quarta-feira, abril 29, 2009

A razão da minha tristeza

"A proposta de uma das atividades de recuperação (sim, teve uma parte oral e uma escrita, porque sei que muita gente tropeça na parte de escrever apesar de conhecer o assunto) da sexta série era simplicíssima: construir um diálogo entre duas pessoas que conversam sobre Idade Média.
Sem mais delongas, eis o conteúdo de uma das provas (19 de 38 alunos fizeram essa prova):

'O Carlos está ensinando para o Paulo o que é uma Idade Média. Ele está ensinando tudo para o colega dele.
Idade Média é quando você está se formando.
Cada fez [sic] que você passar de ano as coisas vai sendo mais difícil.
Eram o Carlos e o Paulo.
O Carlos está na Idade Média e o Paulo está no ensino Fundamental.
Os dois morava numa casa bem bonita.
Era bem bonita.
Um já estava-se formando e o outro estava no ensino Fundamental.
Para quem está na Idade Média não é fácil.
Por que cada vez que passa vai ficando mais difícil.
E hoje eu estou aqui por que eu estou estudando para ser alguém na vida.'

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Época de fechar notas me deprime de qualquer forma. Mas não estou nunca preparada pra encontrar esse tipo de coisa. Duas da manhã e eu nessa pilha, nessa raiva. Claro que eu fico com pena de uma criatura que passa horas do dia numa sala de aula desde os cinco ou seis anos de idade e vive um engodo. Porque ela está sendo enganada. Não está aprendendo qualquer coisa, mas ela acha que se tiver o caderninho em ordem ela já aprendeu. Experimenta escrever duas palavras numa lousa: você vai ver uma reação instantânea generalizada de copiar aquilo que você escreveu. Nada mais. Você tem que brigar, mandar todo mundo largar do raio do lápis e prestar atenção. Não venha me falar sobre "blá blá aula expositiva blá blá didatismo". Não há nada que substitua a mediação oral do professor, vá pro inferno você que pensou nisso aí da linha de cima. Inclusive porque estamos falando de uma sociedade não-letrada. Então a oralidade pode ajudar quando a escrita não acha lugar (aí entra a minha preocupação com a prova oral).

Como eu ia dizendo, fico com dó dessa gente, que não sabe a extensão da perversidade do sistema que mente pra eles. A mãe jura por tudo quanto é santo que o filho tá indo pra escola estudar. A gente jura que está ensinando alguma coisa. O aluno jura que está fazendo algo certo. O Estado jura que dá uma estrutura decente.

Eu queria tanto poder colocar a culpa em alguém, apontar o dedo e dizer barbaridades. Culpa da menina, que com certeza mais que absoluta não se preocupou nem em saber o assunto que cairia na prova (ela foi bem mal na parte oral, que salvou tanta gente); dos pais que são a um tempo só omissos e vítimas do mesmo engodo; dos professores que ela teve até a quarta série, que não serviram pra porra nenhuma e com certeza instituíram a cultura da cópia nos alunos em vez da reflexão; lidam com uma quantidade imensa de alunos por sala e que em tantas vezes são muito mal formados, mal pagos, ou até acomodados no cargo público e na justificativa do salário baixo; no Estado que permite esse crime chamado progressão continuada e que segue Parâmetros Curriculares baseados em um método de alfabetização equivocado pra nossa realidade; nas instâncias ligadas à promoção da educação e da leitura. Culpa minha, que não devo estar sabendo dar aula, que insisto em uma profissão como essa enquanto devia fazer um acordo doméstico e esperar passar em um concurso sem trabalhar. Culpa até da minha mãe e do meu pai, que me criaram pra ser independente, ter profissão, investir em mim, fazer o melhor que puder, brigar até o fim.

Pronto, achei muitos culpados, tá resolvido. Acho que já posso dormir.

Boa noite."

Por Deborah Capella

Deh, eu chorei de raiva. Porque impotência, ao contrário do que se pensa, não tem remédio. É usar balde para esvaziar o oceano. Minha mãe foi professora de escola pública por quatro décadas. Eu ria das besteiras que lia naquelas provas. E hoje me envergonho muito disso.

7 comentários:

Solange disse...

Não sabia que você também era filha de professora! A minha mãe acabou desistindo lá pelas tantas, fez um concurso (diferente do texto, ela trabalhava pra burro, mas pelo menos o resultado no fim do mês compensava) porque não valia a pena. Acho tão triste...

