eles suavemente. Na noite.
Mulher: E eles diziam: "Eu vou te adorar sempre."
Homem: Dizendo: "Eu vou te adorar sempre."
Harold Pinter
quarta-feira, novembro 26, 2008
Esquizofrenia
É impressionante como o mundo de Suzana é tão mais rico, mais interessante, mais prazeiroso do que o mundo da outra.
E, acredito, aí é que mora o perigo.
E, acredito, aí é que mora o perigo.
Jamais se repita
Eu já vivi isso - e não desejo nem à maior fdp que encontrar na vida.
Assine, por favor.
Assine, por favor.
segunda-feira, novembro 24, 2008
Punjabi groove
Darshan
Oh ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Oh aj din vadiya lagoogaa
Ni aj din vadiya lagoogaa
Oh ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Oh ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Oh, sona mukharda vekh ke tera
Baago baag hoyaa dil mera
Tenu hath jordh ke aakhaan
Ni mere dil wich laale dera
Oh, sona mukharda vekh ke tera, ni baago baag hoyaa dil mera
Tenu hath jordh ke aakhaan, ni mere dil wich laale dera
Ni koi karmaan walaa ishq tere de rang wich rangoogaa
Oh ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Kade niwi paake hasna, ni haske chori-chori takna
Haske chori-chori takna
Teraa tumuk tumuk ke turna, ni pab boch boch ke chalna
Ni pab boch boch ke chalna
Kade niwi paake hasna, ni haske chori-chori takna
Teraa tumuk tumuk ke turna, ni pab boch boch ke chalna
Teraa nakhraa pata nahin kiniyaan di jind sooli tangooga
Oh ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Chad ke lare lambe laune, je tu sikh le bol pagaune
Je tu sikh le bol pagaune
Tere rahaan de wich ardiye, phir jagraj ne nain vichaune
Phir jagraj ne nain vichaune
Chad ke lare lambe laune, je tu sikh le bol pagaune
Tere rahaan de wich ardiye, phir jagraj ne nain vichaune
Teraa mairam main rab de kolon tenu hi mangogaa
Oh ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Ni, tere hoye savere darshan, aj din vadiya lagoogaa
Visão divina
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Hoje o dia será, sem dúvida, maravilhoso
Hoje vai ser maravilhoso
Hoje vai ser maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença esta manhã
Hoje o dia será, sem dúvida, maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença esta manhã
Vendo o seu lindo rosto
O meu coração ficou absolutamente louco; uno minhas mãos e digo
Venha e viva no meu coração
Algum homem de sorte será seu escolhido
Vendo o seu lindo rosto, meu coração ficou absolutamente louco; uno minhas mãos e digo
Venha e viva no meu coração
Algum homem de sorte será o seu escolhido
Quem se tingirá com as cores do seu amor?
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Às vezes você baixa os olhos e ri e, ao rir, rouba um instante do tempo
Enquanto você ri rouba um instante do tempo
O jeito de caminhar sem pressa e suavemente sobre as pontas de seus dedos
Sobre as pontas de seus dedos
Às vezes você baixa os olhos e ri e, ao rir, rouba um instante do tempo
O jeito de caminhar sem pressa e suavemente sobre as pontas de seus dedos
Com a sua atitude quem sabe quantas pessoas ele vai matar
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Se você deixar de fazer falsas promessas e aprender a manter sua palavra
Se você aprender a manter sua palavra
Então ele a seguirá menina, Jagraj vai olhar para você
Jagraj vai olhar para você
Se você deixar de fazer falsas promessas e aprender a manter sua palavra
Se você aprender a manter sua palavra
Então ele a seguirá menina, Jagraj vai olhar para você
Jagraj vai olhar para você
Como aquele que te ama, de Deus; vou pedir apenas para você
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
Menina, eu percebi a sua presença, esta manhã; hoje será um dia maravilhoso
terça-feira, novembro 18, 2008
Saldos de primavera
Contabilizando a tempestade de ontem:
* Três ralos entupidos com minigoiabas & carlotinhas
* Dois ralos entupidos com pêlos & folhas
* 3,7 toneladas de cocô de cachorro derretido
* Três cachorros fedendo (e dormindo cada um num canto do terraço - pra ver como tá feia a coisa)
* Dois quartos externos inundados
* Dois sacos de carvão transmutados em lama negra
* Dois panos de chão desaparecidos
* Uma pitangueira careca
* Uma bananeira tombada
* Duas novas goteiras
Entre mortos e feridos, salvaram-se todos - não temos notícias de corpinhos de camundongos à deriva (vide post antigo que eu estou com preguiça de procurar).
* Três ralos entupidos com minigoiabas & carlotinhas
* Dois ralos entupidos com pêlos & folhas
* 3,7 toneladas de cocô de cachorro derretido
* Três cachorros fedendo (e dormindo cada um num canto do terraço - pra ver como tá feia a coisa)
* Dois quartos externos inundados
* Dois sacos de carvão transmutados em lama negra
* Dois panos de chão desaparecidos
* Uma pitangueira careca
* Uma bananeira tombada
* Duas novas goteiras
Entre mortos e feridos, salvaram-se todos - não temos notícias de corpinhos de camundongos à deriva (vide post antigo que eu estou com preguiça de procurar).
Fotógrafos IX - Bruno Mercier
Arca perdida
As pessoas fazem listas de desejos, como visitar a terra dos pais ou tirar uma foto no topo da Torre Eiffel. Eu tenho desejos mais sensoriais. Por exemplo, vi "Sonhos", de Akira Kurosawa, e uma das partes do filme chama-se "Pomar de pêssegos". Como deve ser o cheiro de um pomar de pessegueiros quando as árvores florescem? Queria saber. Ou de um pomar de cerejeiras - dá pra sentir o pretenso perfume nas fotos.
Um campo de tulipas. Ou aqueles prados cheios de lavanda que se vê em fotos da Provença. Consegue imaginar o perfume no ar?
"Lições de francês", um livro do gastrônomo e enólogo Peter Mayle, fala de uma viagem em busca de belas refeições pelo interior da França. Ele descreve uma tarde de outono numa cidadezinha ao sul, copo de vinho na mão, o calorzinho do sol se pondo. Ouvindo as colinas sussurrarem. Eu queria isso para mim.
Um grande compositor brasileiro chamado Henrique Oswald acabara de compôr sua mais famosa obra para piano quando perguntou à mulher que nome dar a ela. Estava escurecendo sobre Paris e nevava. Ela olhou pela janela e disse: "Il neige". Quero ouvir a neve cair sobre Paris.
