segunda-feira, outubro 01, 2012

Os afogados e os sobreviventes*


A vida é somente histórias que contamos, me diz uma tcheca que mora na Inglaterra - é uma das milhares de crianças adotadas por famílias que receberam os órfãos da guerra. Ela descobriu, tarde na vida, que tudo o que ela sabia sobre sua família era uma ficção muito bem contada. Ou quase. Também está numa cruzada para achar seus quatro irmãos.

Somos seis na busca pela família Di Zio. Um mora na Áustria e pegou para si o encargo de entrar em contato com as organizações, como a Fondation pour la Mémoire de la Déportation, o Museo della Deportazione e o Simon Wiesenthal Center, numa lista com mais de 50 entidades. Eu faço a pesquisa e escrevo emails. Já mandei quase uma centena, contando a mesma história. Recebi algumas respostas, mas normalmente é de gente que quer compartilhar sua experiência. Um homem da Austrália me disse que o pior que aconteceu é que todos dizem "nunca esquecer" mas ninguém quer ouvir. Diz ele que, menino ainda, quando tentava contar tudo o que tinha visto era interrompido. Esqueça, isso já passou. "Não, não passou. Jamais vai passar. O que fazemos é arrumar uma grande caixa em nossa cabeça e, ali, guardar as lembranças. Mesmo sem pais, irmãos, primos, tios, amigos que partilharam conosco o sofrimento - porque eles mesmos se foram - a sua ausência é que nos faz lembrar, todos os dias, que nós conseguimos, e eles não."

Eu sei que é uma busca infrutífera. Conversamos nós seis esse fim de semana e sabemos que essa é uma tarefa para anos de trabalho - tempo que nosso Emilio não tem.

* Primo Levi. A dor torna-se um vício que só é curado depois de lido tudo o que ele escreveu.

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