quarta-feira, junho 29, 2005
Na palma da mão
Hoje, atendendo a uma jornalista argentina, discorri por quase meia hora sobre mercado, posição da marca, market share, market value, posicionamento e target operacional; shiraz, cabernet, safras especiais, rótulos cordon rouge & outras bossas.
Ela desligou o telefone depois de me dizer como era bom conversar com alguém que entende do assunto. Mal sabe ela que na minha mesa tenho um caderno para cada assunto, com tudo pronto para ser recitado.
Mas que eu fiz bonito, eu fiz. Parabéns pra mim :o)
Sem novidades no front
Sabe qual é o problema? Falta de assunto. Falta do que dizer. Guardei um monte de coisas para postar, mas nada combina com nada. Estou com uma preguiça enooooorme de escrever, de pensar. Este fim de semana vou ficar sozinha, e vou ao c-i-n-e-m-a (é, tem que soletrar pra não dar azar e acabar não acontecendo).
De novidades, tem muito bebê nascendo (ou seja, presente a dar até dizer chega) e estou aprendendo a distinguir um cabernet de um sauvignon (Suzaninha très chiquê).
De resto... é o resto.
De novidades, tem muito bebê nascendo (ou seja, presente a dar até dizer chega) e estou aprendendo a distinguir um cabernet de um sauvignon (Suzaninha très chiquê).
De resto... é o resto.
Eu confesso que...
... quando estou sozinha não deixo nem cheiro de Miojo no prato.
Não, você não entendeu. Eu passo a língua no fundo do prato. Lambida, mesmo. Várias. Daquelas que rendem palmada em criança.
É, eu sei.
Que horror.
Não, você não entendeu. Eu passo a língua no fundo do prato. Lambida, mesmo. Várias. Daquelas que rendem palmada em criança.
É, eu sei.
Que horror.
terça-feira, junho 28, 2005
Mala direta
Sim, não tem como evitar. Eu me sinto uma garotinha, e a sensação fica pior quando eu pressinto que ali existe, por trás dos óculos, alguém que se machucou mas parece uma pessoa que apenas ri e diz "Já passou".
Por poucos momentos, eu vi alguém que quer alguma coisa que ainda não conseguiu achar. Assim como eu. Mas eu não ergo brindes a isso, seja com guaraná ou com qualquer outra coisa: eu simplesmente desejo estar aí, do seu lado, ouvindo. Tentando fazer você, ao menos, suavizar cicatrizes, relembrar momentos bons, criar outros melhores. Pode ser pretensão minha, mas eu sou assim, pretensiosa quando gosto de alguém.
Passei o dia inteiro pensando nisso, ansiando por uma frase, por um pensamento. Sim, tesão há de se ter, de se trocar, de se dar e receber. Mas, sinceramente? eu gostava mais quando a gente se encontrava e conversava no escuro.
Porque eu gostaria, do fundo do meu coração, afogar a saudade de descobrir e conhecer você. E assim entender um pouco quem você é, independentemente da verve, da astúcia, do sarcasmo, da fina ironia. Anseio por saber o quão doce você pode ser.
segunda-feira, junho 27, 2005
Oração
A única coisa que eu quero agradecer é de ter, hoje, chegado bem cedo ao trabalho. O que me possibilitou sair às seis e dez, e não vinte para as sete, como sempre faço. E o ônibus ter chegado rápido ao colégio. E de eu ter saído de lá bem mais cedo do que de costume. Porque o carro fica estacionado exatamente em frente à capela.
O lugar onde o helicóptero caiu.
O lugar onde o helicóptero caiu.
domingo, junho 26, 2005
sábado, junho 25, 2005
Missão
A maternidade é um voto
difícil de quebrar.
Uma vigília que me impede
de dormir a vida inteira.
Estou sempre rente
à respiração de minhas filhas,
à beira do sol das narinas,
como uma jangada,
coruja do oceano.
Não tente aplacar o luto
dos que perderam uma criança,
o tormento de ser vizinha
de uma escola e suportar
o sobrevôo das vozes no recreio.
Sentir-se culpada por aquilo
que não foi vivido.
Não conferir palavras no dicionário.
A linguage se contenta
com as pontadas do parto.
Concluir que foste inútil;
fizeste o trabalho para a morte.
Não tente entender.
O amor se aquieta em ameaça.
Fabrício Carpinejar, "Cinco Marias"
Editora Bertrand, 2004
PhD, com louvor
Qualquer um que consiga dar banho num golden retriever que ODEIA água, numa boxer que parece um burro empacado e numa labradora que ama água (com sabão, da privada, parada, corrente, qualquer água) acima de todas as coisas, e com a (des)assistência da Catatau e da Zé Colméia, está apto a trabalhar no comando de controle de multidões do Batalhão de Choque.
Moleza.
Moleza.
O Ministério da Saúde adverte
Embaixo do prédio onde eu trabalho existe um shopping enorme (alías, eu não trabalho num prédio; trabalho na "torre do shopping"). Normalmente, eu almoço na copa do escritório, mas ontem tive uma reunião fora e acabei almoçando com a minha chefe num dos restaurantes.
Estávamos esperando a comida quando vimos uma mulher muito, muito humilde (e visivelmente constrangida por estar num corredor onde a loja mais barata era a M. Officer), vestindo uma saia surrada e havaianas e levando um bebê muito pequeno no colo, deixou cair as coisas da criança da bolsa aberta.
Ela tentava evitar que mais coisas caíssem, sem conseguir. O fecho da bolsa, quebrado, não ajudava. Nem ninguém que passava. Ninguém. Eu e minha chefe nos levantamos mas um lojista foi mais rápido e, com toda a gentileza do mundo, apanhou tudo que caíra no chão, pegou a bolsa do ombro da mulher e a acompanhou para onde ela estava indo.
E então eu me lembrei de uma cena que presenciei na semana passada, na fila do caixa eletrônico. Uma mãe (bonita, unhas feitas, corpo de adolescente e muito dinheiro aplicado em si mesma), com uma menina de uns oito meses no colo, deixou cair a bolsa de brinquedos. Imediatamente, as pessoas que passavam pararam para ajudar. Em segundos recolheram tudo e lá se foi a mulher, feliz em direção às compras.
Alguém precisa, com urgência, fazer uma campanha avisando à população mundial que pobreza NÃO é doença e, como tal, NÃO é contagiosa - nem deixa ninguém invisível.
Estávamos esperando a comida quando vimos uma mulher muito, muito humilde (e visivelmente constrangida por estar num corredor onde a loja mais barata era a M. Officer), vestindo uma saia surrada e havaianas e levando um bebê muito pequeno no colo, deixou cair as coisas da criança da bolsa aberta.
Ela tentava evitar que mais coisas caíssem, sem conseguir. O fecho da bolsa, quebrado, não ajudava. Nem ninguém que passava. Ninguém. Eu e minha chefe nos levantamos mas um lojista foi mais rápido e, com toda a gentileza do mundo, apanhou tudo que caíra no chão, pegou a bolsa do ombro da mulher e a acompanhou para onde ela estava indo.
E então eu me lembrei de uma cena que presenciei na semana passada, na fila do caixa eletrônico. Uma mãe (bonita, unhas feitas, corpo de adolescente e muito dinheiro aplicado em si mesma), com uma menina de uns oito meses no colo, deixou cair a bolsa de brinquedos. Imediatamente, as pessoas que passavam pararam para ajudar. Em segundos recolheram tudo e lá se foi a mulher, feliz em direção às compras.
Alguém precisa, com urgência, fazer uma campanha avisando à população mundial que pobreza NÃO é doença e, como tal, NÃO é contagiosa - nem deixa ninguém invisível.
Altitude
Eu confesso que...
... eu sou trekker. Desde criancinha. E era loucamente apaixonada pelo Capitão Kirk.
Ah, dá um desconto. Ele ainda não usava peruca nem tinha aquela barriga indecente. E transava com todas as alienígenas & tripulantes que apareciam. Mas a minha vingança era que todas morriam no final.
Hehehe...!
Ah, dá um desconto. Ele ainda não usava peruca nem tinha aquela barriga indecente. E transava com todas as alienígenas & tripulantes que apareciam. Mas a minha vingança era que todas morriam no final.
Hehehe...!
quinta-feira, junho 23, 2005
Acordo
Assim assado
Ingredientes:
Uma empregada esquecida
Oito calças compridas encharcadas
Uma noite úmida
Uma gaveta vazia de calças compridas
Uma mochila com três mudas de roupa por fazer
Duas mudas de uniformes a separar
Duas crianças sem ter o que vestir
Modo de preparo:
Pré-aqueça o forno em alta temperatura. Tire as roupas encharcadas do varal. Reserve. Numa travessa de vidro (não use de metal), arrume uma calça de cada vez, com o elástico para baixo. Leve ao forno por 15 minutos na primeira meia hora, e as outras calças, por dez minutos de cada vez. Verifique a umidade da roupa para que o tecido não resseque ou fique cheio de manchas de queimado.
Repita esse processo com as sete calças restantes, até por volta das duas da manhã. Deixe as roupas descansando para o resto do vapor sair.
No dia seguinte, às cinco da manhã, passe as oito calças e arrume-as nas mochilas. Saia de casa sem café da manhã – se você não tiver à mão uma escova, descabelada também. Vire ao contrário o casaco que você vestiu do avesso.
Ao chegar à escola, sirva seu choque, em copos altos e com muito gelo, para as professoras presentes no saguão – afinal, você esqueceu que suas filhas não têm aula hoje, pois é o conselho de classes.
Rendimento: uma mãe.
quarta-feira, junho 22, 2005
Passado
Chega um momento
em que somos aves na noite,
pura plumagem, dormindo em pé,
com a cabeça encolhida.
O que tanto zelamos
na fileira dos dias,
o que tanto brigamos
para guardar, de repente
não presta mais: jornais, retratos,
poemas, posteridade.
Minha bagagem
é a roupa do corpo.
Fabrício Carpinejar, "Cinco Marias"
Editora Bertrand, 2004
Obviedades
O problema é que eu estou cansada, com fome, carente e sem saco para escrever. Vou comer pipoca na cama com as meninas vendo Hi Hi Puffy Amy Yumi. Ah, você não sabe o que é?
Perdeu.
Perdeu.
terça-feira, junho 21, 2005
Te quero
Bastaria apenas sentir o seu hálito deslizando pela minha pele. Só. O ar frio, o suspiro quente. Só olhar, nada mais. Ler nos olhos o mundo de sensações que passa em sua cabeça, o mundo de prazeres a serem provocados. Descobertas e palavras novas, fossem mudas ou tagarelas. Saber que intensidade tem suas mãos, que perfumes exalam da sua pele antes, durante e depois. Como se dá o encaixe, se ele acontece ou se é uma sucessão de "Perdão!" "Desculpe!" e "Pisei no seu pé?".
De que cor é o brilho dos seus olhos, até que altura você ressona, pra onde vão os seus anseios e os meus receios quando eles não têm mais lugar no quarto.
Mas acontece que eu tenho medo. É como um romance: fechar o livro, alçá-lo de novo à prateleira, apagar a luz, dormir.
E acabou-se.
segunda-feira, junho 20, 2005
Reticências
Voltando para casa hoje à tarde, cansada e descabelada, encostei a testa no vidro no táxi, fechei os olhos e imaginei que gosto a sua boca teria.
Sim, eu também penso nisso. Ou você achou que era prerrogativa sua?
Sim, eu também penso nisso. Ou você achou que era prerrogativa sua?
Meu amor, há seis anos
Estava fazendo o café na manhã do dia 20 de junho de 1999 quando, ao me esticar para pegar uma colher, senti que era o dia em que seria mãe. Às sete e meia da noite, minha Zé Colméia veio ao mundo. E tornou-se para mim a melhor companheira, aquela que dividiu comigo as tristezas, as raivas, as alegrias e conquistas. Foi aquela que viveu comigo, minuto a minuto, os nove meses de gestação da minha Catatau na extrema solidão do meu já falido casamento. E a última pessoa que beijei antes de dar à luz pela segunda vez foi ela, minha querida e adorada Florzinha.
Feliz aniversário, querida. Que você tenha sempre tudo o que desejar.
domingo, junho 19, 2005
Carapuça
De você, eu quero muito essa amizade nascente.
Por outro lado, por você eu sinto um asco incomensurável - aliás, é incompreesível que um dia em tenha sequer imaginado dividirmos algo. Ainda bem que terminou antes mesmo de nos conhecermos.
E por você... bom, quem afinal é você?
Links? Não, não vou botar. Cada um sabe qual a sua parte.
Por outro lado, por você eu sinto um asco incomensurável - aliás, é incompreesível que um dia em tenha sequer imaginado dividirmos algo. Ainda bem que terminou antes mesmo de nos conhecermos.
E por você... bom, quem afinal é você?
Links? Não, não vou botar. Cada um sabe qual a sua parte.
O de sempre
Fui sexta ao Fashion Rio, e fique de stand by ontem - mas, graças a Deus, meu telefone não tocou. Minha empresa estava presente no desfile da Lenny e no coquetel que aconteceria depois, e perigava eu ter que ir. Puft.
Pipoca foi a comida oficial do FR. Porque, afinal, não dá para pagar R$ 16 (sim, você leu direito: dezesseis reais) por um sanduíche. Bom, eu não pago. Vi os famosos de sempre, os arrozes-de-festa de sempre, as modelos de sempre, a fauna de costume. E concluí que não dou pra isso. As roupas, em grande parte, são maravilhosas. Mas não são feitas para quem veste manequim 42. Ou você é adepta do 36/38 ou compra em grife de segunda. Porque nas de primeira, só em outra encarnação.
Sorry.
Orgasmo
Debochadamente alguém me pediu para escrever sobre o orgasmo. Começo dizendo – a sério - que é difícil escrever sobre uma sensação tão diferenciada. Orgasmo é orgasmo. Nada é parelho. Imagino que não seja muito diferente para os homens.
Também posso garantir que há orgasmos e orgasmos.
O melhor de todos é quando ele vem muito bem embalado na delícia da paixão. Aquele sentir de pele, cabeça, tronco e membros. Aquele desejo que nasce quando você pensa no outro. É fermentado no encontro, embalado no primeiro toque e vai fomentando e dirigindo as carícias. Elas vão acontecendo e a gente vai junto. Sem saber bem para onde. Mas vai, porque sabe que o fim é um recomeço de vida. Depois de um orgasmo desses a gente renasce mesmo.
É só olhar no espelho. O rosto tem aquele corado de criança. O sorriso é largo, farto. O corpo fica leve, ágil. A vitalidade é preguiçosa, mas absoluta. Esses não têm preço. Também não são muito comuns. A tal da felicidade é avarenta. Tem mão fechada. Dá sempre menos do que a gente precisa.
Os homens eu não sei. Mas nós mulheres somos muito gulosas de felicidade. Talvez por isso que a gente seja um pouquinho (só um pouquinho mesmo) mais complicada.
Honra seja feita. Mesmo os orgasmos médios trazem boa dose de prazer que é bem próxima da felicidade.
Orgasmos médios são aqueles do sexo casual. Dois corpos juntos. Um não está louco pelo outro, mas a química cafajeste da busca do prazer é ativada e resulta numa troca de carícias que acaba em orgasmo. Não é ruim. Longe disso. Também não é nenhuma Brastemp.
É bom explicar. O sexo casual não acontece só com parceiros esporádicos não. Pinta no casamento também. Aliás, uma das tragédias da convivência diária é que as coisas vão perdendo a especialidade para se tornarem casuais. Em alguns casos, infernais.
Há também o orgasmo da ansiedade. Daqueles dias em que você ta-com-a-macaca. Não alivia gastar energia em horas de academia, quilômetros de corrida, dança frenética, longo e perfumado banho de banheira.
Nada resolve. Daí a gente apela para a energia sexual. E o orgasmo pinta rápido. Meio beijo e você já está fervendo. São os orgasmos mais michos. Também não é ruim. Mas é descarrego. Não deixa lembrança, digamos assim. Cumpre a função de devolver a paz ao corpo. A macaca vai embora. Ponto. Relaxa, mas não engrandece o espírito.
Lamento dizer, mas nessa área, a única coisa que traz grandeza, dá alma à vida é a paixão. Tudo que vem embalado nela é muito melhor – traz felicidade. E essa é a grande causa da nossa curta e atormentada existência.
Tânia Fusco, no Noblat.
Também posso garantir que há orgasmos e orgasmos.
O melhor de todos é quando ele vem muito bem embalado na delícia da paixão. Aquele sentir de pele, cabeça, tronco e membros. Aquele desejo que nasce quando você pensa no outro. É fermentado no encontro, embalado no primeiro toque e vai fomentando e dirigindo as carícias. Elas vão acontecendo e a gente vai junto. Sem saber bem para onde. Mas vai, porque sabe que o fim é um recomeço de vida. Depois de um orgasmo desses a gente renasce mesmo.
É só olhar no espelho. O rosto tem aquele corado de criança. O sorriso é largo, farto. O corpo fica leve, ágil. A vitalidade é preguiçosa, mas absoluta. Esses não têm preço. Também não são muito comuns. A tal da felicidade é avarenta. Tem mão fechada. Dá sempre menos do que a gente precisa.
Os homens eu não sei. Mas nós mulheres somos muito gulosas de felicidade. Talvez por isso que a gente seja um pouquinho (só um pouquinho mesmo) mais complicada.
Honra seja feita. Mesmo os orgasmos médios trazem boa dose de prazer que é bem próxima da felicidade.
Orgasmos médios são aqueles do sexo casual. Dois corpos juntos. Um não está louco pelo outro, mas a química cafajeste da busca do prazer é ativada e resulta numa troca de carícias que acaba em orgasmo. Não é ruim. Longe disso. Também não é nenhuma Brastemp.
É bom explicar. O sexo casual não acontece só com parceiros esporádicos não. Pinta no casamento também. Aliás, uma das tragédias da convivência diária é que as coisas vão perdendo a especialidade para se tornarem casuais. Em alguns casos, infernais.
Há também o orgasmo da ansiedade. Daqueles dias em que você ta-com-a-macaca. Não alivia gastar energia em horas de academia, quilômetros de corrida, dança frenética, longo e perfumado banho de banheira.
Nada resolve. Daí a gente apela para a energia sexual. E o orgasmo pinta rápido. Meio beijo e você já está fervendo. São os orgasmos mais michos. Também não é ruim. Mas é descarrego. Não deixa lembrança, digamos assim. Cumpre a função de devolver a paz ao corpo. A macaca vai embora. Ponto. Relaxa, mas não engrandece o espírito.
Lamento dizer, mas nessa área, a única coisa que traz grandeza, dá alma à vida é a paixão. Tudo que vem embalado nela é muito melhor – traz felicidade. E essa é a grande causa da nossa curta e atormentada existência.
Tânia Fusco, no Noblat.
Billie Holiday e ela
Não me ameace com amor, baby. Vamos ficar nessa, de caminhar sob a chuva.
Billie Holliday
Eu também adorei o artigo da Martha Medeiros na Revista do Globo. Às vezes, você calha de achar, perambulando num lugar onde você nunca lê, palavras que adoraria dizer, mas não sabe como.
Ela também leu.
É pra você, viu? E vê se me liga.
Billie Holliday
Eu também adorei o artigo da Martha Medeiros na Revista do Globo. Às vezes, você calha de achar, perambulando num lugar onde você nunca lê, palavras que adoraria dizer, mas não sabe como.
Ela também leu.
É pra você, viu? E vê se me liga.
quinta-feira, junho 16, 2005
Quase lá
Hoje eu não fui para o Fashion Rio. Mas, como Papai do Céu me adora, meu vizinho de baixo estava com a filha do primeiro casamento, uma menina fofíssima que as crianças adoram. Resumo da ópera: dormiram agora. E eu estou podre. E amanhã é dia de Gisele Bünchen no desfile da Colcci. Que eu vou ter que assistir. E é o último desfile do dia. E que atrasa sempre. E eu não vou poder cochilar.
Ainda bem que termina domingo. Mas hoje já tava um zumzumzum de a gente repetir a dose do São Paulo Fashion Week.
Eu? Eu não quero, não. Cansei de brincar disso.
Ainda bem que termina domingo. Mas hoje já tava um zumzumzum de a gente repetir a dose do São Paulo Fashion Week.
Eu? Eu não quero, não. Cansei de brincar disso.
Fashionista (irc!)
Fashion Rio, a melhor amostra da fauna carioca. Hoje centenas de pessoas devem ter acordado surdas, porque é impossível qualquer ouvido humano sair incólume daquela mistureba de ritmos e músicas, cada um tocado no volume mais alto.
Muita gente na porta dos estandes, tentando entrar. O mais bombado (eca! ODEIO essa palavra) era o do caderno ELA. Ana Cristina Reis sempre absoluta, correndo de um desfile para outro. Ela, logo a mais linda e vitaminada jornalista fashion, era a que menos parecia do mundo da moda. Aliás, é a regra: quem parece fashion da cabeça aos pés... não é. O estande da Oi/MTV, onde eu estou trabalhando, também entupido. O do JB às moscas. No do Sesc, uma oca com um cacique (de verdade). Não vou dizer que foi programa de índio. Prometo.
Vera Loyola toda de bege, com o cabelo... bom, parecia que, saindo do salão com o cabelo ainda molhado de laquê, ela tinha passado por cima de uma saída de ar do metrô. E o cabelo secou assim, duro, pra cima. Uma coisa. Atrás dela, uma entourage cacarejante.
Babi com seu sorriso de Coringa, flanando em todos os estandes. Vanessa de Oliveira – que mulher LINDA! Cara quase lavada (ou, o que deve ter acontecido, trabalho de um maquiador muuuuito bom), cabelo preso num coque. Silvia Bandeira continua com a mesma cara de sempre, nada pra baixo. Beth Lago toda de preto e havaianas gravando cabeças nos jardins de pedra (aliás, de onde emanava um delicioso aroma de fleur de cocô. Inesquecível). No telão, Isabeli Fontana no desfile da Salinas parou os corredores – aliás, decretou-se que em desfile de biquíni a modelo não pode ter bunda? É isso, santa?
