Era novembro; fim de tarde, quase cinco horas. Eu tinha acabado de dar banho nas meninas, os cabelos molhados ainda, quando ouvimos o que parecia uma banda na porta de casa. Prendi os cachorros e descemos até o portão para ver. Na amurada da nossa casa, antes do último lance de escadas, por cima do muro, ficamos nós três, M. agarrada às minhas pernas, sem piscar; J. no meu colo, mal respirando. E eu, explicando a elas o que era o jongo - pois era isso que estava a se apresentar na minha rua: um grupo de jongo, os dançarinos com suas roupas de trapos, o grupo musical tocando com o som forte dos tambores, a cantoria. E as meninas fascinadas, sem desviar os olhos daquele grupo numeroso, materializado não sei de onde, mas que devia ter vindo de muito longe, tal o estado do ônibus estacionado na calçada em frente ao meu portão.
Jongo. Quantas crianças sabem o que é isso? Você já viu algum? Eu, só uma vez. E nós recebemos aquilo de presente, aquela apresentação magnífica, sob o céu avermelhado que se abria em estrelas depois de um dia inteiro de chuva. E as meninas, descalças, pés molhando poças, regalaram-se até que o frio as empurrou escadas acima em direção ao cheiro do pão de queijo do lanche.
E uma pequena sombra desceu e resfriou meu coração. Essa e outras coisas que eu divido com as meninas ficarão apenas na minha cabeça, porque elas não mais se lembrarão - M., talvez. E me entristeceu que não houvesse alguém a me ajudar a subir as escadas e lembrar dessa tarde mágica.
A isso, meu amor, eu chamo solidão.
domingo, fevereiro 06, 2005
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