Chega uma hora na vida da gente em que a vontade é entregar os pontos. Dizer "cansei" e deixar a maré nos puxar para o fundo, mandar alguém tomar conta, desistir. Depois de perder minha afilhada de maneira estúpida, Zé Colméia está suspensa da escola por dois dias, por ter agredido um inspetor com uma tesoura. A escola sugere "com veemência" que ela faça terapia. Catatau fala de uma maneira que ninguém entende, e para o próximo ano terá que fazer fonoaudiologia. Ambas precisam urgentemente ir ao dentista, e a editora que me contratou para dar consultoria - e que me exigiu full time - acaba de me comunicar que o pagamento do próximo dia 5 (ou seja, amanhã) é o último. Posso então contar em receber R$ 0 em janeiro. R$ 0 no mês em que as crianças estão de férias em casa, comendo e gastando o dia inteiro. R$ 0 no mês das listas de material escolar, dos uniformes. Mês parado no mercado editorial, sem nada pra fazer. R$ 0 num mês sem trabalho.
Eu já cansei de contar as vezes em que eu caí e me levantei. Já perdi nas lembranças quando almocei pela última vez, uma refeição decente, não pão com margarina e água - quando tenho dinheiro para o pão e a margarina, e gasto sem pensar em quantas passagens de ônibus esse mesmo valor pode pagar. Já esqueci quando comprei alguma coisa boa para mim, sem sentir culpa. Quando dormi tranqüila à noite com as contas pagas. Quando tive dinheiro para uma emergência. Quando sentei e tomei um chope. Quando, com centavos no bolso, não enganei o trocador de ônibus dizendo que peguei a linha errada - fazendo isso umas quatro vezes para tornar menos penoso o caminho até o lugar onde eu receberia dinheiro. Não me lembro o exato momento em que deixei a vergonha e o pudor de lado e comecei a achar isso normal, aceitável, justificável.
Já me esqueci da última vez em que atendi o telefone sem medo de ser alguém me cobrando dinheiro. Quando pude comprar alguma bobagem para as minhas filhas. Quando deixei que comessem quantos biscoitos quisessem. Quando levei as duas para comer fora sem me arrepender amargamente depois. Quando pensei em me tornar interessante para o mundo e deixar de ser a sexualmente morta que sou hoje.
Não me lembro mais quando mandei consertar alguma coisa quebrada, quando marquei uma consulta médica e fui, sem precisar me preocupar se teria dinheiro para o remédio depois. Já me esqueci quando foi a última vez em que não pensei em dinheiro, dívidas, o futuro imediato das meninas ou como sobreviver à próxima semana, ao próximo mês.
Já me esqueci quando foi isso. Ouvindo a pessoa do outro lado dizendo "Não precisamos mais dos seus serviços" me lembrei da cara de desolação de uma conhecida da minha mãe, ao saber que eu estava desempregada: "Seus pais não criaram você para essa vida." Naquele dia, inexplicavelmente, sem razão, senti vergonha, uma imensa e devoradora vergonha de ser o que eu sou.
terça-feira, dezembro 04, 2007
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8 comentários:
Suzana... você não pode recorrer a algum parente, amigo...?
Pergunta estúpida, eu sei. No mais, espero que as coisas melhorem pra você. Que você tenha força pra dar mais esse passo.
Beijos.
eu acho que não é nenhuma vergonha a gente entregar os pontos. admitir que não está dando conta pode ser a solução mais saudável, suzana. você certamente tem amigos que podem te ajudar. o problema é que às vezes a gente tem que admitir que o outro lado ganhou uma batalha. temporariamente, mas ganhou. se assim for, recolha as armas, se recomponha e volte pra briga depois. isso não é vergonhoso. isso é humano. bjs, querida.
Eu sei exatamente o vc está passando... já passei por tudo isso e com um adendo: grávida da minha terceira filha...(muitos suspiros)... Tinha que pegar 02 ônibus até meu serviço, porém pegava 01 só... economizava 01 passagem e fazia o restante do trajeto a pé, eu e meu barrigão... Não podia me dar ao luxo de reclamar, pedir ajuda ou simplesmente chorar, eu era a ERRADA da história, eu tinha procurado por tudo o que estava passando. Resumindo: DEUS É PAI!!! Hoje 02 anos após, estou buscando minha felicidade e de cabeça erguida !!! A SUA FELICIDADE está bem aí... tenha calma e paciência... não abaixe a cabeça nunca e se precisar chorar, chore sozinha, no silêncio do seu quarto.
O que dizer para vc?Que não é só vc que está passando por isso?Meu ex que é ausente total(não vê nem liga pra filha há 8 anos)mais uma vez pediu para sair do trabalho para não pagar a pensão é mole?Isso significa que vou continuar com minha vida atrelada ao fórum e daqui há tres meses ele volta para a mesma firma até eu descobrir e a pensão da minha filha voltar. E olha que é um alto executivo. E o colégio?matricula,livros?Porque essas coisas acontecem?Não sei responder...Como vc perdi há uma semana um ente muito querido que casado com uma prima fazia as vezes de pai para minha filha.O que dizer para uma adolescente que perde o seu referencial masculino?O que dizer de um erro médico?Por que pessoas integras e boas se vão tão cedo?Sei não,ando procurando respostas mas não as encontro.Mas não adianta desesperar,é olhar pra frente e prá cima e andar,andar com a esperança e a certeza que uma hora muda,tem que mudar.Fé amiga,podemos ficar cansadas,exaustas mas,não podemos entregar os pontos,isso não!!bjuss fica com Deus!!!
Que merda. Queria muito, do fundo do coração, que as pessoas que eu gosto muito, tipo... você :), ficassem bem, se dessem bem. eu ainda acho que isso vai acontecer.
Querida, força. Assino embaixo tudo que a cris escreveu. Só quero que saiba que estou daqui torcendo e mandando todas as energias positivas que posso para vc.
...
tantas e tantas palavras que você escreveu, e todas (menos a das suas filhas, ainda não tive) se encaixam na minha vida.
a gente tem que ter criatividade. o problema é que para ser criativo nessa vida, a gente precisa de bom-humor e força pra enfrentar essas coisas da vida.
são ciclos. eu prefiro acreditar que sim.
fica em paz.
tudo melhora.
beijo
você gostaria de almoçar comigo na quarta-feira 19/12/2007. Metrô da cinelandia a hora que você quiser.
O restaurante é alí perto, bem legal, vamos conversar um pouco.
Please..
Marco ( blueeyes )
é, ainda leio o breviário...
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