Este ano, minha filha mais velha começou a aprender a escrever. Primeiramente o nome; antes, apenas reconhecia as letras.
Meu bairro, Santa Teresa, é um morro. Basicamente, a encosta em que moro tem a rua de cima e a rua de baixo. Para se chegar à minha rua, há dois caminhos: ou descemos uma ladeira íngreme que começa num dos três largos (Largo das Neves (é o meu), Largo do França, Largo dos Guimarães – existe o Curvello, que não tem Largo no nome mas é um, em essência) ou descemos uma escadaria de 156 degraus.
Normalmente, desço pela escadaria, que começa na rua de cima exatamente em frente aos pontos do ônibus e do bonde. Minha pequena adora descer essa escada. Para ela, é a escada dos nomes.
Ela aprendeu a reconhecer as letras que compõem seu nome porque ela vive em Santa Teresa e, como moradora desse pedacinho maravilhoso do Rio de Janeiro, o fez saltando por sobre os versos de Augusto dos Anjos. Nessa escadaria, com seus cansativos, melancólicos e cinzentos 156 degraus, estão impressos os versos de "O mar, a escada e o homem".
Só quem pode ler é quem desce; afinal, quem sobe maldiz a escadaria que, da rua de baixo, não mostra o seu topo, tal a extensão. Mas quem desce vai lendo os versos, fragmentados uma palavra por vez. Quem desenhou a escadaria ainda teve o requinte de dividir as palavras de tal maneira que a última palavra do poema só aparece depois de findo um lance de escadas – ela está imprensa no primeiro degrau do lance seguinte. "Caos!", espera quem desce. O poema termina no meio (não na metade) da escada, e você desce o restante pensando no que Augusto dos Anjos quis dizer. Quem quiser ler depois o poema inteiro pode fazê-lo num quadro afixado logo no início da escadaria.
Pois foi assim, pisando nos versos do poeta, agachando-se hora aqui, hora acolá, passando o dedinho pelo desenho das letras, subindo e descendo alternadamente os degraus num ziguezague pleno de "Olha ali a letra de fulano!" que minha querida filha aprendeu a reconhecer o seu, o meu nome, o da irmã. Procurou as letras de "mamãe", "papai", "vovó", "irmã". Mesmo sem saber ler nem imaginar quem foi o poeta, minha menina procurou achar-se (e se achou) nos versos de Augusto dos Anjos.
quinta-feira, fevereiro 24, 2005
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