quarta-feira, julho 01, 2009
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Zé Colméia teve um ataque quando um professor a segurou pelo braço. O que mais ela gritava era "Vou chamar a polícia! Homem não pode bater em mulher! Socorro!". Ela nunca fez isso. Fui à diretoria e expliquei para as novas coordenadoras o porquê do comportamento dela. Ela estava, simplesmente, tentando evitar que acontecesse com ela o que aconteceu comigo, por anos.
O pior tipo de violência contra a mulher é quando ela é perpetrada por quem ela mais confia. O estranho, este não sabe quem você é. Como no mito sobre os vampiros - eles só podem entrar na sua casa se você os convidar. E para isso eles cativam você, ganham a sua confiança e depois levam embora a sua vida, a sua essência.
A violência, quando é praticada por marido, acaba com a mulher. Nós não escolhemos pai, irmão, avô, tio. Eles já estavam ali quando nascemos. O padrasto não é escolha nossa, e sim da nossa mãe. Mas no caso do marido, ele passou pelos estágios de conhecido, de namorado, às vezes de noivo. Você aprendeu a confiar nele. Ele é, muitas vezes, o pai dos seus filhos. Você vive ao lado dele. Passou anos conhecendo-o - e um dia ele bate em você. Humilha você sexualmente - seja chamando-a de frígida, seja forçando-a.
Você mostrou a ele todas as suas fraquezas - e ele sabe como usá-las para derrubar o que você tem de forte. E a mulher não consegue sair do círculo vicioso que a vergonha (injustificada) a empurra. Porque ela não pode se queixar - foi ela quem "casou errado". É dela a responsabilidade de garantir o sustento dos filhos e a união da família - mesmo que isso signifique ouvir diariamente "Você é uma inútil" ou receber cusparadas no rosto. Ou, pior, apanhar grávida - e na cabeça, que é pra não deixar marcas.
A mais terrível história de horror é aquela que deixa marcas indeléveis porque não há para onde ir. Quem a atacou foi um estranho? Com cuidado e com o tempo, você vence as barreiras levantadas pelo "estranho" e dá então uma chance àquele cara realmente adorável e digno de confiança. Mas quando quem fez mal à mulher foi um cara adorável digno de confiança - como distinguir? Como confiar novamente, se você já fez isso - namorou o cara por cinco anos, morou junto por três e quando casou e teve filhos começou a viver uma história de horror? Você foi até o fundo do poço - não tem mais como cavar à procura de uma "confiança mais confiável".
E então você vive com medo - de que o próximo cara adorável se mostre, quando você abrir a porta finalmente para ele, o vampiro que vai levar embora sua auto-estima, seu amor-próprio, sua capacidade de confiar num homem, novamente.
Eu já me encolhi de medo quando um amigo de anos, com quem saí uma vez, espantou um mosquito no meio de uma discussão com outra pessoa. Ele disse que nunca vira um olhar tão horrorizado no rosto de alguém. Essa sou eu. Eternamente encolhida, quer se note ou não. E esse sentimento vai e volta, quando eu penso que ele está morto e enterrado. Como agora, quando a única coisa que consigo sentir, depois de anos, é medo e muita, muita vergonha de ver que não fui a única atingida: Zé Colméia também o foi, e por isso, mesmo com terapia, não quer que eu namore de novo, não quer outro homem nas nossas vidas, porque ela não quer mais ver sem sentir o que viu e sentiu.
Vamos, as duas, ter que aprender a confiar novamente.
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7 comentários:
Puxa, Su, sinto tanto por vcs. Náo sei o que dizer porque sei que também viveria encolhida. Bj e força.
Oh, querida...
que voces fiquem bem, tudo vai passar um dia, se deus quiser.
beijo bem grande.
Felizmente nem posso imaginar o que é passar por isso. Pensei, ao ler seu blog, ter se tratado de um episódio isolado, agora vejo que não foi... Que barra. Mas pense pelo lado positivo: Zé Colmeia, apesar da defensiva, não aceitará jamais passar pelo que vc passou. Ainda que isso seja tão reducionista, sou meio nietzschiana, "aquilo que não me mata...". É um outro jeito de ver as coisas. Ingenuidade mata, as dores nos protegem.
Gde abraço. Força...
Eu até que queria dizer alguma coisa mas não consigo. Sou de uma família onde as coisas sempre se resolveram na base da pancada, e saí de casa aos 24 anos por ter cansado de apanhar de um irmão desequilibrado. Depois (coincidência?) fui "sorteada" para trabalhar numa instituição de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica. Se nem Freud explica, quem sou eu pra tentar dizer alguma coisa. Tô contigo, mesmo sendo alguém desconhecida pra você e mesmo de longe.
Que belo relato, Su. Eu nem imagino como deve ser isso. Deve ser uma barra terrível, pra mulher e pras crianças. Mas, por um lado, é bom que sua filha tenha tido essa reação tão extremada. Isso mostra que ela não vai aceitar nenhuma relação assim. Quanto a pular ou levar um susto com qualquer movimento inesperado, inclusive vindo de amigos, parece que é bem comum. Já li vários relatos de vítimas (sobreviventes?) de violência doméstica e todas parecem ter a mesma reação. Prova de que traumatiza mesmo.
Mas acho que vc e suas filhas estão conseguindo levar bem a vida, Su. Torço por vcs!
um beijo, linda. também torço por ti.
Também torço.
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