Manu disse...

Tenho vários professores na família, ainda hoje, tia, sogra, cunhado, etc., todos tentando fazer o melhor com o pior que lhes é oferecido. Estudei em escola pública, e passei no vestibular (de uma faculdade particular, porque o curso pelo qual optei era muito concorrido na Federal). Consegui concluir o curso superior, graças aos esforços da minha mãe. Mas na minha época, a escola pública ainda tinha alguma qualidade. Hoje, só penso em conseguir, pelo menos, custear os estudos dos meus filhos até que eles se graduem.
E fico muito triste com tudo isso!!

. disse...

É uma coisa tão difícil pra mim..porque eu fico pesando tudo, tudo: penso nas crianças que eu amo de paixão, penso no gosto que dá quando a gente vê algum resultado mínimo. Mas aí vou e penso no aspecto de ser atualmente babá, professora, carcereira, psicóloga, etc. Não é isso que eu quero pra mim. Não foi pra isso que estudei tanto. E também fico pensando que putz, essa história de "pequenas alegrias" não dá, cansei de migalha, sabe? É incômodo também saber que sou parte de um sistema de ensino ruim, sou uma peça de uma máquina gigante que não funciona, represento uma instituição opressora e que não sei se vale algo pra quem a frequenta. Em outras palavras: sinto-me supérflua e incompetente. E nem cheguei ainda na parte do salário.
Mas então. Paradoxal, um dos motivos para eu pensar que não dá pra parar agora é que meu trabalho é estável e eu preciso dele pra pagar a escolinha do meu filho. Eu represento uma instituição na qual eu não acredito e onde não quero colocar meu filho pra estudar. Difícil e doloroso.
Só sei que realmente estou deprimida nesses dias.

josue mendonca disse...

Olá Suzana
adorei o blog,principalmente a linguagem, a suavidade, a emoção transmitida em palavras de forma simples e clara. gosto de textos assim, que falam de coisas sérias como o sistema educacional brasileiro, com um tom de humor e sem pretenções de querer ser a verdade absoluta
adorei a frase ''Eu queria tanto poder colocar a culpa em alguém''
realmente, muitas vezes nos sentimos impotentes porque vemos tanta incoerência e não sabemos quem exatamente responsabilizar e dar um grito!
parabéns pelo blog, pelo talento e pela atitude crítica
escreva sempre. A blogosfera precisa de blogs feito o seu
abraços

Zezel disse...

OI Suzana, passeando pelos Blogs cheguei aqui. Adorei os textos e as fotos. Coincidentemente, na minha primeira visita, o texto é bem sobre as minhas angústias de professora... Mas eu, ao contrário de muitos, não me arrependo, não tenho vergonha, nem sinto culpa por ter escolhido a minha profissão. Nos últimos anos estou à frente do sindicato e tenho lutado muito por melhores condições de trabalho. Sou otimista. Ainda acho que tem jeito.

Beijão e parabéns pelo Blog.

Suzana Elvas disse...

Josué e Zezel;

Agradeço a visita; os elogios transfiro-os para a Deborah, a autora do desabafo.

Dedêza Arruda disse...

O bichinho do garoto dessa prova devia viajar nas aulas de Historia... eu as vezes acontceia de me pegarem de surpresa com alguns temas de redção mesmo, nao era muito boa em historia, mas apesar disso tinha uma escrita boa e seuia em frente usava minha imaginação como essse ai rsrs... sem vergonha nehuma de falar isso aki! Agora estou eu estudando p a ultima prova do penultino ano de faculdade de nutrição, e a materia ´e Psicologia... queria tanto acordadr cedinho e começar a estudar sei que é gostoso mas dai esqueço q o mais importante é estudar qnd me vejo to aki na net aff... sim so p ter noção em apenas um capitulo que diz: "beleza botando a mesa desde o egito antigo" tenho q saber qual o padrao de beleza de kd epoca... egito antigo, Na Grecia, na iDADE Media, no renascimento, nos tempos modernos e contemporaneos... uma tuia... ain fora os outros capitulos q falam de anorexia, bulimia TCAP(Transtornos compulsivos alimentares periodicos, e vamos boatar mais uns 5 capitulos, uns falando da vida sexual dos alimentos e bla bla bla! a prova é hj de noite e tomara que eu esteja com uma imaginaçao fertil! rsrs beijos parabens pelo blog axei interessante1