terça-feira, setembro 05, 2006

Memórias

Depois do sermão à beira da cova, meu pai e eu paramos em silêncio ao lado do caixão de minha mãe, que será suspenso sobre o buraco vazio, escuro, esperando a descida. A sepultura comprada pela minha avó é uma de dois lugares, suficientemente profunda para oferecer espaço para seu descando final em cima de minha mãe.
Anos mais tarde, contudo, quando minha avó morre, deixo de cumprir sua solicitação de ser enterrada naquela sepultura. Seu corpo é cremado, as cinzas espalhadas por mim. Não poderia permitir que ela descansasse pela eternidade sobre minha mãe; não poderia deixar minha mãe jazer eternamente sob o seu peso.



Quando vejo a lápide de minha mãe, com apenas seu nome e as datas de nascimento e morte, sinto remorso de não ter incluído a palavra Amada.
No dia em que a encomendei, o dia depois que ela morreu, sentei ao lado de minha avó no escritório do cemitério e folheei um livro pesado, ilustrado com vários estilos de lápides. Escolhi uma de granito com bronze e meticulosamente decidi sobre o tipo a ser usado nas letras. Deixei, porém, um espaço abaixo das letras vazio, porque naquela tarde a única palavra que pude conceber talhada naquele canto era uma que na minha comoção achei não merecer usar, apesar da verdade de continha. Contém.
Amada.

Kathryn Harrison, "O beijo"
Editora Objetiva, 1997

Nenhum comentário: