sexta-feira, novembro 28, 2008

Noite



Homem: Estou falando daquela vez no rio.

Mulher: Que vez?

Homem: A primeira vez. Na ponte. O começo, na ponte.

Mulher: Não consigo me lembrar.

Homem: Na ponte. Paramos e olhamos o rio. Era noite. Havia luzes na margem. Estávamos sozinhos. Eu pus minha mão na tua cintura. Você se lembra? Pus minha mão por baixo de teu casaco.

Mulher: Era inverno?

Homem: Claro que era inverno. Foi quando nos encontramos. Foi nosso primeiro passeio. Deste passeio você se lembra.

Mulher: Eu me lembro do passeio. Eu me lembro do passeio com você.

Homem: A primeira vez? Nosso primeiro passeio?

Mulher: Sim, é claro. Eu me lembro dele. (pausa) Caminhamos pelo campo. Atravessamos algumas cercas, chegamos num canto e paramos junto a uma cerca.

Homem: Não. Foi na ponte que nós paramos.

(pausa)

Mulher: Então foi outra pessoa.

Homem: Que besteira.

Mulher: Foi outra mulher.

Homem: Faz muito tempo. Você se esqueceu. (pausa) Eu me lembro da luz sobre a água.

Mulher: Você estava junto à cerca e segurou meu rosto com suas mãos. Você foi muito gentil. Muito atencioso. Você me acariciou. Seus olhos procuraram meu rosto. Eu queria saber quem era você. Queria saber o que você ia fazer.

Homem: Foi numa festa que nos encontramos. Você não concorda com isto?

Mulher: O que foi isso?

Homem: Isso o que?

Mulher: Pensei ter ouvido uma criança chorando.

Homem: Não há barulho nenhum.

Mulher: Pensei ter ouvido uma criança chorando, acordando.

Homem: A casa está em silêncio. (pausa) É muito tarde. Ainda estamos sentados aqui. Já devíamos estar na cama. Tenho que acordar cedo amanhã. Tenho muitas coisas para fazer. Por que você quer discutir?

Mulher: Eu não quero discutir. Não estou discutindo. Eu quero é ir para a cama. Também tenho muito a fazer. Tenho que acordar cedo amanhã.

(pausa)

Homem: A festa foi na casa de John. Você o conhecia. Eu, só de vista. Conhecia mesmo era a mulher dele. Foi lá que encontrei você. Você estava em pé, junto à janela. Eu sorri e, para minha surpresa, você também sorriu para mim. Gostou de mim. Fiquei admirado. Você me achou atraente. Mais tarde me disse isto. Você gostou dos meus olhos.

Mulher: E você gostou dos meus. (pausa) Pegou minha mão. Perguntou quem eu era e o que fazia. E se eu percebia que você estava segurando minha mão, que seus dedos estavam apertando os meus, que seus dedos estavam entre os meus.

Homem: Não. A gente parou na ponte. Eu estava atrás de você. E pus minha mão por baixo do seu casaco. Na sua cintura. Você sentiu minha mão em você.

(pausa)

Mulher: Nós tinhamos estado numa festa. Na casa de John. Você já conhecia a mulher dele. Ela te olhou com muito interesse. Dando a entender que o queria. Ela parecia gostar muito de você. Eu não o conhecia. Nunca havia visto você. A casa deles era maravilhosa. Na margem do rio. Fui apanhar meu casaco e você ficou me esperando. Você se ofereceu para me acompanhar. Achei muito simpático, muito gentil, muito educado, muito atencioso. Pus meu casaco e olhei pela janela, eu sabia que você estava me esperando. Olhei do jardim até o rio e vi as luzes sobre a água. Então fui até você e passeamos pelo campo, atravessamos algumas cercas. Devia ser uma espécie de parque. Depois pegamos o seu carro. E demos algumas voltas.

(pausa)

Homem: Eu toquei teus seios.

Mulher: Onde?

Homem: Na ponte. Eu segurei teus seios.

Mulher: Tem certeza?

Homem: Eu estava atrás de você.

Mulher: Fiquei me perguntando se você ia fazer isso, se você queria mesmo, se você ia fazer.

Homem: Sim.

Mulher: Fiquei me perguntando como você ia fazer isto, se tinha vontade suficiente.

Homem: Pus minha mão por debaixo da tua blusa. Soltei teu sutiã. E apertei teus seios.

Mulher: Talvez uma outra noite. Ou uma outra mulher.

Homem: Você não se lembra de meus dedos no teu corpo?

Mulher: Eles estavam nas tuas mãos? Meus seios? Nas tuas mãos?

Homem: Você não se lembra das minhas mãos no teu corpo?

(pausa)

Mulher: Você estava atrás de mim?

Homem: Sim.

Mulher: Mas eu estava encostada na cerca. Senti a cerca nas minhas costas. Você estava de frente pra mim. Eu estava olhando os teus olhos. Minha blusa estava fechada. Fazia frio.

Homem: Eu desabotoei tua blusa.

Mulher: Era muito tarde. Estava meio frio.

Homem: E depois a gente deixou a ponte. E fomos andando pela margem e chegamos num monte de folhas.

Mulher: E você me possuiu, e disse que estava apaixonado por mim, e você disse que ia tomar conta de mim para sempre, e que minha voz, meus olhos, minhas coxas, meus seios eram maravilhosos e que você ia me adorar sempre.

Homem: Sim. Eu disse.

Mulher: E você vai me adorar sempre.

Homem: Sim. eu vou.

Mulher: E então nós tivemos filhos e estamos sentados aqui, conversando e você se lembrou de mulheres nas pontes e nas margens e nos montes de folhas.

Homem: E você se lembrou dos teus quadris na cerca e homens segurando tuas mãos e homens olhando nos teus olhos.

Mulher: E falando comigo suavemente.

Homem: E tua voz suave. Falando pra eles suavemente. Na noite.

Mulher: E eles diziam: "Eu vou te adorar sempre."

Homem: Dizendo: "Eu vou te adorar sempre."


Harold Pinter

Um comentário:

Anônimo disse...

confusa mente
confusos fusos
unidos pelo amor em tempos diversos

beijos