sexta-feira, agosto 08, 2008
Noturno
Sempre durmo de madrugada - se pudesse, viveria sempre ali, quando as ruas estão vazias e dormem os cães, a poeira sobre os móveis e as folhas nas árvores. Escuta-se um alfinete gritar "Ah!" antes de cair no chão. É nessa hora, em que eu desligo a TV e apago todas as luzes, que vou andar pela casa. Eu não enxergo bem no escuro, então espero os olhos se acostumarem e a pele começar a detectar móveis e paredes para ir à cozinha, passear pelo terraço ou andar pelos quartos.
Minha última parada é sempre o quarto das meninas. Abro mais ou fecho bem a janela, desenrosco as cobertas da confusão de braços e pernas, ajeito os travesseiros, recolho a pobre boneca que, empurrada por uma das 857.595.004 de suas irmãs que dividem com ela uma almofada, acaba no chão.
E me sento na beira da cama e acaricio minhas filhas. A Catatau não resisto fazer cosquinhas, porque adoro o risinho de covinhas que ela me dá, de olhos fechados, e um "Pára, mãe!" que quer dizer "Mais um pouquinho, por favor." Mas ela só recebe. Com Zé Colméia é diferente. Mesmo dormindo, ela acaricia minhas mãos e meus braços, procura no escuro do sono o meu rosto. E naquele momento é aquela que vive dentro de mim quem fala. Suzana sussurra para elas todos os desejos, todas as ambições, todo o belo futuro que ela almeja para ambas. Desfia recordações, fala de gente que amou e deixou pra trás no corredor do passado ou simplesmente na memória, nomes guardados entre os remédios horríveis da infância e as flores que cheirou no dia de sua primeira comunhão.
Esse ritual ela faz todas as noites, porque quem se levanta de manhã é a outra, aquela que carrega nos ombros a responsabilidade de fazer dos sonhos de Suzana, realidade.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
xeu te contar um segredo: as suas crônicas com as meninas sempre me deixam de olhos marejados. toda vez.
Meu Deus, que texto lindo. Se eu renascer, escolho você para minha mãe.
Sou comentadora do blog da Luma.
Postar um comentário