A lei do menor esforço
Vivo recebendo pela internet pedidos de auxílio de estudantes. Na medida do possível respondo, e sempre de forma polida e gentil. Faz um tempinho, um grupo de estudantes de jornalismo de uma escola particular paulista pediu uma entrevista: precisavam fazer um trabalho sobre Monteiro Lobato. Pedi um tempo, andava viajando. Quando voltaram a fazer contato, pedi que antecipassem as questões. Quando as recebi, fiquei pasma. Algumas eram tão primárias que mera consulta a qualquer enciclopédia responderia a elas. Outras eram tão mal formuladas, que não se entendia o que indagavam:
"Perguntas em relação à Monteiro Lobato
* A senhora pode relatar resumidamente a infância, começo de carreira e vida de Monteiro Lobato?
* Quais foram os principais prêmios adquiridos por Lobato?
* Quais foram os principais trabalhos do autor?
* Monteiro Lobato até hoje tem fama de ser uma pessoa nacionalista por aplicar em seus personagens personalidades fortes e que tem a intenção de mostrar algo que, talvez, esteja errado no país, ou até mesmo no mundo. Como você explica isso?
* A personalidade dos personagens tem alguma relação com os últimos acontecimentos (em relação à política)?
Perguntas em relação ao Sítio do Picapau Amarelo
* Na sua opinião o que leva um programa que foi criado nos anos 50 ser sucesso até hoje, de forma e gerações tão diferentes?
* Qual a essência das histórias do Sítio do Picapau Amarelo?
* Qual (quais) personagem (s) do Sítio as crianças se identificam mais (na literatura e na TV)? Porquê?
* Através de seus estudos, como você define cada personagem do Sítio?
* Há mesmo em cada um deles uma personalidade nacionalista?
Peço que qualquer dúvida nos questione. Obrigado pela atenção e aguardamos retorno.
Abraços"
O pasmo transformou-se em indignação: pediam-me uma entrevista não porque conhecessem o que eu já tinha escrito sobre Lobato e quisessem discutir e aprofundar alguns tópicos, mas porque queriam livrar-se da pesquisa. Respondi passando um pito: disse-lhes que não tinham feito a lição de casa e que as perguntas eram primárias demais para merecerem uma resposta, quanto mais uma entrevista. Tentei ser gentil e pedagógica:
"Minhas queridas Fulana, Sicrana e Beltrana:
Como já lhes havia dito, nada entendo de televisão e, conseqüentemente, passo ao largo por todas as questões relativas ao programa do Sítio. Quanto às perguntas de literatura, vocês vão me desculpar, mas vocês parecem não ter lido nada sobre Lobato nem sobre sua obra. Nem trabalhos meus, nem de ninguém. Sequer pesquisas na internet vocês parecem ter feito! Fazem perguntas completamente cruas, primárias. Desculpem, e entendam esta resposta como uma lição de quem podia ser professora de vocês. Qualquer biografia que vocês consultarem fornece dados sobre infância e principais obras de Lobato. Acho, assim, que vocês precisam primeiro aprender o que já se sabe sobre Monteiro Lobato e só depois entrevistar pesquisadores. Combinado?
Um abraço e boa sorte.
Marisa Lajolo"
Aí as moças ficaram bravas: alguns dias depois me deram uma bronca, de novo maltratando nossa pobre língua, que eu julgava ser instrumento de trabalho de jornalistas :
"Querida professora,
Agradeço por ter nos respondido e ficamos agradecidas por nos dar total orientação. Entendemos que talvez seja melhor nós procurarmos outra pessoa uma vez que a senhora não disponibiliza de tempo para certas tarefas. Só quero certificá-la que estamos concientes que as respostas das questões enviadas podemos encontrar em certos locais, mas a senhora deve saber que fontes são necessárias para se fazer reportagem por isso não se preocupe, já estamos pautando outras fontes.
Boa sorte prá você também.
Abraços"
Ou seja, foi minha vez de levar um pito.
Ainda com as orelhas ardendo, pergunto a meus botões: é assim mesmo que se ensina a fazer jornalismo? Ensina-se que o jornalista vai de cabeça vazia perguntar ao especialista quando nasceu Monteiro Lobato, quais as obras mais importantes dele e que prêmios ele recebeu? E não se exige um domínio mínimo da modalidade escrita da língua portuguesa?
Meus botões ficaram perplexos.
E face ao silêncio dos botões, Monteiro Lobato, lá do etéreo assento, me sugere que convoque o Quindim e o Burro Falante para, com uma boa chifrada e um par de coices dar um jeito nestas escolas de jornalismo que desensinam os jovens...
Marisa Lajolo é doutora em Letras e professora-titular do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.
terça-feira, outubro 10, 2006
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7 comentários:
Eita nóis... fiquei com vergonha do meu português rebuscado...
Beijo.
É por essas e outras que gosto tanto das pessoas das Letras. Eu vejo cada coisa na faculdade de psicologia! São professores e alunos se esquecendo de "fazer o dever de casa". Não conseguem redigir em um português minimamente decente. Juro que, ao receber textos escritos por outros alunos em trabalhos grupo, fico escandalizada de ver que nada do que escrevem parece fazer o menor sentido. E os engenheiros aqui da empresa? Nem vou começar a falar. É triste.
vixe, a marisa foi até educada demais, eu teria rodado a baiana com as tais "jornalistas". talvez por isso as redações tenham tantos paus-mandados: com gente que não sabe pensar (e nem escrever) fica mais fácil o trabalho sujo de manipulação ser feito, né? bjs
ainda por cima a professora leva bronca...
pffffff
fim da picada.
aposto que dá tempo de sobra pra essas meninas pesquisarem algumas coisas do tipo:comer carboidratos a noite engorda? tomar água gelada em jejum melhora o intestino e emagrece?
é que "cérebro" dessas pessoas só armazena uma certa quantidade de informações que considera úteis pra vida delas. aí, sobra pouco espaço pro "resto", sabe como é.
beijocas
Enquanto vou comendo um pizza fria às 2:34 da madrugada, que se danem os carboidratos!! Se me permitem, gostaria de esboçar uma defesa à classe dos engenheiros. Se o dito cujo não tiver feito um bom segundo gráu, quando chega na faculdade de engenharia não há como aprender português com matérias tipo cálculo I e cálculo II, matemática aplicada I e II. Equações diferenciais, transformada de Laplace, séries de fourier etc... pressionando o aluno a focalizar todas as suas energias, para sobreviver nesse mar de lógica e exatidão. Como o ensino médio está decrépito, formamos engenheiros que mal conseguem se expressar. É uma falha, mas vamos dar um desconto para eles. Além do mais, a classe já anda tão desprestigiada. Sou engenheiro, pós em informática pela PUC Rj, e agora calouro na faculdade de Direito. Talvez agora eu aprenda a escrever rs rs rs. Desculpem se fui prolixo ( a palavra existe sim, olhei no aurélio )
A palavra que olhei no dicionário era Prolixidade, acabei usando a mais simples prolixo
Eu nem arrisco escrever nada. Analistas, pffff.
:P
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