Viajando pelo interior da Itália, estávamos nos aproximando de Assis. E o sol caía esplendidamente sobre o vale. Lembrando-me agora, parecia como o brilho do sol atravessando o azeite - já reparou como é de um tom dourado estranho, puxando para o verde? Era exatamente essa cor. Mas cada vez que tento me lembrar daquele momento sinto que a imagem vai ficando cada vez mais desbotada. A hora é errada, a cor está diferente, o silêncio não é igual. Quero refrescar a minha memória e regravar aquele tom de dourado novamente nas minhas lembranças.
Fechar os olhos e ouvir ao vivo Wynton Marsalis dividir o palco com seu irmão Branford. Acampar à noite e contar estrelas. Ter uma casa onde eu possa dormir ouvindo o mar. Ter desejos secretos, ainda por realizar.
* Obrigada, amigo.
sexta-feira, novembro 14, 2008
Boing boing
Descendente I
A maturidade traz momentos de sensatez e serenidade, como comer de uma vez só, inteirinho - e raspando aquele papel encerado com a colher pra não perder nem um gruminho - um Chocotonne. Maxi. De um quilo.
E depois ficar pensando como explicar às suas filhas de onde apareceu ("Ah? Onde? Ali? Ali, onde? Ah, isso? Não, não sei como isso foi parar aí. Não") aquele papai noel de brinde.
E depois ficar pensando como explicar às suas filhas de onde apareceu ("Ah? Onde? Ali? Ali, onde? Ah, isso? Não, não sei como isso foi parar aí. Não") aquele papai noel de brinde.
quarta-feira, novembro 12, 2008
Por baixo da ponte
Minha mãe visitando a sede do Ministério da Cultura. Aí ela se lembra de quando foi lá registrar seu diploma de professora - os dados eram copiados à mão, numa letra de escriba medieval, por senhorinhas acomodadas no último andar do prédio.
- Olá, pode me dar uma informação? - pergunta ela a um guardinha no saguão. - Ainda existem aquelas velhinhas numa salinha lá no último andar preenchendo os diplomas do Instituto de Educação à mão?
Ao ouvir o "velhinhas", o guardinha automaticamente olha os cabelos alvos e fofos de minha mãe, o leque de rugas em volta dos olhos verdes e brilhantes num rosto corado e redondinho - e meio engasgado, responde:
- Vel...hinhas? Sim, senhora. Elas ainda trabalham lá.
E minha mãe, mais engasgada ainda, liga o sinal de "Velhice é uma merda" e vai embora - entrando na fila dos idosos rumo ao elevador até o último andar.
quarta-feira, novembro 05, 2008
Descendente
terça-feira, novembro 04, 2008
Caderno de notas
Ignorava quase tudo dessas mulheres; a parte que entregavam das suas vidas cabia entre duas portas entreabertas. Seu amor, do qual falavam sem cessar, parecia-me por vezes tão leve quanto uma de suas guirlandas, como uma jóia da moda, um ornamento caro e frágil. Imaginava-as ataviando-se com sua paixão tal como usavam o carmim ou colocavam seus colares. [...] Acabei por compreender que o espírito do jogo exigia esses perpétuos disfarces, esses excessos nas confidências e nas queixas, esse prazer ora aparente, ora dissimulado, esses encontros planejados como os passos de uma dança. Mesmo nas disputas esperavam de mim uma réplica antecipadamente calculada, e a bela mulher desfeita em lágrimas torcia as mãos como num palco.
Tenho pensado freqüentemente que os amantes apaixonados pelas mulheres se prendem ao templo e aos acessórios do culto tanto, pelo menos, quanto à sua própria deusa. Deleitam-se com os dedos tintos pela alcana vermelha, com os perfumes na pele, com os mil artifícios que realçam a beleza e, por vezes, fabricam-na por completo. [...] Dificilmente se poderia dissociá-las da doçura febril de certas noites de Antioquia, da excitação das manhãs de Roma, dos nomes famosos que usavam, do ambiente de luxo em que o maior requinte era mostrarem-se nuas, mas jamais sem seus adereços.
Eu teria ambicionado muito mais: queria a criatura humana despojada de tudo, sozinha consigo mesma, como teria sido forçoso que estivesse algumas vezes na doença, ou depois da morte do primeiro filho recém-nascido, ou frente a uma primeira ruga adiante do espelho. Um homem que lê, pensa ou calcula pertence à espécie e não ao sexo; nos seus melhores momentos ele escapa inclusive ao humano. No entanto, minhas amantes pareciam vangloriar-se de não pensar senão como mulheres; o espírito ou a alma que eu buscava ainda não era mais que um perfume.
Marguerite Yourcenar, "Memórias de Adriano"
Tradução de Martha Calderaro
Editora Nova Fronteira, 1980.
A cada vez que encontro alguém sempre me cobram os adereços; estou ainda a esperar aquele que queira apenas a "criatura humana despojada de tudo, sozinha consigo mesma".
segunda-feira, novembro 03, 2008
...
Preparar um original ruim deve ser como fingir orgasmo.
Muito esforço pra nada - uma total perda de tempo.
Muito esforço pra nada - uma total perda de tempo.
Actor's Studio
The key to acting in long scenes is finding a comfortable place for your character to sit. (A chave para interpretar longas cenas é achar um lugar confortável para seu personagem se sentar.)
David Hewlett
David Hewlett
sexta-feira, outubro 31, 2008
... ninguém acredita
Já tem quase 25 anos que eu conheci um cara lindo, muito charmoso e interessante. Eu e Felipe nos encontramos na faculdade, quando fazíamos biologia. Ele queria se especializar em zoologia e eu, em biologia marinha. Jamais rolou nada entre nós. Mas a amizade nasceu mesmo foi com o advento do e-mail. Eu larguei a faculdade e fiz comunicação; ele seguiu em frente, fez ainda veterinária e foi estudar fora, na Inglaterra. E se no começo era uma carta por mês, quando o e-mail chegou para ficar minha caixa de entrada pingava ao menos um e-mail longo por dia.
Primeiro ele se especializou em grandes animais - cavalos e vacas. Depois, inventou de, nas férias, ser voluntário no Parque Nacional Kruger, na África do Sul. E de lá não voltou (minto; voltou para buscar a mudança e o companheiro, um cartógrafo escocês maluco chamado William que adora vir ao Brasil para poder lotar a mala de porcarias tipo Guaraná Antarctica e Catupiry).
Pois hoje recebi um e-mail do William dizendo que meu amado amigo levou uma chifrada de um gnu. O bicho ia ser sacrificado (e William se deleitou descrevendo a extensão da ferida cheia de moscas varejeiras) e não gostou. A mãe do Felipe é uma velhinha judia, e eu sempre sou a porta-voz das coisas ruins ("Felipe não vem para o Hanukah"; "Felipe quebrou o braço", "Felipe está com malária", "Felipe foi abduzido no meio do Serengueti").
