sábado, agosto 20, 2011

Day 11: Favorite animal book



Marianne se decidiu por uma receita de quiche de brócolis. Podia ouvir a gata do vizinho do lado de fora, rondando pelo jardim. Às vezes, os miados da gata eram tão parecidos com o choro de um bebê que ela levantava da cama quando ouvia o som. Depois, sem conseguir dormir, ia tropeçando até o quarto dos filhos, só para ter certeza de que nenhum deles a chamara. [...]

Marianne preferia pensar em como poderia ser pior. [...] Lucas tinha dez anos e não incendiava nada, não fugia de casa, não batia nas pessoas com tijolos ou bastões, não estrangulava nem estuprava pessoas, nem torturava animais. Era só um pouco maluco.
"Mas que palavra", pensou ela. Marianne já havia cruzado com ela muitas vezes – essa palavra e outras. Insano. Anomalia. Psicopata. Agora, elas caíam de sua boca por acidente, como sapos. Ela sentia as palavras escorregando para fora e caindo no chão. [...] Marianne engolia a sensação pantanosa em sua garganta. [...] De manhã, ela esmagava os comprimidos de Lucas no suco de laranja e Richard lia o jornal, tentando ignorar a gritaria no jardim.
- Qualquer dia desses vou matar essa gata. [...]

Richard estava lendo na cozinha quando ouviu um baque. Era o som pesado de um corpo batendo num objeto e isso o fez largar o jornal e correr escada acima. [...] Eles viraram para o corredor e viram Lucas parado atrás de Sarah, tentando espiar alguma coisa entre os dedos dela. Quando o menino viu Richard, voou rumo ao seu quarto e fechou a porta.
Havia um talho na testa de Sarah. [...] Nas mãos dela, estava um saco plástico claro. Quando viu os pais, ergueu o saco no alto, como um prêmio. Dentro, estava o corpo de um gatinho, emaciado e inchado, o pelo era laranja e branco. Um líquido amarronzado brotava de um dos cantos. [...]

No corredor [do hospital], Richard preenchia os formulários médicos junto com a enfermeira. Ele parou no bebedouro no caminho de volta para a sala de espera. O jato era fraco, mas foi bom para molhar os lábios. Ele ligou para a Dra. Snow do telefone público, de olho em Lucas, sentado num canto com o rosto afundado numa revista.
- Os remédios não estão funcionando.
- Às vezes isso acontece.
- Ele está ficando pior.
A Dra. Snow suspirou.
- Ataque a irmãos é bastante comum – ela sugerir terapia familiar. Marcou uma sessão para o dia seguinte. Eles deviam ir para casa e descansar. – Peça comida chinesa – aconselhou ela. – Alguma coisa leve.
Quando o carro estacionou na entrada de carros, Richard viu a vizinha. Ele entendeu que alguma coisa estava errada pelo modo como a blusa dela estava torcida.
- Não sei o que fazer – disse ela enquanto Richard baixava a janela. – Minha gata não quer sair do seu quintal. [...]
- Essa não é uma hora muito boa.
- Está tudo bem – disse Marianne. – Eu a levo – ela pôs as chaves no bolso e tirou Sarah do carro. [...] Um grande curativo branco estava colado na testa de Sarah e Richard podia ver uma seção de careca onde o médico tinha raspado o cabelo da menina. [...]
- E então? – perguntou Richard. – Qual é o problema?
A gata estava no quintal, parada em um dos cantos do jardim.
- Lamento muito por isso – disse a vizinha. – Normalmente eu consigo convencê-la a ir para casa – o rosto tremeu um pouco quando ela se aproximou da gata laranja. – Vem agora, querida – a gata sibilou e bateu na mão da mulher, depois correu de volta para o canto. [...]
A barriga vazia da gata balançava, os mamilos [entumescidos de leite] se arrastavam no chão. Quando chegou mais perto, Richard viu que seus bigodes tinham sido cortados. Ele sabia que cortar os bigodes era o mesmo que cegar; os animais os usavam para sentir aquilo que seus olhos não podiam ver. Richard deu uma olhada na casa. As cortinas estavam fechadas.
Foi até onde a gata estava sentada e futucou o chão com o pé. O sapato de Richard afundou na terra macia e, quando ele tocou o que tinha sido enterrado ali, sentiu seu ânimo desabando junto com a ponta do seu sapato, um mergulho na tristeza. Ele pensou no que estava surgindo. Havia vermes, ele podia senti-los, e grãos minúsculos abriam caminho, entrando em suas meias.

Verdadeiros animais
Hannah Tinti - Tradução de Ryta Vinagre
Editora Rocco, 2004


Um cachorro que é a única testemunha de um assassinato. Girafas de zoológico entediadas que simulam o próprio suicídio. Um urso empalhado que parece ganhar vida. São 11 contos, este é o décimo ("Sangue do meu sangue"). Em todos, os animais são personagens que correm à margem; se ausentes, porém, não haveria sentido para as histórias. Um livraço que passou quase em brancas nuvens quando foi lançado, assim como outros títulos da coleção Safra XXI, da Rocco.

2 comentários:

Ana Cecília Moura disse...

Affe. Mais um para a lista. Medo da fatura do cartão. =)

Olha q eu julgava q o máximo de status q os animais alçariam seria com Esopo. Que trecho escolheste!!!

Rita disse...

Adorei o título do livro...