terça-feira, outubro 06, 2009

Quem tem?

Eu não sei nem como falar isso sem soar repetitiva. E eu entendo que são momentos distintos, embora acredite bastante que ainda vivemos sob a "ética" da contracultura. Mas eu não poderia ficar mais incomodada do que eu estou. Com isso da mãe da menina. Que a mãe da menina deixou ela ir na casa do Jack Nicholson com o Roman Polanski. Olha. Se eu aprendi uma coisa estudando feminismo foi isso. Que a tentativa de trazer para o reino doméstico é um truque. E é super perigoso porque às vezes isso acaba nos servindo. E então jogamos também com isso. No reino do doméstico a gente sabe o que existe. É afeto que existe. E quando Gloria Steinem e o pessoal falou que "o privado é público" tava dizendo isso aí. Que temos que tirar da esfera do afeto e colocar na esfera dos valores. Redefinir os valores a partir dessas experiências que eram comuns a várias mulheres e acabavam relegadas a um conflito entre pessoas. Coisa que não é. Ou que também é. Mas não é apenas. Então a gente pode encontrar 500 mil mulheres que afirmam adorar cozinhar, lavar e passar pro marido e pros filhos e ainda assim vale a pena lutar para que ela possa não lavar. E ainda que aborto seja uma decisão pessoal e intransferível, a luta é por valores (como é óbvio nesse caso). Então *o* caminho do feminismo é esse. Pegar tudo do privado e desvelar. Eu não sei se alguém discordaria desse resumo. O que faz principalmente o feminismo? E a resposta ainda é essa, eu acho. Transforma sofrimentos privados em questões que interessam a todos nós. O feminismo é um humanismo. Quem me disse isso foi Naomi Wolf, a primeira vez. E a gente nota mesmo um monte de coisa. Que o espaço doméstico, ainda que seja domínio feminino, é o local onde se acua a mulher. Por ela ser a tal "rainha do lar", é em casa que não pode se defender. Então se a gente tá falando de um problema qualquer. Tipo os salários são menores. Você percebe que a panela não ferve. São menores e as mulheres devem continuar lutando e é mesmo injusto quando elas fazem a mesma função que os homens. Não ferve. Por isso é que mandam a gente pra casa, mesmo quando o assunto é da rua. Porque supostamente a colocam na condição de dona do pedaço. E aí ela tem que responder e dar conta do pedaço. Toda a vez que alguém diz uma coisa do tipo "onde que está a mãe dessa criança?", eu fico ressabiada. Primeiro pelo óbvio. Por que não perguntam cadê o pai? Quando não perguntam cadê o pai e martelam sem parar cadê a mãe. Já sei. Que vem machismo dos bravos. Que vão acuar a mulher no doméstico. Veja que ela deveria estar reinando em casa quando tudo desandou. Foi durante o mandato dela e tal. Mas tem a outra coisa. Que é a tentativa de não deixar o assunto vir pro público. Onde teria que se confrontar com valores e racionalismos e não mais com afeto. E lamento. Aí a gente vê que não querem que o assunto "suba". E ficam dizendo "a menina perdoou o Polanski", "a mãe não deveria ter deixado", "ela nem era mais virgem". E eu não vejo o que eu tenho a ver com isso. Tipo essas três coisas aí. Nenhuma delas é da minha conta. Começa a ser da minha conta naquele momento ali. Que há muitas meninas sendo jogadas em banheiras. E elas realmente não podem se defender. Então nós tentamos fazer isso. De forma bastante rudimentar. Com leis para punir quem as joga nessas banheiras. E com oxigenação da esfera doméstica, para que as meninas tenham coragem de nos contar. Ela teve. E contou pra mãe. E a mãe foi na polícia. E eu acho que assim estamos indo bem. E pá. Tem gente que volta o dedo contra a mãe. Para quê? Pra trancar o assunto em casa? DE NOVO? Foi tão difícil tirá-lo de lá. Eu vejo mulher que apanha do marido. E dá queixa e volta com o cara. E eu não fico tão tensa. Sério. Ela já fez um lance que eu acho fundamental. Ela já falou que apanha. Tenho sempre medo do silêncio. De tudo que acontece e fica trancado. Daí que fico puta da vida dessa tentativa de tentarem trancar a mãe e a menina. Caminho inverso. Tornar privado, o público. Vixê. Mas não entendo MESMO. É caso de polícia, não é caso de família.

Claro que danos subjetivos sempre ficam. Talvez a mãe da menina tenha tido culpa. Eu imagino o quanto ela não ouviu. No meu caso específico, até hoje. Toda vez que eu me lembro, eu penso. Eu deveria ter voltado de táxi. Não voltei. Me fudi. Etc. Meu tio falou. No dia. Também, pq vc não pegou um táxi? Não peguei. E isso não dava autorização nenhuma para me obrigarem a fazer sexo. Era 9 da noite, eu respondo. Mas, né? Nem que fosse as 4 da manhã. Eu não faço sexo se não quero. Se me obrigam, é um crime. Não pode ser tào difícil entender isso. Tem como soletrar mais?


Mary W.

2 comentários:

vera maria disse...

Nossa, que texto maravilhoso, que lucidez, quantas idéias interessantes vc traz, e ilumina o feminismo de novo para nós, que quase esquecíamos como ele foi importante, e ainda é para tantas. Concordo com tudo, e me solidarizo. E parabenizo. Grande texto, tomara que muita gente o leia...
um abraço,
clara lopez

Manu disse...

"Tornar o privado, público." É isto. É este o foco. Exato. Realmente, este tipo de violência não é caso de família. É caso pra ser discutido pela sociedade. Por todos nós. Excelente texto.