sábado, julho 05, 2008

Há sete anos



- Mamãe, posso comer mais um docinho?
- Só mais um, filha, você comeu três, já. Vai ficar com dor de barriga.
- [...]
- Tia C, posso comer mais um docinho?
- Claro, querida, olha aqui.
- [Nhoc, nhoc, nhoc] Fulana, posso pegar mais um docinho?
- Ué, cadê a sua mãe? Ah, sim, pode sim. Abre a mão.
- [Nhoc, nhoc, nhoc] Por favor, a senhora pode me passar mais um docinho daquele ali?
- Nossa, que gracinha que você é! Toma, abre a mãozinha, assim. Bom, né?
- [Nhoc, nhoc, nhoc] Dá licença de eu pegar mais um doce? Obrigada!
- [Nhoc, nhoc, nhoc] Peraí, moço! Abaixa a bandeja, por favor, que eu não alcanço! Ah, obrigada.
- [Nhoc, nhoc, nhoc] Oi, Beltrano, você pode pedir pra sua mãe mais um docinho? Os que tavam nas bandejas acabaram. Acho que tem mais na cozinha, né?

Alguém tem que ser retirado do recinto: a comida ou Catatau. E ela achou, com aquele jeito gordinho e fofo, uma maneira de, sem que eu veja, conseguir mais um docinho aqui, mais uma comidinha acolá. Mas tudo tem um preço: ela começou a perceber que a gastrite que desenvolveu comendo porcarias na casa do pai cobra um preço alto a cada comilança. Então, o jeito foi tornar-se uma gastrônoma de primeira - só come o que vale a pena ser comido.

Tudo bem que, de vez em quando, aquele amendoim vagabundo tem vez mas... Fazer o quê? A vida é cheia de surpresas, e uma dama não comenta que a irmã ainda tropeça na hora de amarrar o sapato e ela, não. Que a mãe enfia um Sonho de Valsa inteirinho na boca, e ela não. Que ela tinha piolhos - cedidos gentilmente pela amiguinha do lado, que mantém a sangue tipo A um verdadeiro criadouro na cabeça. Fina como ela é, Catatau passa Kwell no cabelo e a inspetora comenta que a cabeça dela está com um delicioso aroma de lavanda. E, pior, está mesmo.

A paixão da hora são fadas. Sininho na cabeça, outras fadas correndo por fora. Porque magia nunca faltará na vida da minha Catatau. Ela é capaz de ver uma luz maravilhosa sobre o pátio da escola quando estamos com os sapatos em estado pré-mingau em plena tempestade. Ou dizer que meu colo é tão quentinho que ela se sente dentro de um ninho, rindo pra ela mesma ao se imaginar um passarinho - mesmo que as entranhas estejam sendo devoradas pela dor da gastrite.

Ela começou a ler e a escrever esse ano. E um novo mundo se abriu para ela. Em seus olhos não existe mais aquela pureza que a ignorância intocada das crianças que ainda não foram alfabetizadas têm. Ela, de um dia para o outro, cresceu. Entrou no mundo civilizado das letras, dos livros, da escrita. Chegou ressabiada, e ainda não se sente confortável para abandonar de vez a risada de bebê que não deixa um cidadão sério no vagão do metrô, ou as mãos cheias de furinhos que passam com maestria o gloss depois do almoço ("Porque mãe, você sabe, quem não tem brilho não tem nada"). Ainda bem.

Eu olho minha caçula e não canso de me lembrar que, pressionada pelo meu ex-marido, quase ela foi-se antes mesmo de chegar. Olho a elegância surpreendente com que ela dá estrelas e maneja a fita como ninguém nos treinos de ginástica rítmica e penso quão acolhedor seria o mundo se cada família tivesse sua Catatau. Se cada casa dispusesse de uma garotinha doce, gulosa, generosa, sorridente, carinhosa - com a luz cálida e imensamente feliz da minha menina.

Feliz aniversário, querida.

5 comentários:

leila disse...

lindo. felizes aniversários para vocês, sempre!

lola aronovich disse...

Feliz aniversário pra ela! Um belo texto, Su.
Mas então, ô moça do plano b, não era disso que eu queria falar. É do email que recebi hoje da minha mãe. Esta é a parte que te toca:
"Aí eu conheci, pelos
comentários no post, a Suzana Elvas, minha alma gêmea, sem dúvida. Quem é essa moça?
Como ela sabe tanto de torturas medievais e como ela sabe tanta história de reis e
rainhas, e fala desse jeito, com humor e irreverência? Adorei. Pode falar pra ela
que sou sua fã."
Su, fiquei surpresa. Eu mal sabia que minha mãe lia o meu blog. E, do jeito que ela fala mal de orkut, email, e qualquer interação internética (ela acha o fim deixar comentário em blog; aliás, não gosta de blog, acha que é modismo), NUNCA pensei que ela lesse comentários. Mas pelo jeito ela leu, e agora te adora. E depois que eu contar pra ela que vc mora no Rio, então, não quero nem ver a babação... Vou passar o endereço do seu blog pra ela. Acho difícil ela vir, e impossível que deixe um comentário. Mas só pra vc saber que eu não sou a única alma que gosta dos comentários que vc deixa lá no meu bloguinho!
Com carinho,
Lola (filha da sua alma gêmea - só pra vc se sentir bem velhinha mesmo!).
www.escrevalolaescreva.blogspot.com

parla marieta disse...

Lindo e tocante texto. Mas chocante o parágrafo: "Eu olho minha caçula e não canso de me lembrar que, pressionada pelo meu ex-marido, quase ela foi-se antes mesmo de chegar."
Parabéns pra você e pra Catatau. Meu Catatau fez aniversário antes de ontem, dia 12, é é uma grande alegria, como a sua Catatau.
Beijos, fique bem

Dita Von Claire disse...

sua desqualificada. me fazer chorar assim a plena meia tarde de quarta-feira.
um dia catatau brincará com theodoro, sim?

Ana disse...

coisa linda!!!!! Tomara que exista uma Catatau (ou um Catatau) reservado pra mim também! beijinho