Então [minha amiga] conheceu o cara. Quarentão divorciado bacana com profissão de prestígio. A paquera seguiu dentro do previsto, até ela perguntar onde ele morava.
Ele respondeu que por ali mesmo, na Avenida São João, aquela da música. Ela estranhou. Sim, existe em São Paulo um movimento de artistas descolados se mudando para o chamado Centrão, em busca de grandes espaços arquitetônicos e aluguéis baratos.
— Eu me criei aqui, estudei na área quando garoto, gostava de matar aula para ir à biblioteca.
Foi aí que o tesão se fez, como ela me contaria dias depois, por telefone, já de volta ao Rio:
— Putz, o cara matava aula para ir à biblioteca? Que menino mata aula para ir à biblioteca? Pirei.
Passa uma semana, ela me liga de novo.
— Eu me toquei agora de que não vi uma única estante naquele apartamento. Que cara é esse que mata aula para ir à biblioteca e não tem livro em casa? Finalmente caiu a ficha: ele me levou para um matadouro!
A crer na história de P., porém, pode-se concluir que a bibliolatria é o mais enganador dos fetiches sexuais. Se ela fosse mais objetiva e saísse com o cara pensando "oba, vou dar prum quarentão paulista tarado que tem um matadouro na Avenida São João", se obedecesse aos cinco sentidos em vez de fantasiar com a quimera do literato, não se sentiria culpada depois. Tesão intelectual é um perigo, dá muita chance ao engodo. O tesão puramente físico é mais pragmático, pois você já sabe que vai se dar mal no dia seguinte.
João Ximenes Braga, "Bibliolatria"
Coluna desta semana no Caderno ELA/O Globo
quinta-feira, junho 09, 2005
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