terça-feira, abril 18, 2006

Tel Aviv

Simone sempre vigiava o momento em que Débora começava a se arrumar. E não gostava. Acho que tinha inveja das roupas mais bonitas, do cabelo que nós (eu também!) herdamos da mamãe, muito grosso, muito escuro. Simone sempre teve o cabelo fininho da vovó Sarah, que não ficava no lugar de jeito nenhum: ao menor vento, levantava como nuvem de serragem, que se espalha sem que a gente consiga deixar de xingar quem deixou a porta aberta.
Simone levantou da cama e saiu pisando duro, os cordões do tênis desamarrado ricocheteando porta afora. Eu fiquei. Gostava de ver minha irmã escolher a roupa com carinho, alisar as calças como se acariciasse as pernas, olhando-se de costas no espelho para ver que efeito teria quando descesse do ônibus. Débora sempre foi bonita.
Sem pintura no rosto, sem jóias, sem nada, só com a blusa vermelha parecia aquele ponto na fotografia que não se consegue deixar de ver. É bater o olho na foto e ele escorrega para aquele canto. Débora estava assim: atraindo o olhar na fotografia da rua em que passaria.
Roçou a boca na minha cabeça, como sempre fazia. Pela primeira vez na vida, esqueceu-se de pôr perfume, o que foi bom – minha irmã cheirava a ameixas, aquelas vermelhas e cheias de suco, que jamais deixamos de comer mesmo molhando toda a roupa. E foi-se.
Brinak se escondeu debaixo da cama quando Simone gritou. Não foi um grito; era um uivo, longo, prolongado, dolorido, que ainda ouço, mesmo depois que todos já se foram. Chegamos todos juntos à sala; Simone de pé, de frente à televisão, chorava desconsolada, o rosto escondido entre as mãos. Não havia sobrado ninguém vivo, depois que os bombeiros conseguiram desvirar o ônibus e apagar o fogo que a bomba tinha provocado. Débora, de bruços no asfalto, sobressaía na tela, e Simone soluçava baixinho, inconsolável:
– Minha blusa, ela saiu com a minha blusa preferida, a minha blusa...

Um comentário:

Anônimo disse...

Rio de Janeiro, tudo igual!!