sábado, setembro 30, 2006
Madrugada
A varandinha de outrora ainda existe, foi apenas o outrora que se acabou. [...] O sofá de dois lugares ficava bem em frente à varandinha. Muitas vezes era assim: de noite, Teresa fechava a porta de vidro e abria a cortina e apagava a luz, dizia que assim não seríamos vistos, mas poderíamos ver as coisas lá fora, céu e prédios ao longe. Eu me sentava no sofá, ela se sentava em meu colo, de frente para mim, os pés me pinçando as costas como se ela sentisse medo. Pés frios, pequenos. Nus. Pernas nuas, quadris, Teresa nua era meu maior alumbramento. Bicos duros em seios macios, minha língua morna sobre os bicos duros de seus seios, os cabelos macios escorrendo pelo meu torso duro, o sexo macio envolvendo meu sexo duro, o céu tão macio sobre os prédios de apartamentos, a samambaia-chorona oscilando perigosamente como um metrônomo, eu via as folhas riscando a porta da varanda enquanto meus punhos cerrados apertavam as coxas macias de Teresa, puxavam-na, um outro metrônomo. Muitas vezes era assim: Teresa deitava-se no sofá. Eu me deitava em Teresa. Os calcanhares dela se apoiavam nos meus ombros e os pezinhos frios me acariciavam as orelhas. Se ela abrisse os olhos, eu mergulhava dentro deles, perpendicularmente. Tinha a nítida (e falsa) sensação de chegar ao fundo de Teresa, ao centro do labirinto da sua alma, lá no centro, onde havia um haicai de Bashô escrito sobre a areia da praia.
Adriana Lisboa, "Um beijo de colombina"
Editora Rocco, 2003
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Um comentário:
essa mulher é um fenômeno. acho que vou comprar esse livro, tô adorando lê-lo aos bocadinhos... bjs
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