Enfim. É onde ele está hoje, no Parque Nacional do Serengueti, na Tanzânia. Ou estava, antes de ser levado para um hospital no Quênia com as costelas quebradas e um buraco no peito. Mas ele adora isso. E eu vou ter que contar pra mãe dele. E acho que dessa vez não vou ganhar nem um fluden.
quinta-feira, outubro 30, 2008
...
Lendo meus antigos posts, começo a achar que ou eu tenho que levar muuuuuita porrada do destino ou estar absolutamente encantada com a minha própria existência para então escrever alguma coisa que preste.
Uma vida mais ou menos não dá samba.
Sorry.
Uma vida mais ou menos não dá samba.
Sorry.
Fotógrafos VIII - Hiroshi Watanabe
quarta-feira, outubro 29, 2008
...
Eu disse isso um dia, e é a mais pura verdade.
Muitas vezes, o que queima por debaixo da pele deveria ficar por lá.
Muitas vezes, o que queima por debaixo da pele deveria ficar por lá.
terça-feira, outubro 28, 2008
segunda-feira, outubro 27, 2008
O que importa
Achei que esse dia jamais de apresentaria de novo mas... bom, estou sentindo falta de ter alguém. Das profundezas dos meus loucos dias, sinto a falta de alguém. De um bom beijo na boca, de um não-vamos-fazer-nada, de um ah-vamos-fazer-sim.
E aí um pensamento puxa outro e lembrei da listinha da Catatau. E fiz, mentalmente, a lista dos meus namorados/marido/casos/trelelê. E fiquei assim meio perdida.
Porque eu já namorei de tudo um pouco. De um cara 14 anos mais novo a um 17 anos mais velho. Gordo, magrelo, meio careca, meio cabeludo. Sarado e largado. Troglô e quase do lado de lá.
Então, qual o meu tipo? Tinha um cara na redação do jornal onde trabalhei que era, nas palavras da meninas, o filho mais bonito e melhorado do Hugh Grant. Pois eu não suportava a criatura. E então me dei conta que me sinto atraída por aquele em quem eu mergulho dentro dos olhos. E eu sei que há grandes possibilidades de isso acontecer se ele tem mãos que me dizem alguma coisa.
Eu já me apaixonei por um cara gordinho, um estrangeiro que falava engraçado e que por quem ninguém dava nada porque tinha feito luta greco-romana quando mais jovem. Mas que tinha um par de olhos azuis, encimado pelas sobrancelhas negras mais gloriosas que eu já vi, que me engolia inteirinha. E as mãos dele acompanhavam os olhos.
Olhos e mãos. Mergulho nos olhos, observo as mãos; não têm um formato específico, uma cor determinada. Têm que me dizer alguma coisa. Têm que me acender de uma certa maneira. Têm que despertar em mim o desejo de vê-los em mim. De senti-los na minha pele. De serem meus, afinal.
quinta-feira, outubro 23, 2008
terça-feira, outubro 21, 2008
E se...
Tem amiga que me pergunta "Mas o que você viu nele?". Eu vi tudo. Eu não apenas vi como ouvi e senti o cheiro de alguém morno, tempestuoso, altivo, risonho, rebelde, fiel, teimoso, sonhador, palhaço, crianção, responsável, sério e triste na alegria mais desenfreada. Assim como eu sou.
Nem me lembro mais como se deu essa entrada triunfal na minha vida, sem tambores nem bandeiras. Foi como naquela piadinha "Meu amor e eu fomos feitos um para o outro; só falta alguém nos apresentar." O encaixe foi perfeito, confidências e desentendimentos idem. Mas eu não acredito em cara-metade, a outra parte da laranja. Se não veio somar, PT Saudacoes. Mas você extrapolou. Transbordou.
Agüentando as crises de três mulheres/duas cadelas/um cachorro. Sabendo bater em retirada quando a coisa fica feia, emudecendo num silêncio ofendido de quem se viu magoado sem razão. Desculpe. É o estresse/a gripe/o excesso de trabalho/a conjunção astral. Vai passar.
Vezes sem conta peguei você me olhando enquanto durmo, mesmo sabendo o quanto eu detesto isso. Contornar suas sobrancelhas, observar o seu perfil de quem já deixou a juventude para trás mas ainda guarda alguma coisinha espalhada entre as rugas nos cantos dos olhos. Entender que eu choro quando vejo móvel bonito feito à mão, assisto "Fantasia" ou penso em quantas vezes eu disse "Te amo" a quem não merecia e silenciei meus sentimentos para tantas pessoas e agora elas se foram e eu não posso mais fazer isso. Você entende por que eu ainda não consigo dizer "Amo você". Mas eu vou conseguir. Prometo.
Você fica sabiamente calado quando eu roubo as suas camisas porque estou me achando gorda - eu ouvi quando você disse "gostosa" mas sorry, eu não acredito. Eu não gosto dos meus pés e não adianta ficar apalpando os dedos. Eu não gosto, ponto final. Mas adoro ser posta sobre a bancada da pia da cozinha e ali cometer crime duplamente qualificado - sexo por motivo fútil e sem chance de defesa.
Você ama meus cabelos, eu adoro as suas mãos. Nós dois gostamos de andar num fim de tarde pela Lagoa, de frio agasalhado, de acordar de madrugada para conversar na cozinha enquanto as meninas dormem, de roubar beijos na escada rolante do shopping. De andar de mãos dadas. De perder-se numa livraria, de procurar ansioso pelo outro na multidão. De passar a tarde longe - cada um com seus amigos - pra sentir saudade depois. De pegar minha mão enquanto você dirige (sim, você vai ser meu eterno motorista porque eu jamais vou aprender a dirigir). De levar a caneca de café na cama, de ficar no escuro ouvindo os trovões explodirem entre as montanhas de granito do Rio de Janeiro.
E a verdade é tão clichê que quase tenho vergonha de dizer que esperei minha vida inteira por você.
Para aquele que, espero, ainda está por vir.
sábado, outubro 18, 2008
...
Estou eu aqui sozinha no apartamento dos meus pais. As meninas estão com o pai. No fone de ouvido, Dinah Washington (tocando exatamente nesse momento "Destination Moon", uma das mais deliciosas músicas que eu jamais ouvi na minha vida). Enfim. Estou sentindo uma profunda vergonha como efeito retardado do que aconteceu de manhã.
As meninas tiveram inúmeras apresentações na escola. Eu ajudei a bolar e fazer os figurinos. Então, estava lá atrás ajudando a maquiar todo mundo. Só que as professoras resolveram inverter a ordem das apresentações e pintar o rosto das crianças logo no início para poupar trabalho depois. E eu, vergonhosamente, dei um piti. Disse que o pancake ia manchar a roupa das crianças, que elas deveriam ter avisado antes etc e tal. Como eu disse, lamentável. Tanto que me enche de vergonha e meus olhos de lágrimas mesmo agora, horas depois.
Por que eu fiz isso? Estresse? Gripe? Cansaço? Todo mundo junto e você também? Não sei. Pedi desculpas às professoras depois, mas até agora me pergunto o que me levou a esse comportamento que eu nunca - NUNCA - tive na minha vida.
E, sabe, estou ficando cansada de ter que me fazer esse tipo de pergunta. E de não conseguir respostas mais convincentes do que os convenientes estresse, gripe e cansaço.
As meninas tiveram inúmeras apresentações na escola. Eu ajudei a bolar e fazer os figurinos. Então, estava lá atrás ajudando a maquiar todo mundo. Só que as professoras resolveram inverter a ordem das apresentações e pintar o rosto das crianças logo no início para poupar trabalho depois. E eu, vergonhosamente, dei um piti. Disse que o pancake ia manchar a roupa das crianças, que elas deveriam ter avisado antes etc e tal. Como eu disse, lamentável. Tanto que me enche de vergonha e meus olhos de lágrimas mesmo agora, horas depois.
Por que eu fiz isso? Estresse? Gripe? Cansaço? Todo mundo junto e você também? Não sei. Pedi desculpas às professoras depois, mas até agora me pergunto o que me levou a esse comportamento que eu nunca - NUNCA - tive na minha vida.
E, sabe, estou ficando cansada de ter que me fazer esse tipo de pergunta. E de não conseguir respostas mais convincentes do que os convenientes estresse, gripe e cansaço.
quinta-feira, outubro 16, 2008
Num só dia
- Bom-dia, sou da firma de cobrança e estou ligando referente a uma dívida de R$ 790 que a senhora mantém no banco C.
- Eu não sou cliente desse banco desde 2005.
- Mas há um saldo devedor.
- Se existisse saldo devedor eu não poderia ter encerrado a conta.
- Bom, então a senhora tem que ligar para o banco.
- Vocês me ligam três vezes ao ano, e três vezes ao ano eu ligo ou vou à agência do banco e eles me dizem que eu não devo nada. Vocês têm que ligar para lá e...
- Não senhora; nós, não. A senhora.
(Reações adversas: atendentes ignorantes de firmas idem provocam cefaléia, ânsias de vômito, alterações bruscas de humor e personalidade e, em casos mais graves, gestos violentos e comportamento hostil).
- Mãe, tô com a garganta ardendo tanto!
- Ô, filha, vai passar. Você tomou o remédio e vai ver que não deve piorar.
- Ai, vou espirrr... ATCHIM - TUM!
(O Ministério da Saúde adverte: se no "AAATT" você joga a cabeça pra trás, cuidado com o rebote pra frente no "TTTCHIM!" - principalmente se sua cabeça estiver só um pouco acima do nível do tampo de mármore da mesa.)
- Corre, filha! O elevador chegou!
- Peraí, mamãe! Eu não posso correr senão estraga a maquetinha que eu fiz da princesa portuguesa! Minha professora disse que amanhã é o último dia pra entregar e eu não vou conseguir fazer outra e por isso não pode amassar nad...
(Perigo: ao entrar no elevador segure com firmeza papéis e objetos pequenos. Eles são propensos a escaparem da sua mão, caírem no vão entre o andar e o elevador e só pararem láááááá no poço, de onde nenhuma alma viva jamais retornou.)
- Eu não sou cliente desse banco desde 2005.
- Mas há um saldo devedor.
- Se existisse saldo devedor eu não poderia ter encerrado a conta.
- Bom, então a senhora tem que ligar para o banco.
- Vocês me ligam três vezes ao ano, e três vezes ao ano eu ligo ou vou à agência do banco e eles me dizem que eu não devo nada. Vocês têm que ligar para lá e...
- Não senhora; nós, não. A senhora.
(Reações adversas: atendentes ignorantes de firmas idem provocam cefaléia, ânsias de vômito, alterações bruscas de humor e personalidade e, em casos mais graves, gestos violentos e comportamento hostil).
- Mãe, tô com a garganta ardendo tanto!
- Ô, filha, vai passar. Você tomou o remédio e vai ver que não deve piorar.
- Ai, vou espirrr... ATCHIM - TUM!
(O Ministério da Saúde adverte: se no "AAATT" você joga a cabeça pra trás, cuidado com o rebote pra frente no "TTTCHIM!" - principalmente se sua cabeça estiver só um pouco acima do nível do tampo de mármore da mesa.)
- Corre, filha! O elevador chegou!
- Peraí, mamãe! Eu não posso correr senão estraga a maquetinha que eu fiz da princesa portuguesa! Minha professora disse que amanhã é o último dia pra entregar e eu não vou conseguir fazer outra e por isso não pode amassar nad...
(Perigo: ao entrar no elevador segure com firmeza papéis e objetos pequenos. Eles são propensos a escaparem da sua mão, caírem no vão entre o andar e o elevador e só pararem láááááá no poço, de onde nenhuma alma viva jamais retornou.)
Cara de tacho
- Filha, se você não gostou põe no cantinho do prato.
- *suspiro* Mãe, o prato é redondo. Como vai ter cantinho num prato redondo?
- *suspiro* Mãe, o prato é redondo. Como vai ter cantinho num prato redondo?
terça-feira, outubro 14, 2008
This is not an option
- O que ela tem?
- Dor de garganta. A pediatra mandou passar aquele spray. Ela já tá melhor.
- Faz um gargarejo com sal.
- Nem pensar.
- Você sempre ficava boa com isso, quando era pequena.
- Ela não sabe gargarejar. Vai engolir a metade da água com sal. Aí vai ficar com dor de barriga e vomitar. E, sabe, infelizmente não rola ficar doente no meio da semana. Não nessa casa. Não no meu turno. Não se eu puder evitar.
Bem-vindo ao meu mundo.
- Dor de garganta. A pediatra mandou passar aquele spray. Ela já tá melhor.
- Faz um gargarejo com sal.
- Nem pensar.
- Você sempre ficava boa com isso, quando era pequena.
- Ela não sabe gargarejar. Vai engolir a metade da água com sal. Aí vai ficar com dor de barriga e vomitar. E, sabe, infelizmente não rola ficar doente no meio da semana. Não nessa casa. Não no meu turno. Não se eu puder evitar.
