sábado, dezembro 20, 2008

Quase ao fim



Em novembro, um deslizamento de terra matou um dos cachorros dos meus pais. Então, meu pai chamou a Prefeitura que foi lá, cutucou bem tudinho e disse que estava tudo ok. Não estava. Uma obra clandestina do único vizinho dos meus pais num raio de quilômetros desviou um curso d'água para a direção de uma imensa rocha. Nas chuvas que se seguiram, o terreno já fofo afundou de vez e a pedra rolou encosta abaixo. Meus pais não estavam em casa. A pedra bateu à porta da cozinha e levou metade da casa - só parou no ribeirão que dá as boas-vindas a quem chega ao sítio.

E então eu fiquei subindo e descendo a serra. Por quase dois meses. Larguei minha casa, meu trabalho e minhas filhas para ver meu pai completamente aturdido revirando, com a ponta da bengala, os restos enlameados de seu álbum de casamento. Seus documentos, diplomas, certificados. As fotos da infância dos seus filhos e netos. As fotos de infância de seus pais. Seus preciosos livros já sem as letras nas páginas amolecidas pela chuva.

Eu ouvi meu pai chorar por dentro. Um choro quente, desesperado, cheio de porquês. Minha mãe não esboçou nenhuma reação. Apagou-se como uma vela já no fim e só acordou no hospital, o rosto muito pálido refletindo o que fazer para recuperar o que foi perdido - em alguns casos, para sempre.

Com somente a roupa do corpo e nada mais, no meio daquele frio todo, meu pai olhou no fundo dos meus olhos e murmurou: "Que bom que você não estava aqui com as meninas. Que bom que nós não estávamos aqui. Que bom que você está aqui agora." Naquele momento, ganhei o único presente de Natal que esperei a minha vida inteira para receber: o amor do meu pai.

Que todos vocês ganhem, nesse fim de ano, o que mais almejaram a vida inteira - em tamanho, em intensidade, em eternidade.

Beijos meus e das meninas. Não sumam.

9 comentários:

Patricia Daltro disse...

Suzana, obrigada por, mesmo nesse momento tão difícil que você e sua família estão passando, desejar a nós todos esses votos tão bonitos.

Que Deus ilumine a todos ai, não só nesse natal, mas todos os dias das suas vidas, dando-lhes força, amor, companheirismo e felicidades.

E saiba, que mesmo em silêncio, creio que falo por todos que te lêem, estamos sempre por aqui.

beijos,

Anônimo disse...

Ganhaste o presente mais bonito que alguém poderia receber> Linda tua mensagem!!!
Que as coisas boas deste Natal perdurem todo o 2009!

Ana Cecília Moura disse...

Sabe, ultimamente venho repensando a vida e um montão de conceitos, eliminando pessoas com prazo de validade vencido, limpando as arestas das convicções. E cada vez menos acredito em esperança, em sorte, até em Deus. Claro que o preço a pagar é alto à beça...
A tristeza que senti ao ler seu texto é tão grande. Guardadas as devidas proporções, já passei por uma enchente que me levou quase tudo. O que mais me faz falta são, exatamente, as fotografias.
Infelizmente, não poderia dizer ou expressar nada para amenizar o sofrimento de seus pais, o seu. Poderia tentar com uma frase sua, que há época, ajudou-me taaaanto: o tempo cura tudo, a dor passa...
Feliz Natal, querida amiga. Se não puder ser perfeito, que seja alegre, como as manhãs em que nos aninhamos às nossas criaturinhas e delas extraímos o cheiro morno dos cabelos...

Manu disse...

Suzana,
Lendo seu texto, voltou-me o pensamento que sempre me vem quando lembro de todas as pessoas que passam por momentos difíceis com estas enchentes e deslizamentos. Já me envergonhei deste pensamento, porque tantos perderam tudo, alguns perderam entes queridos, mas não posso evitar de sempre lamentar a perda das fotografias, das cartas de amor ou de amizade, enfim, das pequenas coisas que fazem nossa história e que nos são tão caras, tão preciosas. Como disse a Ana Cecília, que o tempo possa amenizar a sua dor e de sua família, querida. Um Feliz Natal para vocês e, em 2009, muito queijo para você e bolo de chocolate para as meninas (com cobertura!) e tudo mais que vocês desejarem!
Beijos.

Cristine Martin disse...

Olá Suzana,

Seu pai tem razão, o que ele tem de mais precioso não foi perdido com o acidente. Sinto muito pela perda material e pelo baque que isso causa, mas fico feliz por você ter recebido esse presente tão lindo.

Desejo de coração que o ano novo traga muitas alegrias para você, seus pais e as meninas. Os problemas materiais vão e vêm, mas o que permanece é mesmo o amor.

Um grande abraço(e não vou sumir não),

Cristine

Suzana Elvas disse...

Oi, amigos;

Alguém me mandou uma mensagem que eu deletei, sem querer (estava na caixa de spams). Pode por favor me mandar novamente?
Bjs, sorry e obrigada :o)

Anônimo disse...

Olá, Susana - acabei de ler seu texto (tão bem escrito...) com os olhos cheios de lágrimas... E pensei que nas situações mais dificeis a gente sempre encontra um alento, um pouco de amor.
Que lindos seus pais. Como eles estão agora?
Desejo o melhor pra vocês esse ano, querida, e nem te conheço...
Mas a internet é o laço que nos une.
Beijo

vivianne pontes disse...

Caramba, eu não fazia ideia disso. Força menina. Beijo.

Anônimo disse...

Que linda que vc é!
Marejou meus olhos, esse seu post.

Vim aqui, por acaso, através de um link do blog da Lola.

Nao saio nunca mais daqui.
Nunca mais.