sexta-feira, agosto 21, 2009

Desencaixe



Eu não sei o momento exato em que o interior se descolou do exterior. Claro, sempre tem aquela conversinha inútil e fútil do tipo "Mas eu não me sinto com 30/40/50/60 anos!" Mas em algum momento da minha vida passei a viver dois tempos, duas cronologias.

Eu tenho me olhando no espelho de maneira muito cruel, ultimamente. Já fui mais camarada - me lembro como me surpreendi ao me ver extremamente brilhante e bela, os cabelos revoltos, despenteados, a boca muito vermelha de lábios inchados, as maçãs do rosto parecendo cetim rosa depois de ter feito amor durante a madrugada. Hoje, saio do banho e vejo, enrolada na toalha, uma mulher de 43 anos, cabelos compridos e avermelhados, pele branca não tão imaculada como já foi um dia; as rugas se acumulando ao redor dos olhos, mesmo quando não estou sorrindo. O pescoço que já mostra que não será firme por muito tempo, o colo marcado por eu gostar de dormir de lado e não como uma múmia em seu sarcófago, como mandam as revistas mulherzinhas.

Mas o que me dá mais tristeza são minhas mãos. Eu olho as de Zé Colméia e vejo as minhas mãos de 20 anos atrás. Sem as veias saltadas, sem os dedos que começam a engrossar e denunciar a artrite que grassa na minha família e hoje deforma as mãos de minha mãe. Meus dedos continuam longos, mas sem a graça de antigamente.

E eu me pego na rua pensando nos meus 18 anos. Para mim foram ontem; o mundo me diz que já se passaram 25 anos - uma vida, uma geração. Olho para homens que me interessariam, e eles passam sem virar o rosto, porque eu não os interesso. Sou mãe, e como tal, assexuada. Não-desejável.

O eu-de-dentro ainda espera a chance de fazer tudo o que planejou um dia. Sentou e pacientemente aguarda os dias em que poderá, como sempre fez, dormir e acordar sem horário fixo. Comer o que quiser, tomar sol o quanto quiser. Nem chegou à metade da vida. Poderá trocar de namorado quanto tiver vontade, ou entregar-se sem reservas àquele que estará com ela nos próximos 80 anos.

Mas o eu-de-fora não tem mais pela frente 80 anos para viver. E, o que é pior, não se conforma por ter se adiantado na estrada enquanto a outra, roupas descoladas, dinheiro no bolso, pele sem marcas e a vida pela frente, continua querendo diversão - e mantendo-se ainda com esperança inabalável de que ela, finalmente, chegará.

4 comentários:

cris disse...

que texto mais lindo e triste. eu acredito que a gente tem muito pra viver aos 43 anos, su. e não falo issoda boca pra fora. mas é preciso ter vontade de ter um encontro com essa pessoa que não é assexuada. porque tem várias coisas que nos constrangem, nos limitam, mas acredite: onde vc só vê rugas e flacidez, tem uma mulher que é bonita ainda, que tá cheia de desejo. mas tem que perder o medo e dar voz [e vez] a ela. ai, desculpa o tom 'auto-ajuda'. eu ando meio piegas mesmo [mas é tudo verdade]. beijo grande

Cristine Martin disse...

Claro que a vida deixa marcas na gente, não dá para viver 43 anos sem que isso transpareça nas mãos, na pele, no olhar (especialmente no olhar). Mas a vida também deixa marcas positivas.

Tenho 45, e também trago minhas marcas. Não gostaria de viver tudo de novo, mas não quero apagar tudo aquilo. É o que faz de mim quem sou. Suas marcas fazem de você a Suzana que você é, e com certeza é uma pessoa mais rica hoje que aos 18.

Um grande abraço, e torço para vê-la mais leve e feliz em breve. A vida ainda tem muita coisa boa à sua espera, pode ter certeza disso.

(desculpe se pareço intrometida, pois pouco comento aqui, mas apesar disso, quero vê-la feliz. mesmo.)

Anônimo disse...

suzana,
considerando que a expectativa de vida média das mulheres brasileiras é de 84 anos,vc ainda tem metade de uma vida pra viver^^
talvez não seja a metade mais glamurosa,mas ,sem dúvida,tem suas belezas,mas elas só se mostram pra quem quer vê-las!!!
tenho certeza de que vc é uma mulher bonita,e msm que não seja(sem falso desprendimento de senso de beleza),vc ,sem dúvida, tem coisas muito mais bonitas e admiráveis para oferecer ao mundo do que belas mãos!!!
eu odeio essa frase,mas ela às vezes,só às vezes,funciona:PRIMEIRO A GENTE SE AMA,PRA DEPOIS SER AMADA
se cuida
bjo carinhoso

Dita Von Claire disse...

não faz assim, colega.
chegou a me dar um nó.
eu sinto isso tudo aí. credo viu.