Bem-vindo ao meu mundo.
segunda-feira, outubro 06, 2008
Ajuda aí
Gentem, estou concorrendo (pela primeira vez na vida) a uma promoção. Escrevi uma frase falando sobre o que uma criança pode nos ensinar lá no blog da Patrícia, o Vida sem Manual. Então, é só escolher a minha frase (a de número 6) pra Zé Colméia e a Catatau ganharem os mimos que a Patrícia fez.
Ajudaí, vai.
Plizi.
Ajudaí, vai.
Plizi.
quarta-feira, outubro 01, 2008
O que eu já soube de cor
Carmina Burana - Cantiones profanae cantoribus et choris cantandae comitantibus instrumentis atque imaginibus magicis (Canções seculares para cantores e coro para serem recitadas em conjunto com instrumentos e imagens mágicas)
E me lembro que, sempre que cantava rota tu volubilis mandava um volAbilis. E minha professora de canto jogava em cima de mim o que estivesse à mão: a partitura, uma almofada. Uma vez ela quase mandou um dos zilhões de filhotes de gato que subiam no colo dela durante a aula. Quase.
O Fortuna (Chorus) O Fortune
Fortune plango vulnera
O Fortuna Ó Fortuna,
velut luna És como a Lua
statu variabilis, Mutável,
semper crescis Sempre aumentas
aut decrescis; Ou diminuis;
vita detestabilis A detestável vida
nunc obdurat Ora oprime
et tunc curat E ora cura
ludo mentis aciem Para brincar com a mente
egestatem, Miséria
potestatem Poder
dissolvit ut glaciem. Ela os dissolve como gelo.
Sors immanis Sorte imensa
et inanis, e vazia
rota tu volubilis, Tu, roda volúvel
status malus, é má
vana salus Vã é a felicidade
semper dissolubilis, sempre dissolúvel
obumbrata nebulosa
et velata e velada.
michi quoque niteris; Também a mim contagias;
nunc per ludum Agora por brincadeira
dorsum nudum O dorso nu
fero tui sceleris. entrego à tua perversidade.
Sors salutis A sorte na saúde
et virtutis e virtude
michi nunc contraria, agora me é contrária
est affectus e Dá
et defectus e tira
semper in angaria. Mantendo sempre escravizado
Hac in hora esta hora
sine mora sem demora
corde pulsum tangite; Tange a corda vibrante;
quod per sortem porque a sorte
sternit fortem, abate o forte,
mecum omnes plangite! Chorai todos comigo!
Fortune plango vulnera Lamento as feridas da Fortuna
stillantibus ocellis pranto em meus olhos,
quod sua michi munera para os dons que ela me deu
subtrahit rebellis. perversamente ela tira.
Verum est, quod legitur, Em verdade está escrito
fronte capillata, que ela tem cabelos na fronte,
sed plerumque sequitur mas, quando deixarmos que ela passe
Occasio calvata. sua nuca é calva.
In Fortune solio No trono da Fortuna
sederam elatus, Costumava sentar-me,
prosperitatis vario muitas e coloridas da prosperidade;
flore coronatus; com flores fui coroado
quicquid enim florui embora possa ter prosperado
felix et beatus, feliz e abençoado
nunc a summo corrui, agora caio do alto
gloria privatus. privado de glória.
Fortune rota volvitur: A roda da fortuna gira:
descendo minoratus; Eu desço, arrasado
alter in altum tollitur; enquanto outro é elevado;
nimis exaltatus ; e bem lá no alto
rex sedet in vertice senta-se o rei no topo
caveat ruinam! Deixe que o medo o derrube!
nam sub axe legimus Escrito abaixo do eixo da roda
Hecubam reginam. Rainha Hécuba.
terça-feira, setembro 30, 2008
Eu nunca...
Fui dama de honra.
Fui madrinha de casamento.
Comemorei aniversário de casamento.
Ganhei uma jóia.
Recebi flores no meu aniversário.
Fui à Disney.
Tive patins.
Fiz luzes no cabelo.
Fumei maconha.
Transei sem vontade (ou fingi orgasmo)
Comi ostras.
Vi uma tulipa ao vivo e a cores.
Vi um filme do Glauber.
Vi neve ao vivo e a cores
Nunca mais fui beijada de novo.
segunda-feira, setembro 29, 2008
O bandido da Lamborghini Vermelha
[...] A filha que já morava [nos Estados Unidos] trouxe Dona Dolores dos cafundós de El Salvador - onde ela sequer ouvira falar da existência de cinema, quanto mais de televisão - para Chappacqua, uma cidadezinha próxima a Nova York. Dona Dolores não sabia ler nem falar inglês. Ainda assim, a filha lhe arranjou uns trabalhos de faxineira (US$ 10 a hora, se lhe interessa saber) e a levava e apanhava na casa dos patrões, todos morando em meio a bosques, isolados dos longínquos vizinhos. Foi na propriedade de um deles onde tudo se passou. Tendo que ir a Manhattan de uma hora para outra e ignorando que sua faxineira não sabia ler, Mrs. Bryant mostrou a Dona Dolores uma alarmante notícia no jornal local. Um velhaco bem apessoado, alegando urgência em usar o telefone, já assaltara três casas na região, depois de dominar e matar suas vítimas.
- No abrir puerta - Mrs. Bryant explicou em seu espanhol de high school - y no también telephone.
Menos de meia hora após a partida de Mrs. Bryant, Dona Dolores ouviu um barulho de automóvel no pátio da frente. Chegando à janela, viu um homem grisalho, com ar distinto, saltando de um carro esporte vermelho e encaminhando-se para a porta. Soou a campanhia. De dentro, ela avisou: No speak English! O distinto homem grisalho chegou à janela. Ela reparou que ele era não apenas extremamente bonito como tinha olhos excepcionalmente azuis e um sorriso cativante. Dirigindo-se a ela num espanhol razoável, explicou que estava com problemas no carro e necessitava telefonar para que o rebocassem. Dona Dolores lembrou-se da recomendação, mas aquele homem encantador e bem educado era, evidentemente, un gran señor. Em tênue concessão à prudência, disse-lhe que desse a volta e usasse o telefone da cozinha.
Enquanto ele dava a volta na casa, Dona Dolores correu até lá, destrancou a porta que dava para fora e, em seguida, trancou a porta de vidro que ligava a cozinha ao resto da casa - numa segunda concessão à prudência, mas que temeu parecer grosseira - e ficou observando enquanto ele discava e falava. Foi então que seus olhos bateram no jornal, aberto em cima do sofá. E ela viu a foto. Era o homem que estava na cozinha! O mesmo belo rosto viril, os mesmos cabelos grisalhos, o mesmo sorriso cativante, os mesmos olhos claros. Aquele gran señor era justamente, segundo ela entendera, o perigoso assassino de donas-de-casa e faxineiras de Chappacqua.
