[...] Álbum é destinado para incompletude, disciplinar o esforço, respeitar os vazios. Se eu adquirisse todas as figurinhas, seria igual a tantos que concluíram o livro como uma tarefa. Se carecesse de uma ou de duas, o álbum torna-se particular, pessoal. Não concluir o livro é amor. Poucos terão as mesmas figurinhas faltando. Pode soar absurdo, entretanto, o álbum de figurinhas me ensina sobre a relação a dois. Não se deve completar tudo, preencher tudo.
Há lacunas que nos alimentam. Há páginas que ficarão em branco, cromos que não serão colados, lembranças que não terão ilustração. A incapacidade de chegar ao fim é o que mais me comove, porque se reserva um espaço para companhia. Igual medida encontro no casamento. Não é a paixão. Não é a amizade. Não é a afinidade. Não é a convivência. Não é a sorte. Não são os filhos. Não são as conveniências. Nada disso determina a harmonia de um casal. Qualquer uma dessas causas não impedirá a separação. O que exerce a diferença e sustenta a permanência é a fé.
Duas pessoas que se apaixonam uma pela fé da outra é amor. Duas fés juntas, nem Deus impede, nem o diabo separa, nem o azar dificulta. Fé é espessura. A fé que começa em um álbum de figurinhas e não termina com ele, a fé que começa com as mãos dadas no cinema e se transforma em nó de balanço, a fé que começa ao arrumar uma gravata do marido ou ao limpar a boca da mulher no almoço, a fé que começa sem importância, em uma miudeza que só quem tem fé repara. A fé, que não se importa com provas e acusações, que não mudará o que acredita por indícios e suspeitas, que perdoa antes de acontecer, que reconhece antes de ver, que compreende antes de ler. A fé que não é roupa para se achar no armário, muito menos memória para consolar. A fé.
Fabrício Carpinejar
sexta-feira, maio 06, 2005
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