Um dia me chamaram primitivo:
Eu tive um êxtase.
Igual a quando chamaram Fellini de palhaço:
E Fellini teve um êxtase.
O rio cortava a tarde pelo meio.
De um lado passeavam cavalos,
De outro Passo-Triste, aves e borboletas.
Passo-Triste tinha um gosto entre beato e bêbado.
Uma espécie de ascese moscal o perseguia.
Andava favorável para coisas.
Pedra ser, inseto ser era seu galardão.
Sua casa era guardada por aves do que ferrolhos.
Não tinha dente nem letras.
Dava aos andrajos grandeza.
Vivia desgualepado.
Certa vez pegou moléstia de cobra e se arrastava
de barriga pelos lajedos.
Cachorros faziam poste nele.
Gostava de encantações do que de informações.
Passo-Triste é meu Pastor.
Ele me guiará.
Manoel de Barros, "Retrato do artista quando coisa"
Editora Record, 1998
quarta-feira, maio 18, 2005
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