Gritar por socorro seria inútil, pois os vizinhos não ouviriam. Chamar a polícia, mesmo que o telefone estivesse desocupado, tarde demais. Apavorada, pensou em fugir para a estrada. Mas lembrou-se que o roubo seria responsabilidade sua, talvez até a vissem como cúmplice. Iria desgraçar a vida de sua filha, seu genro, as três netas. Resolveu: quem já atravessou tanto tiroteio no país natal é capaz de enfrentar um bandido ianque.
Após uma breve prece à Virgen del Pilar, entrou na cozinha fazendo ar distraído. Pegando um facão dentro da gaveta, gritou Ayúdame, Diós! e avançou para o homem. Surpreendido e apavorado com aquele ataque súbito, ele deixou cair o telefone e tentou balbuciar alguma coisa enquanto, com o facão espetando sua barriga, viu-se empurrado pela brava salvadorenha até um armário de pouco mais de um metro de altura, para dentro do qual ela o jogou e, em seguida, o trancou. Enquanto ele gritava em seu interior, Dona Dolores empilhou outros móveis, panelas e objetos diversos contra a porta. Só quando teve certeza de que não escaparia é que ligou para sua filha. Esta chamou a polícia. A polícia, Mrs. Bryant, a filha de Dona Dolores e o mecânico da Lamborghini vermelha de Paul Newman chegaram todos ao mesmo tempo. Ainda lívido, o ator foi retirado do armário enquanto Dona Dolores mostrava sua foto - anunciando os horários de "Mr. and Mrs. Bridge" no cinema local. Por mais que Mrs. Bryant insistisse, ele se recusou a autografá-la.
Edney Silvestre
Caderno ELA - O Globo, 1990.
- No abrir puerta - Mrs. Bryant explicou em seu espanhol de high school - y no también telephone.
Menos de meia hora após a partida de Mrs. Bryant, Dona Dolores ouviu um barulho de automóvel no pátio da frente. Chegando à janela, viu um homem grisalho, com ar distinto, saltando de um carro esporte vermelho e encaminhando-se para a porta. Soou a campanhia. De dentro, ela avisou: No speak English! O distinto homem grisalho chegou à janela. Ela reparou que ele era não apenas extremamente bonito como tinha olhos excepcionalmente azuis e um sorriso cativante. Dirigindo-se a ela num espanhol razoável, explicou que estava com problemas no carro e necessitava telefonar para que o rebocassem. Dona Dolores lembrou-se da recomendação, mas aquele homem encantador e bem educado era, evidentemente, un gran señor. Em tênue concessão à prudência, disse-lhe que desse a volta e usasse o telefone da cozinha.
Enquanto ele dava a volta na casa, Dona Dolores correu até lá, destrancou a porta que dava para fora e, em seguida, trancou a porta de vidro que ligava a cozinha ao resto da casa - numa segunda concessão à prudência, mas que temeu parecer grosseira - e ficou observando enquanto ele discava e falava. Foi então que seus olhos bateram no jornal, aberto em cima do sofá. E ela viu a foto. Era o homem que estava na cozinha! O mesmo belo rosto viril, os mesmos cabelos grisalhos, o mesmo sorriso cativante, os mesmos olhos claros. Aquele gran señor era justamente, segundo ela entendera, o perigoso assassino de donas-de-casa e faxineiras de Chappacqua.
Gritar por socorro seria inútil, pois os vizinhos não ouviriam. Chamar a polícia, mesmo que o telefone estivesse desocupado, tarde demais. Apavorada, pensou em fugir para a estrada. Mas lembrou-se que o roubo seria responsabilidade sua, talvez até a vissem como cúmplice. Iria desgraçar a vida de sua filha, seu genro, as três netas. Resolveu: quem já atravessou tanto tiroteio no país natal é capaz de enfrentar um bandido ianque.
Após uma breve prece à Virgen del Pilar, entrou na cozinha fazendo ar distraído. Pegando um facão dentro da gaveta, gritou Ayúdame, Diós! e avançou para o homem. Surpreendido e apavorado com aquele ataque súbito, ele deixou cair o telefone e tentou balbuciar alguma coisa enquanto, com o facão espetando sua barriga, viu-se empurrado pela brava salvadorenha até um armário de pouco mais de um metro de altura, para dentro do qual ela o jogou e, em seguida, o trancou. Enquanto ele gritava em seu interior, Dona Dolores empilhou outros móveis, panelas e objetos diversos contra a porta. Só quando teve certeza de que não escaparia é que ligou para sua filha. Esta chamou a polícia. A polícia, Mrs. Bryant, a filha de Dona Dolores e o mecânico da Lamborghini vermelha de Paul Newman chegaram todos ao mesmo tempo. Ainda lívido, o ator foi retirado do armário enquanto Dona Dolores mostrava sua foto - anunciando os horários de "Mr. and Mrs. Bridge" no cinema local. Por mais que Mrs. Bryant insistisse, ele se recusou a autografá-la.
Edney Silvestre
Caderno ELA - O Globo, 1990.
sexta-feira, setembro 26, 2008
...
Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho. Trovão é só barulho.
Ai...!
Ai...!
quarta-feira, setembro 24, 2008
Coisas boas da vida
- AAAAAHHHHH! Como assim ele é uma GAROTA?
O prazer de ler um livro muito legal; ser completamente surpreendida; devorar todas as páginas e salivar pelo próximo volume.
E ainda ganhar dinheiro por isso.
O prazer de ler um livro muito legal; ser completamente surpreendida; devorar todas as páginas e salivar pelo próximo volume.
E ainda ganhar dinheiro por isso.
terça-feira, setembro 23, 2008
Priscas eras
Seção de cartas
Senhor diretor: surpreendida com declarações atribuídas a mim e publicadas no nº 140 de VEJA (12/5/1971), afirmo: não dei nenhuma entrevista a nenhum repórter sobre o assunto focalizado na nota intitulada "Mera coincidência", nem fui solicitada a fazê-lo.
Janete Clair, autora de telenovela
O repórter que não fez a entrevista com Janete Clair não trabalha mais para VEJA.
Revista Veja, edição especial 30 anos. O leitor era feliz e não sabia.
Senhor diretor: surpreendida com declarações atribuídas a mim e publicadas no nº 140 de VEJA (12/5/1971), afirmo: não dei nenhuma entrevista a nenhum repórter sobre o assunto focalizado na nota intitulada "Mera coincidência", nem fui solicitada a fazê-lo.