No backstage (é, não se usa mais bastidores. Palavra banida. Não mais dicionarizada) do Salão Corcovado, muita mulher pelada (e desnutrida. Realmente, câmera engorda cinco quilos) olhando com cara de cachorro pidão a mesa do bufê – onde o pessoal da produção (euzinha, inclusive) se fartava. Glória Kalil, toda de branco com sandálias rasteiras pretas, chiquéééérrima. Giani Albertoni magérrima e imensa – a mulher é enorme! Bernard e a mulher, Zezé Polessa & Luiz Salém (que estava carregado de brindes & sacolas & mimos de todos os estandes. A peregrinação foi ótima), alguns ex-BBBs (não reconheci nenhum, não conheço nenhum. Mas ouvi muitos "Ih, olha lá o fulano do BBB!"). Gisela Amaral, tão elegante, tão maravilhosa, despencou ribanceira abaixo no conceito de muita gente, incluindo do meu. Vamos ao seu vestido: tomara-que-caia (sim, ela tem quase 60, se não tem mais), justo até o meio das coxas, abrindo-se em três camadas de babados até o meio das canelas. A estampa? Discretinha: xadrez branco e vermelho. Sim, toalha de restaurante italiano. Igualzinho. Ah, a bolsa era do mesmo tecido. O sapato eu não vi, não. Se fosse de xadrez, dava Rosane Collor na cabeça e aí era demais para o meu coraçãozinho.
Muita maquiagem pesada. Muito paetê. Muitas aspirantes a modelo-manequim-estrela usando calças não-dá-pra-sentar-nem-respirar, miniblusas e saltos altíssimos. Uma que passou por mim estava com scarpin preto de salto nas alturas e bico mais fino ainda; um short jeans que, de longe, parecia um lenço amarrado nos quadris; microblusa de couro preto e coleira tachada. Cabelo curto, muuuita sombra e plantão insistente na porta do estande do ELA.
Dormi no desfile da TNG. Antes de começar. Sabe aquela coisa de "Vou dar uma cochilada no anúncio"? Pois é. Vergonha total. Não vi ninguém. Nem a Naomi Campbell. Mas não deu: acordar às cinco e meia e assistir desfile mais de dez da noite, aquela coisa de ver o povo pra lá e pra cá, pra lá e pra cá... Mas não babei nem ronquei. Juro.
E hoje tem mais.
Muita gente na porta dos estandes, tentando entrar. O mais bombado (eca! ODEIO essa palavra) era o do caderno ELA. Ana Cristina Reis sempre absoluta, correndo de um desfile para outro. Ela, logo a mais linda e vitaminada jornalista fashion, era a que menos parecia do mundo da moda. Aliás, é a regra: quem parece fashion da cabeça aos pés... não é. O estande da Oi/MTV, onde eu estou trabalhando, também entupido. O do JB às moscas. No do Sesc, uma oca com um cacique (de verdade). Não vou dizer que foi programa de índio. Prometo.
Vera Loyola toda de bege, com o cabelo... bom, parecia que, saindo do salão com o cabelo ainda molhado de laquê, ela tinha passado por cima de uma saída de ar do metrô. E o cabelo secou assim, duro, pra cima. Uma coisa. Atrás dela, uma entourage cacarejante.
Babi com seu sorriso de Coringa, flanando em todos os estandes. Vanessa de Oliveira – que mulher LINDA! Cara quase lavada (ou, o que deve ter acontecido, trabalho de um maquiador muuuuito bom), cabelo preso num coque. Silvia Bandeira continua com a mesma cara de sempre, nada pra baixo. Beth Lago toda de preto e havaianas gravando cabeças nos jardins de pedra (aliás, de onde emanava um delicioso aroma de fleur de cocô. Inesquecível). No telão, Isabeli Fontana no desfile da Salinas parou os corredores – aliás, decretou-se que em desfile de biquíni a modelo não pode ter bunda? É isso, santa?
No backstage (é, não se usa mais bastidores. Palavra banida. Não mais dicionarizada) do Salão Corcovado, muita mulher pelada (e desnutrida. Realmente, câmera engorda cinco quilos) olhando com cara de cachorro pidão a mesa do bufê – onde o pessoal da produção (euzinha, inclusive) se fartava. Glória Kalil, toda de branco com sandálias rasteiras pretas, chiquéééérrima. Giani Albertoni magérrima e imensa – a mulher é enorme! Bernard e a mulher, Zezé Polessa & Luiz Salém (que estava carregado de brindes & sacolas & mimos de todos os estandes. A peregrinação foi ótima), alguns ex-BBBs (não reconheci nenhum, não conheço nenhum. Mas ouvi muitos "Ih, olha lá o fulano do BBB!"). Gisela Amaral, tão elegante, tão maravilhosa, despencou ribanceira abaixo no conceito de muita gente, incluindo do meu. Vamos ao seu vestido: tomara-que-caia (sim, ela tem quase 60, se não tem mais), justo até o meio das coxas, abrindo-se em três camadas de babados até o meio das canelas. A estampa? Discretinha: xadrez branco e vermelho. Sim, toalha de restaurante italiano. Igualzinho. Ah, a bolsa era do mesmo tecido. O sapato eu não vi, não. Se fosse de xadrez, dava Rosane Collor na cabeça e aí era demais para o meu coraçãozinho.
Muita maquiagem pesada. Muito paetê. Muitas aspirantes a modelo-manequim-estrela usando calças não-dá-pra-sentar-nem-respirar, miniblusas e saltos altíssimos. Uma que passou por mim estava com scarpin preto de salto nas alturas e bico mais fino ainda; um short jeans que, de longe, parecia um lenço amarrado nos quadris; microblusa de couro preto e coleira tachada. Cabelo curto, muuuita sombra e plantão insistente na porta do estande do ELA.
