quarta-feira, dezembro 19, 2007

Inícios e fins

Uma das coisas que eu mais faço (aliás, faço mais do que o habitual) é pensar no passado. Eu sou canceriana, e acredito que possa descontar aí a minha mania de sempre pensar e repensar o passado, imaginar caminhos outros que não os que eu escolhi, jogar mentalmente com as infinitas possibilidades que se apresentaram. Não, jamais me arrependi do que eu fiz - mesmo me casar, porque se não fosse meu ex minhas filhas não seriam assim tão especiais. Não seriam o que são.

Estava eu pensando em ritos de passagem. Porque agora eu venho sozinha trabalhar de manhã - as meninas estão de férias. Então eu sento no ônibus e venho pensando. Ritos de passagem. Há sempre acontecimentos que, parece, encerram uma etapa da nossa vida. Às vezes é uma frase, às vezes uma situação.

Eu me lembro quando minha infância de encerrou. Eu tinha uns 12 anos. Morávamos em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Meu pai trabalhava em outra cidade, e precisava ir receber um dinheiro extra na capital. "Por que você não vai hoje, pai?" "Porque eu tenho R$ 18 e a passagem de ônibus custa R$ 23." "Pega mais no banco." "Não há mais o que pegar. O dinheiro acabou."

O dinheiro acabou. Salário. Contas. Despesas. O dinheiro acabou. Alô, responsabilidades.

Sentada em frente ao computador na minha sala, na editora em que eu trabalhava, me dividia entre pilhas de livros para examinar, uma lista de autores para contactar, jornalistas esperando respostas, eu correndo pra dar tempo de pegar Catatau na creche e levá-la ao pediatra, voltar ao trabalho e depois, às sete da noite, correr para a FGV para o curso que graciosamente a publisher da editora tinha conseguido para mim. Entra a mensagem do meu ex: "Você não disse que ia escrever a coluna pra mim hoje?" "Não posso, estou atolada de trabalho. Por que você não escreve?" "Porque você se comprometeu, sua inútil." Me lembro até hoje da posição da mensagem na tela. A dor que eu senti na hora - e que eu sinto ainda hoje, e que agua meus olhos nesse exato momento.

Ali, naqueles segundos que eu levei para ler essa frase, meu casamento acabou.

"Oi Helena!" E aí a pessoa piscou os olhos, se desculpou e sorriu: "Desculpe, achei que era a sua mãe." Minha mãe, com seus 68 anos. E eu me olhei no espelho do elevador e vi que estava vestindo o mesmo tipo de roupa que a minha mãe. Uma mulher de 40 anos vestindo-se como uma de 68 anos.

Não, sou muito muito nova pra me enterrar assim. Muito nova pra aceitar que a vida é "deixa pra lá", é "não vale a pena". Muito nova pra ser um zero à esquerda, "uma inútil".

3 comentários:

Anônimo disse...

Isso aí: bola pra frente que atrás vem gente. Pode parecer difícil (e é) mas apegue-se as coisas boas (principalmente suas filhas) para levantar a cabeça e seguir em frente.

anouska disse...

a tua reflexão está certa. passa por cima disso igual a trator e vai em frente. qualquer coisa, pede ajuda. bj

Renata disse...

:*

mas nem se você quisesse conseguiria ser inútil...

feliz natal pra você e pras meninas!