Janete Clair, autora de telenovela
O repórter que não fez a entrevista com Janete Clair não trabalha mais para VEJA.
Revista Veja, edição especial 30 anos. O leitor era feliz e não sabia.
Desisti
sábado, setembro 20, 2008
The Ink Tank
... e, já que você vai lá, dê uma passadinha na ronda diária que eles fazem pelos jornais à procura das melhores charges.
New stories in photographs
Relatives, following Muslim tradition, wash the body of Michu Mohamed, a four year old girl who died of malnutrition near Sheshemene, southern Ethiopia, June 8, 2008. (REUTERS/Radu Sigheti)
Germany's Marc Schuh pushes to start off in the Men's 400m T54 (spinal cord disability) competition for the Beijing 2008 Paralympic Games held in Beijing, China, Monday, Sep. 8, 2008. (AP Photo/Ng Han Guan)
The hands of an Iraqi woman reaches for the sides of a truck in an effort to make herself noticed as Iraqi Army 42nd Brigade, 11th Division Soldiers distribute food, water, and medical supplies, in Sadr City, Baghdad, Iraq, on May 8, 2008, during Operation Iraqi Freedom. (U.S. Air Force photo by Tech. Sgt. Cohen A. Young)
A single home is left standing among debris from Hurricane Ike September 14, 2008 in Gilchrist, Texas. Floodwaters from Hurricane Ike were reportedly as high as eight feet in some areas causing widespread damage across the coast of Texas. (David J. Phillip-Pool/Getty Images)
Imagens do site do jornal The Boston Globe. A seção chama-se "The Big Pictures". Clique nas imagens para ampliar.
Bonito, uai
"Suas instalações rechaçam a convenção da obra de arte como objeto transportável de existência virtualmente infinita. A recusa em conformar coisas móveis e perenes, levada a um limite, gera configurações com fisicalidade suficiente para alcançar intenções e desejos. Se evitam objetalidades ostensivas, também não almejam o imaterial; desviam-se de carências e transbordamentos. Pouco ou muito, dependem das exigências intrínsecas a cada intervenção."
Jogue o dicionário no chão. Escolha a sétima palavra da página à esquerda, contando de baixo para cima. Repita isso uma centena de vezes. Então: é crítica de arte.
Jogue o dicionário no chão. Escolha a sétima palavra da página à esquerda, contando de baixo para cima. Repita isso uma centena de vezes. Então: é crítica de arte.
Uróboro
Há um certo masoquismo em entrar nos sites das editoras estrangeiras. Sinto-me como deve se sentir um astrônomo que faz aquela conta do Carl Sagan e descobre que há bilhões e bilhões de estrelas e planetas por descobrir - e ele não vai viver o bastante para ver nem um zilionésimo dessa conta.
Aproveito a hora do almoço para fuçar bibliotecas estrangeiras, editoras, livrarias especializadas. E lamento o quanto eu deixarei de ler depois de morrer e reencarnar mil vezes. Conheço pouco da literatura árabe contemporânea. A literatura que se faz na Coréia, na Índia, na Iugoslávia. Na Indonésia, na Islândia, na Rússia. Literatura adulta, bem entendido. E a infantil? O que enche os olhos das crianças africanas, australianas, paquistanesas? Chinesas, venezuelanas, dinamarquesas?
Todos aqueles livros absurdamente maravilhosos que jamais ganharão uma tradução em português. Histórias que poderiam paralisar a alma, suspender o fôlego, trazer a avalanche de volta ou soterrá-la definitivamente. Isso me dá uma tristeza tão grande...
sexta-feira, setembro 19, 2008
Enchanted Prince
Segunda-feira
- Olha, arranjei ingressos para levar as meninas naquele Disney on Ice no Maracanãzinho. Mas é às sete da noite, então as meninas têm que estar prontas às seis.
- Elas jantam às seis na escola e...
- É im-pres-si-o-nan-te como você empata todo evento bacana que eu arranjo para as meninas!
- Não disse que elas não vão. Você não me deixou terminar. Disse que elas jantam às seis, e que eu vou pedir que elas comam mais cedo. Seis horas é impossível, mas garanto seis e dez no portão.
Terça-feira
- Você avisou na escola?
- Ainda não. Tá cedo ainda. Ninguém vai lembrar, na sexta, de um aviso escrito na agenda na segunda.
- Não pode atrasar! O show começa às sete!
Quarta-feira
- As meninas sabem que depois de amanhã vão ter que correr pra fazer as coisas na escola?
- Sim, elas sabem. Já comentei com as professoras da tarde que elas vão ter que estar no portão da escola às seis e dez. E que você não vai poder esperar.
- Pois é, não mesmo. O show começa às sete!
- Você já disse isso.
- Você é a atrasilda. Sempre foi.
- Não vou discutir. Nem vou estar na escola!
Quinta-feira
- As meninas me disseram que têm aula de GRD amanhã, às quatro! Não é melhor elas faltarem?
- Elas fazem parte da equipe oficial da escola, e têm uma apresentação importante na semana que vem. Não vou ensinar a elas a se comprometerem e, quando tem algo mais legal, elas pularem fora. Dá tempo.
- O show é às sete! Elas não podem atrasar!
- Elas não vão atrasar.
- É, porque você foi sempre atrasild...
- Já sei, sempre fui atrasilda. Ok.
Sexta-feira
10h
- Mandou o aviso na agenda?
- Mandei.
- Porque o show começa às sete!
- Você já disse isso. Várias vezes.
- É, porque você sempre foi atrasilda!
- "É, porque você sempre foi atrasilda!"
14h
- Como estão as coisas?
- Na boa, chega. Elas vão estar no portão às seis e dez.
- Nossa, que grossa! É só porque eu tenho que pegar os ingressos na bilheteria e o show...
- ... começa às sete. Você já disse isso.
- Mau humor, é?
17h40m
- Onde você está?
- Na rua, num bureau de impressão.
- Sabe o que é, eu calculei mal o tempo e achei que seria mais inteligente eu pegar os ingressos aqui no Maracanãzinho e depois voltar para o Flamengo e pegar as meninas e depois voltar para cá, mas acho que não vai dar. Você pode trazer as meninas?
- Estou na rua com R$ 10 e as chaves de casa penduradas no pescoço. Vou ter que esperar o cara imprimir e finalizar o meu trabalho, voltar para casa, pegar minhas coisas, tirar dinheiro, passar na escola das meninas, pegar todas as tralhas delas - incluindo roupa suja e duas toalhas molhadas - e só depois ir praí.
- Ah, moleza. Claro que dá tempo.
- Por que você não ligou antes?
