sexta-feira, outubro 02, 2009

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No dia 17 de novembro de 2007 eu perdi uma pessoa muito querida, a menina que usou bravamente o bagaço de limão que a vida lhe dera e fez dele um banquete onde me fartei generosamente. Carolina, esse era o nome dela. Depois que ela se foi, acompanhei por um tempo sua mãe tentando se reeguer, voltar a viver sem aquela que fora sua companheira por tanto tempo de luta e solidão.

O pai de Carolina foi ausente desde que trouxeram da sala de parto aquela menina com o rosto deformado - sumiu pelo mundo duas horas depois de sair da maternidade; sua mãe, Maria, era "Senhora soberana". Queriam chamá-la também de Anunciação, mas o avô de Carolina não deixou: se é para ter nome duplo que fosse Daniela - "Deus é meu juiz". Maria Daniela era Danusca pra muita gente, inclusive eu, porque ela não gostava de Danny ("Isso é coisa de adolescente; tenho muito cara de velha pra ter gente me chamando de Danny"). Baixinha, era "Troco" para minha irmã, que terminou tomando meu lugar ao lado dela quando eu me mudei para o Rio. Era "Mamili" como Carol gostava de chamá-la, principalmente quando queria alguma coisa ou quando a via irritada com a vida em geral e com as pessoas em particular.

Minha amiga ontem foi dormir e não acordou. Porque no meio de tantas coisas que ficaram da filha estavam os remédios que a ajudavam a suportar a dor - e que minha Danusca usou para debelar o seu próprio sofrimento. Ela jamais conseguiu lidar com a perda daquela que era, no fim das contas, o motor que empurrava sua própria vida. Porque, como minha amiga dizia, "tudo muda quando a gente vê que sua filha sequer pode apreciar um picolé que custa centavos; o que vale o dinheiro, então?"

Danusca deixou tudo arrumado. Separou em vida o que não valia a pena ser guardado. Deixou em caixas separadas o que queria que seus amigos recebessem - porque ela não tinha mais família; sua família éramos nós. Não deixou uma conta sem pagar, todos os recibos organizados, seu enterro acertado.

Maria Daniela e Carol. Eu choro não por causa da vida das duas. Elas se conheceram, e o mundo hoje - meu mundo, pelo menos - é melhor por causa delas. Eu choro porque não consegui me despedir de nenhuma das duas. Porque Danusca não me avisou que ia partir assim. Porque elas foram embora e eu fiquei aqui. Chorando meu egoísmo de querer ter as duas, sempre, ao meu lado.

6 comentários:

Marcus disse...

Muita força pra você. Conheço seu blog há dois dias e já sinto uma grande empatia.

É muito ruim isso de não poder se despedir. Eu tive a chance de fazê-lo com a pessoa mais importante da minha vida, minha mãe, que passou um ano sofrendo de um câncer que a gente não sabia se ia levá-la, mas pelo menos nos deu a oportunidade de ir se despedindo aos poucos e se acostumando com a idéia da partida.

Tina Lopes disse...

Não sei o que dizer.

Carolina disse...

Suzana, beijo enorme pra você. E força (mais do que você usualmente já tem).

Ana disse...

Oi Suzana.
Sinto pela sua perda. Muita paz pra você.

Conheço seu blog há um tempo, e admito muito. Você consegue transmitir facilmente certos sentimentos, que às vezes até me faz chorar. Ora de alegria, ora de tristeza.
Parabéns pelo blog e, mais uma vez, força.

Beijo

cris disse...

eu também não sei o que te dizer, amiga. só que às vezes a gente acha que sofre por conta de coisas rigorosamente ínfimas, aí lê uma coisa dessas e fica afásica. é bem esse o sentimento. um beijo.

Hellen disse...

Sinto muito. Mesmo. Quase não escrevo mas leio sempre. Hoje, mesmo com os olhos marejados e o coração apertado, não pude deixar passar...

Beijos e um abraço bem quentinho.