Dormi no desfile da TNG. Antes de começar. Sabe aquela coisa de "Vou dar uma cochilada no anúncio"? Pois é. Vergonha total. Não vi ninguém. Nem a Naomi Campbell. Mas não deu: acordar às cinco e meia e assistir desfile mais de dez da noite, aquela coisa de ver o povo pra lá e pra cá, pra lá e pra cá... Mas não babei nem ronquei. Juro.
E hoje tem mais.
terça-feira, junho 14, 2005
Chama acesa
segunda-feira, junho 13, 2005
Pelo dia de ontem
Maledicências
Minha caixa postal está cheia de mensagens não respondidas. Eu leio, deixo pra responder depois... e não respondo. Desculpe, povo. Vou responder, tá?
Recebi pacote de São Paulo, de um grande amigo. Livros, cds, DVDs. Um já mora na minha bolsa para eu ler no ônibus, DVD já tirei o selinho mas não consegui ver tudo. O CD..., bom, esse continua lacrado. Sorry, amore, mas não faz o meu gênero.
Na agência, no fim da tarde descobri para que serve a gerente de crises. Uma braba aconteceu, cliente se engalfinhando no telefone, aos berros. Mas ela tirou de letra: tem dois filhos. Aliás, todo mundo lá tem filhos (quase todos os funcionários são mulheres). Crises? Rá!
No carro, Catatau aos berros (o volume era, como eu disse uma vez, de baile funk num sábado), chutando até o anjo da guarda. Quando ela se acalmou, o silêncio deve ter incomodado, porque Zé Colméia resolveu testar o volume e desatou a se esgoelar. Não foi tão ruim - eu já estava meio surda.
Amanhã tem coletiva do Fashion Rio. São duas, aliás. Eu não estou com saco nem de ir a meia, quanto mais a duas.
Uma amiga me escreveu: "Deixa de ser esnobe". Sou, não. Mas quando uma coisa vira obrigação, pés cansados, sorriso congelado na cara, muuuito saco para agüentar gente fútil, vazia e na maioria das vezes mal educada, a vontade de se divertir some. E a única coisa que você quer é vestir aquela camisetinha cafona e barata que você comprou no Saara. Porque aí significa que você já jantou, tomou banho e só falta apagar a luz.
Recebi pacote de São Paulo, de um grande amigo. Livros, cds, DVDs. Um já mora na minha bolsa para eu ler no ônibus, DVD já tirei o selinho mas não consegui ver tudo. O CD..., bom, esse continua lacrado. Sorry, amore, mas não faz o meu gênero.
Na agência, no fim da tarde descobri para que serve a gerente de crises. Uma braba aconteceu, cliente se engalfinhando no telefone, aos berros. Mas ela tirou de letra: tem dois filhos. Aliás, todo mundo lá tem filhos (quase todos os funcionários são mulheres). Crises? Rá!
No carro, Catatau aos berros (o volume era, como eu disse uma vez, de baile funk num sábado), chutando até o anjo da guarda. Quando ela se acalmou, o silêncio deve ter incomodado, porque Zé Colméia resolveu testar o volume e desatou a se esgoelar. Não foi tão ruim - eu já estava meio surda.
Amanhã tem coletiva do Fashion Rio. São duas, aliás. Eu não estou com saco nem de ir a meia, quanto mais a duas.
Uma amiga me escreveu: "Deixa de ser esnobe". Sou, não. Mas quando uma coisa vira obrigação, pés cansados, sorriso congelado na cara, muuuito saco para agüentar gente fútil, vazia e na maioria das vezes mal educada, a vontade de se divertir some. E a única coisa que você quer é vestir aquela camisetinha cafona e barata que você comprou no Saara. Porque aí significa que você já jantou, tomou banho e só falta apagar a luz.
domingo, junho 12, 2005
Falange
Chegamos aos poucos, discretos,
mas somos certos, tão certos
como dois e cinco e sete.
A hora se dobra sobre nós
quando passamos soberbos,
arrebanhando silêncios.
Somos severos, completos,
como seis e dois e zero.
Não temos mãos nem promessas.
Quando vimos, é para sempre.
Chegamos abastecidos.
Não fale. Não seja. Não tente.
Paulo Henriques Britto, "41 poetas do Rio"
Organização de Moacyr Félix
Funarte/Ministério da Cultura, 1998
Fina estampa
Essa é uma ilustração que o Gustavo Duarte fez para uma ONG que cuida de cães e gatos de rua estampar em camisetas na campanha Vira-Lata é Dez. O Gustavo mantém, para mostrar os trabalhos dele, um blog - que, aliás, entrou na minha lista de Favoritos.
sábado, junho 11, 2005
Brincadeira de montar
Hoje de tarde levei as meninas para passear. Comemos no McDonald's e fomos dar uma volta e ver vitrines, escolher o vestido das duas para a festa junina, conversar. Numa galeria, vi um bazar (pra quem não sabe, eu sofro de uma doença rara que me faz ter compulsão de entrar em bazares e brechós). Entramos, duas senhoras já idosas que estavam organizando a venda começaram a brincar com as meninas e eu fui inspecionar as araras. Mas o que me chamou a atenção não foi nenhuma roupa: foram dois álbuns antigos com bonecas de papel para vestir. A delicadeza do traço, o tamanho das bonecas (uma era a "jovem" rainha Elizabeth da Inglaterra), o sortimento de roupinhas. Eram álbuns enormes, já meio amarelados. As meninas ficaram muito espantadas e encantadas em ver que existiam bonecas de papel para vestir e como a brincadeira funcionava.
