terça-feira, setembro 19, 2006

Sem querer



Mais do que o olho (que me serve apenas para ver que mãos são aquelas que se aproximam - sim, tenho tara por mãos) minha boca e meu nariz são termômetros e depositários de memória.

Hoje, andando pela rua, senti o perfume conhecido que me fez virar a cabeça à procura daquele que virou alguém. Comida, galhos de árvores, chuva, sofás, guarda-roupas e gavetas pedindo terebentina e bolinhas de cedro. Camisas bem-passadas, ar-condicionado do cinema, camarões ao alho e óleo. O suco de tomate nas tardes de quarta-feira, religiosamente. O xampu que, agora descobri, não existe mais, ou o acre do pêlo do cachorro, molhado.

Catatau com aquele cheiro de criança que ainda quer ser bebê. Talco, pasta de dentes da Barbie, perfume das Superpoderosas. Eu chorei quando senti nas mãos o cheiro de alguém que se foi - menos por ele ter ido, mais porque o cheiro não persistiria.

E beijos. Aquele descompromissado ou o que une o que nunca se dissolverá, mesmo que se queira. O beijo que, nas palavras do poeta, nasce na bochecha para terminar na boca - e jamais sair dali. O beijo que deixa marca num lugar. Ou que prefere subir e descer porque não se decide onde quer ficar - ou o que experimentar. Beijo rápido, beijo que pára o tempo, o espaço, a rotação dos dias. Empareda o barulho da rua e deixa somente ouvir a respiração do outro - pois a sua não existe mais.

O beijo da urgência, o que não foi dado e por isso se torna mais apaixonado ainda (quem se lembra da cena final de "Anna e o rei"?). O beijo quente, pós café, ou o gelado, entre uma dentada e outra do picolé. O beijo que diz tudo, que fala de tristeza e solidão. O que empanturra o outro de amor e companheirismo.

Beijos me fazem falta. Beijos e cheiros. Dos que me fizeram feliz nenhum deles tenho guardado. Não soube economizar para os dias de chuva.

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