Mas aí o cara chega no caixa, bota sobre a esteira a cesta e
tira dela 16 itens. “Senhor, este caixa permite apenas compras de até 15 itens”,
protesta polidamente a caixa. O cliente então olha diretamente nos olhos dela e
diz, com ar de superioridade, “Ora, é apenas um item a mais, não é um problema
assim tão grande, não?” e sorri. A jovem não retruca (foi-lhe dito no
treinamento que o cliente sempre tem razão), abaixa a cabeça, fecha a compra, embala
tudo e o homem sai, cabeça erguida, com seus 16 itens.
A fila continua a andar. Alguns clientes resmungam, outros
sorriem, alguns mais resolvem ignorar o ocorrido (“Tem gente mal educada em
todo lugar, o que se pode fazer? Nada.”). Lá atrás, um rapaz viu a cena. Baixa
os olhos, conta quantos itens tem na cesta: são 14. Ele quer levar ainda um
pacote de batatas fritas, uma cerveja e um chocolate. “Ah, foda-se”, pensa,
enquanto vai pegando o que quer nas gôndolas por entre as quais a fila
serpenteia. Ao chegar sua vez, ele olha firmemente a funcionária do caixa,
depois de despejar o conteúdo da cesta na esteira. A moça não fala nada; apenas
baixa o olhar, registra tudo, embala as compras e recebe o dinheiro, em
silêncio.
Na fila do lado, outro homem observa a cena e sorri: ele tem
quase 20 itens no carrinho. Quando chega a sua vez, encara a mulher sentada do
outro lado da esteira - mas, para sua surpresa, ela se recusa a registrar suas
compras. “O senhor tem 19 itens, e este caixa é somente para compras de até 15”,
diz ela. “Isso é ridículo! É pouca coisa a mais!”, diz ele, ainda divertido e
já irritado. A caixa continua a argumentar e a mostrar a placa onde se lê “Compras
até 15 itens”, e ele começa a erguer a voz, a se inclinar sobre a esteira. Ela
permanece inalterada, e gesticula chamando a fiscal. “Esse senhor quer passar mais compras que o permitido.” “Senhor, infelizmente não podemos registrar o que o senhor
comprou porque...”
E o impasse continua. Algumas pessoas acham a discussão uma
bobagem sem tamanho (“Gente, isso acontece em qualquer lugar, qual o problema
se for uma comprinha a mais? Afe!”), outros dão apoio à funcionária, outros
obviamente não dão a mínima. O caso é levado ao gerente que, depois de se
aproximar e ouvir a história, se vira para a caixa e para a fiscal e diz “Pra
que essa confusão por causa de poucos itens? Vocês estão desperdiçando meu
tempo e, pior, o tempo do cliente! Ele se enganou, pegou itens a mais, e daí?
Todo mundo faz isso! Em vez de reclamar você deveria ser mais ágil, assim as
compras passariam mais rapidamente, a fila andaria e o cliente não sairia daqui
com o dia arruinado por conta de um problema inexistente que, no fim das
contas, foi você (e aponta o dedo pra cara da caixa) quem causou.”
Fechada a conta, o cliente vai embora, feliz com seus 19
itens e porque (alguém duvidava?) ele tinha razão. O cliente sempre tem razão.
Ao longo do tempo, são muitos os que testam se conseguem
passar com mais de 15 itens pelo caixa rápido. Algumas semanas depois, já era
possível ver compras de 20, 25 itens rolando pelas esteiras. As funcionárias
eram orientadas a não criar caso – porque, afinal, o que são algumas poucas
coisas a mais? Caras novas, velha
estratégia. Ainda havia quem resmungasse entre as filas, mas de nada adiantava:
o cliente sempre tem razão. E foi por isso que, em poucos meses, carrinhos
abarrotados se enfileiravam nos caixas de até 15 itens. Mesmo tendo quem reclamasse
com o gerente (que botava invariavelmente a culpa na caixa, que sempre era “lerda
demais” e “pouco inteligente”, além de “não entender nada”), muitos pensavam “Ah,
isso acontece por toda parte, é da cultura, o que se há de fazer?”, enquanto uma parcela
significativa (que despejava muito mais que 15 itens na esteira do caixa) achava ótimo
porque “Ora, são poucos itens a mais, qual o problema?”
Lucía Pérez mostrou a tod@s nós qual é o problema.
Buenos Aires, Argentina, 19 de outubro de 2016. #NiUnaMenos |
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