Não comprei os álbuns (estavam reservados), e senti uma saudade enorme da minha infância. Quando chegamos em casa, eu e as meninas fizemos bonecas de papel com um guarda-roupa completo, pintado com lápis de cera e completamente torto - mas que mereceu, pelo prazer que ressuscitou em mim, a caixinha delicada onde eu guardava os cartões dos buquês de flores que eu recebi até hoje. No fim das contas, são letra morta. Mas minha infância e o que eu puder passar às minhas filhas, não é.
Mundinho
Quando eu desembarquei no Rio, aos 18 anos, para fazer faculdade, fui morar no apartamento que minha família ocupara antes de nos mudarmos para outro estado - ou seja, um apartamento grande. Foi a glória. Saía todas as noites, dava festas, viajava para acampar. Comprei passaporte completo para o primeiro Rock'n Rio, idem para o primeiro FestRio. Festas era comigo mesmo.
Essa explicação enorme é só para todo mundo entender o que eu vou dizer agora (e ninguém pense que eu sempre fui assim): vou ter que ir a TODOS os dias de desfile do Fashion Rio (incluindo o desfile da grife Maria Bonita, que tradicionalmente acontece na véspera da abertura). E ao Prêmio Multishow (não apenas à premiação, mas à festa do MAM também). E a TODOS os dias do São Paulo Fashion Week. E, juro: se eu não tivesse que trabalhar, talvez eu gostasse de ir. Mas às sete da noite, a única coisa que eu mais quero é ir pra casa, tomar aquele banho quente e vestir a roupa mais velha e macia que eu tiver. Nem um pouco fashion, mas pra mim é muuuiito cool.
quinta-feira, junho 09, 2005
Força de empuxo, Sr. Sulu
Por esses dias, vou postar apenas à noite. O volume de trabalho está absurdo, um projeto já fechado foi pro buraco - o cliente resolver "rever o conceito" do trabalho apresentado e pediu alegremente para começar do zero - e eu estou pedindo arrego.
Assim sendo, amigos, novidades só depois de a lua sair :o)
Assim sendo, amigos, novidades só depois de a lua sair :o)
Subindo pra baixo
No meu emprego antigo, uma das coisas de que eu mais gostava era observar as pessoas que eu via na rua, da janela do ônibus. A viagem demorava uma hora - tempo para ler, cochilar, espiar, espionar.
Como da vez em que entrou um senhor - devia ter uns 70 anos - sentou-se na janela e começou a desfiar o repertório do Silvio Caldas. Um mal-educado gritou lá do fundo "Cala a boca, velho!" e o trocador, um armário (baixo, tudo bem, uma sapateira robusta), foi lá trás tomar satisfação. O cara botou a viola no saco e Silvio Caldas prosseguiu cantando sem acompanhamento.
Hoje, levo menos de dez minutos da escola das meninas para o trabalho. Quando vou almoçar (a empresa fica num prédio de escritórios, em cima de um shopping) vejo aquela multidão tão igual, falando no celular, comprando, batendo os saltos no granito preto ou andando de óculos escuros pelos corredores.
Saudades de tudo o que eu aprendi naquelas viagens intermináveis. Saudades de quando eu vi, jogando bola debaixo de uma chuva torrencial, num canteiro da Avenida Presidente Vargas, um moleque maltrapilho, magrela, imundo - mas de cabelo esplendorosamente azul.
Como da vez em que entrou um senhor - devia ter uns 70 anos - sentou-se na janela e começou a desfiar o repertório do Silvio Caldas. Um mal-educado gritou lá do fundo "Cala a boca, velho!" e o trocador, um armário (baixo, tudo bem, uma sapateira robusta), foi lá trás tomar satisfação. O cara botou a viola no saco e Silvio Caldas prosseguiu cantando sem acompanhamento.
Hoje, levo menos de dez minutos da escola das meninas para o trabalho. Quando vou almoçar (a empresa fica num prédio de escritórios, em cima de um shopping) vejo aquela multidão tão igual, falando no celular, comprando, batendo os saltos no granito preto ou andando de óculos escuros pelos corredores.
Saudades de tudo o que eu aprendi naquelas viagens intermináveis. Saudades de quando eu vi, jogando bola debaixo de uma chuva torrencial, num canteiro da Avenida Presidente Vargas, um moleque maltrapilho, magrela, imundo - mas de cabelo esplendorosamente azul.
Galopante
Na mosca
Então [minha amiga] conheceu o cara. Quarentão divorciado bacana com profissão de prestígio. A paquera seguiu dentro do previsto, até ela perguntar onde ele morava.
Ele respondeu que por ali mesmo, na Avenida São João, aquela da música. Ela estranhou. Sim, existe em São Paulo um movimento de artistas descolados se mudando para o chamado Centrão, em busca de grandes espaços arquitetônicos e aluguéis baratos.
— Eu me criei aqui, estudei na área quando garoto, gostava de matar aula para ir à biblioteca.
Foi aí que o tesão se fez, como ela me contaria dias depois, por telefone, já de volta ao Rio:
— Putz, o cara matava aula para ir à biblioteca? Que menino mata aula para ir à biblioteca? Pirei.
Passa uma semana, ela me liga de novo.
— Eu me toquei agora de que não vi uma única estante naquele apartamento. Que cara é esse que mata aula para ir à biblioteca e não tem livro em casa? Finalmente caiu a ficha: ele me levou para um matadouro!
A crer na história de P., porém, pode-se concluir que a bibliolatria é o mais enganador dos fetiches sexuais. Se ela fosse mais objetiva e saísse com o cara pensando "oba, vou dar prum quarentão paulista tarado que tem um matadouro na Avenida São João", se obedecesse aos cinco sentidos em vez de fantasiar com a quimera do literato, não se sentiria culpada depois. Tesão intelectual é um perigo, dá muita chance ao engodo. O tesão puramente físico é mais pragmático, pois você já sabe que vai se dar mal no dia seguinte.
