sábado, setembro 10, 2005
Origem
Era o século dos estrangeiros, morenos, amarelos e brancos. Era o século do grande experimento imigrante. Só assim tarde do dia, ao entrar num playground, a gente topa com Isaac Leung ao lado do tanque de peixes, Danny Rahman no gol do futebol, Quang O’Rourke jogando basquete e Irie Jones cantarolando uma canção. Crianças com o nome e o sobrenome num conflito direto. Nomes que ocultam em si um êxodo em massa, navios e aviões apinhados, desembarques mal recebidos, exames médicos. Só assim tarde do dia, [...] a gente encontra as melhores amigas, Sita e Sharon, constantemente confundidas uma com a outra, porque Sita é branca (a mãe gostou do nome) e Sharon é paquistanesa (a mãe achou que era o melhor nome – menos problema). No entanto, apesar de toda a confusão, [...] ainda é difícil aceitar que não haja alguém mais indiano do que o inglês. Ainda há jovens brancos que se irritam com isso, que sairão às ruas mal iluminadas, na hora em que os bares fecham, com uma faca de cozinha disfarçada na mão cerrada.
Mas provoca risos no imigrante ouvir os temores do nacionalista, com medo de infecção, penetração, mestiçagem, quando isso não é nada, quando isso é mixaria, comparado ao que o imigrante teme – dissolução, desaparecimento. Mesmo a imperturbável Alsana Iqbal normalmente aordava numa poça de suor depois de uma noite em que era assediada por visões de Millat (geneticamente, BB, em que B representa bengali-dade), casando com uma moça chamada Sarah (aa, em que "a" representa ariana), resultando num filho chamado Michael (Ba), que, por sua vez, casa com uma moça chamada Lucy (aa), deixando Alsana com um legado de bisnetos irreconhecíveis (Aaaaaaa!), a bengali-dade da família totalmente diluída, o genótipo oculto pelo fenótipo.
[...] Mas com Irie e Clara a questão era, na maioria das vezes, tácita, pois Clara sabia que não se encontrava numa posição de pregar. Mesmo assim, não procurava disfarçar a decepção ou a dolorosa tristeza. Do santuário de ídolos hollywoodianos de olhos verdes no quarto de Irie até o bando de amigos brancos que com freqüência nele entravam e saíam, Clara via um oceano de peles róseas cercando a filha e receava a maré que a levaria embora.
Zadie Smith, "Dentes brancos"
Companhia das Letras, 2003
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