- Olha, se você não quer fazer, tudo bem. Eu dou um jeito.
E eu fui. E conseguimos chegar às 18h40m. Agora me diz: essa desorganização marrenta vem digrátis no cromossomo Y ou é um trauma psicológico provocado pelo divórcio?
quarta-feira, setembro 10, 2008
Fotógrafos VII - Nigel Parry
Um degrau por dia
Nos longos períodos sozinha em casa,
passavas café, logo tu
que não gostavas de café.
O cheiro de café
diminuía tua solidão.
[...]
Arredondo os preços por baixo,
para não causar atrito
e inveja.
Me vendi por menos,
me comprei por mais.
[...]
Penso ter vivido o que escrevi
e deixo de viver porque está escrito.
Minha letra não torna meu
aquilo que anotei.
Fabrício Carpinejar
Separar-se é um dos atos mais complicados da vida. Envolve coragem e covardia, egoísmo e despreendimento, amor e ódio, fracasso e sucesso; mas, acima de tudo, a certeza de que nascemos e morremos sozinhos. A estrada é nossa, e ninguém pode caminhar por ela a não ser nós mesmos.
Para você, cujos olhos já encarei; para você, a quem abracei virtualmente; e para você, que começou agorinha a conquistar minha afeição: tudo passa. Então, isso também vai passar.
quinta-feira, setembro 04, 2008
TPM mode on
- Rá! Até parece que ele vai desistir assim... Ele é durão, cara. Aí, viu? Como assim "Você não pode desembarcar"? Sabe com quem tá falando? Sabe quem ele é? Até parece que ele não vai fazer o que quiser. Viu? Não disse?
[...]
- Senhorita, pára de fazer doce. Você quer, não quer? Então! Ele vai te beijar de qualquer maneira - "Resistir é inútil", já diziam os borgs. Olhaí. Agarrou à força. Agora se livra dessa cara de coitada!
[...]
- Ui, essa doeu. Vai, vai, VAI! Não larga! Olhaí atrás de você! Olha! Olh...ui! Eu não DISSE pra olhar? Carácoles, que cara BURRO! Por que não escolheram outro pra ficar junto dele?
Assistindo John Wayne e passando roupa às 3h10m. E falando sozinha. Falando, não; discutindo. Quase indo às vias de fato. Realmente, estou precisando trep... arranjar companhia.
[...]
- Senhorita, pára de fazer doce. Você quer, não quer? Então! Ele vai te beijar de qualquer maneira - "Resistir é inútil", já diziam os borgs. Olhaí. Agarrou à força. Agora se livra dessa cara de coitada!
[...]
- Ui, essa doeu. Vai, vai, VAI! Não larga! Olhaí atrás de você! Olha! Olh...ui! Eu não DISSE pra olhar? Carácoles, que cara BURRO! Por que não escolheram outro pra ficar junto dele?
Assistindo John Wayne e passando roupa às 3h10m. E falando sozinha. Falando, não; discutindo. Quase indo às vias de fato. Realmente, estou precisando trep... arranjar companhia.
Plizi
Riquezas do meu coração: eu só tô no Orkut, viu? Então não adianta me mandar convite para hi5, Shelfari, radiusIM & outras bossas. Não tenho tempo nem saco pra essas coisas. Quer que eu fique juntinha com você? Me manda e-mail. Looooongos e-mails. Eu adoro ler loooooongos e-mails.
Mesmo que não tenha tempo de responder, eu adoro. Faz aí minha vontade, vai.
Tô carente.
Mesmo que não tenha tempo de responder, eu adoro. Faz aí minha vontade, vai.
Tô carente.
quarta-feira, setembro 03, 2008
Com benefícios
Ela começou a panfletagem faz uma semana. Primeiro, anotou no seu caderninho de Princesas a plataforma (e os gostos) da candidata. Fez uma lista prévia baseada no que apurou entre os amiguinhos - principalmente se estes são receptivos à proposta. Por fim, enxugou a prévia e chegou à lista final.
Agora - segundo ela - tenho que ir pro corpo-a-corpo (tarefa em que ela está arduamente trabalhando como facilitadora) e começar a marcar encontros com os pais divorciados da lista de possíveis futuros namorados que Catatau fez pra mim.
Algo nessa história está errado. Eu ainda não sei bem... o quê.
terça-feira, setembro 02, 2008
"What do you think you are, gangsters?"
The rock star
The painting
The Russian deal
Meet the wild bunch
Guy Ritchie. He's the guy.
Tá lá no IMDB: está em fase de pré-produção "Sherlock Holmes". O diretor será Guy Ritchie. Robert Downey Jr. viverá Sherlock Holmes.
Me segura que eu tô tendo um treco.
sexta-feira, agosto 29, 2008
quinta-feira, agosto 28, 2008
Déjà vu
Morar junto não é morar na mesma casa. Casar não é trocar alianças, assinar na linha pontinhada um papel igualzinho para 20 casais apertados na sala do cartório. Ter filhos não é procriar. Ser marido e mulher não é só figura jurídica. Dizer "desculpe" não deve ser ato falho. Dizer todo dia "Eu te amo" não pode ser uma maneira de você, repetindo a frase sem parar, acreditar naquilo que não é mais verdade.
Desfiz um casamento de quase dez anos. Ele foi um namorado maravilhoso, um péssimo marido. Dez anos de uma solidão profunda, em que a pior conseqüência foi que eu esqueci como se ri. Esqueci como achar graça na vida, como dar uma gargalhada quando tudo está a caminho do cemitério, o carro fúnebre esperando, todo mundo de preto e o padre fazendo cara feia porque a missa vai atrasar. E eu não me decido se pérolas combinam ou se batatas fritas acompanham.
Lembrei dos bilhetes apaixonados que eu costumava, teimosamente, espalhar pela casa, pelos bolsos das camisas, pela mochila, pela cama. Das festas de aniversário preparadas de surpresa, dos presentes sem motivo algum. Das comidas diferentes, das camisetas com os desenhos das crianças no Dia dos Pais. Dos partos solitários, dos beijos roubados que - esperança boba, a minha - nunca me foram devolvidos.
A vida economizando, a casa bonita que ficou guardada nas caixas de mudança e que dali jamais saíram. Aniversários de casamento como outro dia qualquer.
Eu sinto falta somente de uma pessoa que me faça rir. Não precisa chamar meu corpo no meio da noite, não precisa levar minhas compras, acariciar meus cabelos, me ligar no meio do dia pra perguntar “Tá viva?”, fechar meus olhos para a dor ou me deixar ficar com o controle remoto.
Eu preciso voltar a rir da vida. E é urgente.
Pra ontem.
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