João Ximenes Braga, "Bibliolatria"
Coluna desta semana no Caderno ELA/O Globo
Ele respondeu que por ali mesmo, na Avenida São João, aquela da música. Ela estranhou. Sim, existe em São Paulo um movimento de artistas descolados se mudando para o chamado Centrão, em busca de grandes espaços arquitetônicos e aluguéis baratos.
— Eu me criei aqui, estudei na área quando garoto, gostava de matar aula para ir à biblioteca.
Foi aí que o tesão se fez, como ela me contaria dias depois, por telefone, já de volta ao Rio:
— Putz, o cara matava aula para ir à biblioteca? Que menino mata aula para ir à biblioteca? Pirei.
Passa uma semana, ela me liga de novo.
— Eu me toquei agora de que não vi uma única estante naquele apartamento. Que cara é esse que mata aula para ir à biblioteca e não tem livro em casa? Finalmente caiu a ficha: ele me levou para um matadouro!
A crer na história de P., porém, pode-se concluir que a bibliolatria é o mais enganador dos fetiches sexuais. Se ela fosse mais objetiva e saísse com o cara pensando "oba, vou dar prum quarentão paulista tarado que tem um matadouro na Avenida São João", se obedecesse aos cinco sentidos em vez de fantasiar com a quimera do literato, não se sentiria culpada depois. Tesão intelectual é um perigo, dá muita chance ao engodo. O tesão puramente físico é mais pragmático, pois você já sabe que vai se dar mal no dia seguinte.
João Ximenes Braga, "Bibliolatria"
Coluna desta semana no Caderno ELA/O Globo
quarta-feira, junho 08, 2005
Para pintar o retrato de um pássaro*
Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de belo
algo de útil
para o pássaro
depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer...
Às vezes o pássaro chega logo
mas pode ser também que leve muitos anos
para se decidir
não perder a esperança
esperar
esperar se preciso durante anos
a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
nada tendo a ver
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando já estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro
Fazer depois o desenho da árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro
pintar também a folhagem verde e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insetos pelo capim no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar
Se o pássaro não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar é bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
Então você arranca delicadamente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro.
Jacques Prévert, "Poemas"
Editora Nova Fronteira, 1985
* Pra você, meu amigo, que anda meio dolorido. Mas vou avisando: só vou no Filial se servirem chope escuro. Servem? :o)
Até as estrelas
Quando a gente cresce profissionalmente, aprende que o horizonte de eventos (parodiando Carl Sagan) também se expande.
Reunião com o cliente de cuja conta sou executiva. À mesa, o presidente para o Cone Sul e o presidente para a América Latina da empresa. Eu, segundo dia de trabalho, achei por bem não abrir a minha boca e exibir com todo o esplendor possível os meus dentes em sorrisos intermináveis, deixando a gerente de núcleo falar.
- Na última reunião, em São Paulo...
- Quando a [...], a executiva de conta antes de você, nos encontrou em Buenos Aires...
- Foi naquele encontro no Club Med de Trancoso, não foi?
- Não, foi na reunião fiscal do ano passado, em Londres, onde apresentamos a equipe.
E por aí afora. Juro que deu medo. Porque sou bicho do mato até não poder mais. Comigo, aquela coisa de "Paris hoje? Ok!" é simplesmente coisa de American Express - e não para o meu reles Credicard.
Reunião com o cliente de cuja conta sou executiva. À mesa, o presidente para o Cone Sul e o presidente para a América Latina da empresa. Eu, segundo dia de trabalho, achei por bem não abrir a minha boca e exibir com todo o esplendor possível os meus dentes em sorrisos intermináveis, deixando a gerente de núcleo falar.
- Na última reunião, em São Paulo...
- Quando a [...], a executiva de conta antes de você, nos encontrou em Buenos Aires...
- Foi naquele encontro no Club Med de Trancoso, não foi?
- Não, foi na reunião fiscal do ano passado, em Londres, onde apresentamos a equipe.
E por aí afora. Juro que deu medo. Porque sou bicho do mato até não poder mais. Comigo, aquela coisa de "Paris hoje? Ok!" é simplesmente coisa de American Express - e não para o meu reles Credicard.
terça-feira, junho 07, 2005
Muuuuito trabalho
Sente o nível da responsa do novo emprego: numa das paredes da agência, visíveis de todas as salas, estão cinco imensos relógios, marcando as horas em Brasília, Chicago, Nova York, Paris e Londres. Plenamente consultados a toda hora do dia.
segunda-feira, junho 06, 2005
domingo, junho 05, 2005
Canção do carcereiro
Aonde vais belo carcereiro
Com essa chave manchada de sangue
Vou soltar aquela que amo
Se ainda for possível
E que tranquei
Ternamente, cruelmente
No mais secreto do meu desejo
No mais profundo do meu tormento
Nas mentiras do futuro
Nas bobagens das juras
Quero soltá-la
Quero que seja livre
Até para me esquecer
Até para ir-se embora
Até para voltar
E também para me amar
Ou para amar um outro
Se esse outro lhe agradar
E se ficar um dia sozinho
E ela só em idas
Guardarei apenas
Guardarei sempre
Nas minhas duas mãos côncavas
Até o fim dos dias
A doçura dos seus seios modelados pelo amor.
Jacques Prévert, "Poemas"
Seleção e tradução de Silviano Santiago
Editora Nova Fonteira, 1985
Assinar:
Postagens (Atom)