segunda-feira, setembro 18, 2006

Infra-estrutura



Whalt Whitman nos assegura da transcedência da agitação e do barulho de Nova York, a sublimidade, a arrogância exuberante, do momento vivo. Mas as imagens mentem? Aquelas velhas estampas em gelatina prateada... As carroças e carruagens, os bondes, os trens elevados e as embarcações à vela em suas docas... Uma cidade movimentada, grandes canteiros de obras emoldurados com madeirame, ruas planejadas com a régua.

Homens de joelhos colocando pedras nas calçadas, grandes sótãos mal-iluminados com mulheres diante de máquinas de costura, homens de chapéu-côco com roupas caseiras posando nas portas de seus armazéns ou armarinhos, fileiras intermináveis de balconistas em suas mesas elevadas, mulheres de saias compridas e blusas instruindo salas cheias de crianças, casais cumprimentando casais na Quinta Avenida, patinadores do gelo agasalhados no lago do Central Park... Esta é a nossa cidade construída, sem dúvida a geografia de nossas almas, mas estas pessoas não são como nós, elas habitam na nossa cidade como se pertencessem aqui, a pressuposição do seu direito a ela está em cada gesto, cada olhar, mas elas não são como nós, são forasteiros habitando nossa cidade, embora vagamente familiares, como os forasteiros em nossos sonhos.

Sinto tamanha quietude, a quietude de ouvir uma história cujo fim conheço. Estou olhando para tempos em que as pessoas tinham uma história a encenar e as ruas pelas quais caminhavam eram passagens narrativas. Que tipo de palavra é infra-estrutura? É uma palavra que prova que perdemos nossa cidade. Nossas ruas são para o trânsito. Nossas histórias são desmembradas, os arranha-céus que nos esmagam zombam da idéia de uma cultura digna de crédito.

E. L. Doctorow, "Deus - Um fracasso amoroso"
Editora Record, 2003

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