segunda-feira, setembro 21, 2009

Do outro lado



Esperava o sinal abrir quando vi as duas na calçada oposta. A mãe esguia, linda, pescoço elevando a cabeça rumo ao céu, cabelos presos num coque lustroso. Pernas longas em meias grossas, calçados com mocassins elegantes e baixos. Saia reta, casaquinho de lã, blusa branca impecável, a bolsa de couro de crocodilo pendurada no braço como se contivesse a cabeça de São João Batista.

Dava a mão à filha. Uns dez anos. Vestida de colant rosa, meias rosas, sapatos boneca. Ainda de tutu de ensaio, os cabelos impecavelmente presos num coque debaixo da rede. Bochechas vermelhas pelo exercício, na mão oposta uma bolsinha branca com letras brilhantes: Je suis une ballerine. E no rosto o embaraço de saber o que todo mundo estava pensando e já cochichava na calçada: "Como uma mãe tão linda e esguia tem uma filha tão gorda e desajeitada?"

Gorda. "Se pelo menos a mãe vestisse a menina de preto..." sussurra um cara atrás de mim. "Credo, como saiu assim?" diz a adolescente ao meu lado, ela mesma numa questionável blusa três números abaixo do seu. E todos olham e comentam com o vizinho o contraste das duas.

Sentia-se o frisson no meio-fio. Todos os olhos em cima da menina, que mirava e remexia os sapatos. A mãozinha gorducha apertada na mão da mãe, que se inclina e fala baixo com ela - e instantaneamente a menina empina o queixo, levanta a cabeça e mira o nada à sua frente. O sinal abre e as duas atravessam. E então eu olhei intensamente a mãe, na esperança que ela retribuísse o meu olhar e eu pudesse falar, sem palavras, como sua filha era linda.

Que bobagem. Ela sabia. Ao nos cruzarmos, banhei-me em dois profundos e claros poços de orgulho e amor.

2 comentários:

cris disse...

nossa, que texto mais lindo e emocionante. bjs, su.

Manu disse...

Muito emocionante mesmo.
Bjs.