sábado, julho 16, 2005
Carta ao vento I
Não se pode trair assim, cortando o fio. Sem que eu saiba sequer onde descansa o seu corpo. Você se entregou ao seu Minos, de quem achava ter debochado mas que ao final o engoliu. E assim eu decifrei epígrafes em todos os cemitérios possíveis, à procura do seu nome, onde eu pudesse ao menos chorá-lo.
Duas vezes você me traiu, a segunda escondendo de mim o seu corpo. E agora estou aqui, sentada a uma mesinha deste terraço, olhando inutilmente o mar e comendo coelho temperado com canela. Um velho grego indolente canta uma canção antiga em troca de alguma moeda. Há gatos, crianças, dois ingleses da minha idade que falam de Virginia Woolf e um farol ao longe do qual não se deram conta.
Eu tirei-o de um labirinto, e você me fez entrar em outro sem que para mim haja uma saída, nem mesmo aquela extrema. Porque a minha vida passou, e tudo me escapa sem possibilidade de um nexo que me leve de volta a mim mesma ou ao cosmo.
Estou aqui, a brisa acaricia os meus cabelos e eu vou tateando na noite, porque perdi o fio, aquele que eu tinha dado a você, Teseu.
Antonio Tabucchi, "Está ficando tarde demais"
Editora Rocco, 2004
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário