sexta-feira, fevereiro 03, 2006
Admirável*
Ele começou a repreendê-la, porque sua falta de jeito poderia ser mal-interpretada por esses alemães, e os olhos dela recomeçaram a intumescer mas, graças a Deus, num escuro desse ninguém ia perceber, e depois foram para casa juntos, sem falar um com o outro, como se fossem estranhos – e em casa eles voltaram a trocar insultos durante o chá, embora já não houvesse mais o que dizer, depois ela lhe perguntou algo sobre a viagem que ele tencionava fazer a Homburg, e ele de novo começou a ralhar com ela, que também gritou qualquer coisa em revide e foi para o quarto, enquanto ele se trancou em seu gabinete, mas mais tarde foi lhe dar boa-noite – ele vinha todas as noites despedir-se dela, principalmente depois das brigas e desavenças – ele a despertava ternamente e a acariciava, beijava-a, porque ela era dele e dependia dele fazê-la infeliz ou feliz [...] – ele a abraçava, beijava-lhe os seios e eles começavam a nadar – nadavam a grandes braçadas, estendendo simultaneamente os braços na água e simultaneamente enchendo os pulmões de ar, afastando-se cada vez mais da margem, em direção à saliência azul do mar, mas quase todas as vezes ele caía numa contracorrente que o arrastava para o lado e até um pouco para trás – ele não conseguia alcançá-la, mas ainda assim ela continuava a estender os braços na mesma cadência, chegando a perder-se ao longe, e ele tinha a impressão de que já não nadava, mas apenas debatia-se na água tentando alcançar o fundo com os pés, e essa correnteza o arrastava para o lado e o impedia de nadar junto com ela [...].
Leonid Tsípkin, "Verão em Baden-Baden"
Companhia das Letras, 2003
* Isso porque o autor era médico. Susan Sontag, que assina a apresentação (chamada "Amar Dostoiévski", já que o livro trata justamente do verão em que esse escritor russo morou em Baden-Baden), escreve: "Cerca de dez anos atrás, ao vasculhar uma arca de livros de bolso de segunda mão e de aspecto imundo, diante de uma livraria na Charing Cross Road, em Londres, deparei exatamente com um desses livros [segundo ela, no mesmo texto, "obras-primas a serem descobertas"], "Verão em Baden-Baden", que eu contaria entre as realizações mais belas, arrebatadoras e originais de um século de ficção e de paraficção."
Leonid Tsípkin - importante pesquisador russo, autor de uma centena de trabalhos publicados em revistas científicas na União Soviética eno exterior - não viveu o suficiente para ver nada de sua obra literária editada. O manuscrito foi contrabandeado para os Estados Unidos e apareceu pela primeira vez num semanário dirigido a imigrantes russos. O médico morreu, no dia do seu 56º aniversário, sete dias depois que o primeiro capítulo fora publicado nos EUA.
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