Posts longos. Noites com mais de quatro horas de sono. Unhas feitas às segundas-feiras. Uma conversa com minhas filhas que não envolva "Você já fez isso?" ou "Depois a gente conversa."
Eu disse essa última frase para Catatau enquanto lavava a louça e tentava me desviar do cachorro que me lambia as pernas com bafo de osso recém-roído. "Depois, quando, mamãe? Você só diz isso: 'depois', 'depois', 'depois'."
Depois. E eu jurei que não deixaria, nunca mais, nada para depois. E pra depois vão ficando as coisas, porque eu sinto que os anos que não dediquei a uma carreira estão me dando uma última oportunidade antes de irem embora pra nunca mais voltarem. Duas vezes por mês vou a São Paulo, e na terça vou apresentar o meu trabalho a um editor americano que foi contratado para dar um gás na empresa onde estou. Ele quer ver o que eu estou fazendo. Ouvir o que eu tenho a dizer. Os editores foram convidados a assistir. E a perguntar. Mas eu vou apresentar. E então. A oportunidade.
De manhã cedo, espremida entre as meninas no banco de trás do táxi, enquanto as duas tagarelam eu vou pensando e escrevendo as malditas cartas que se acumulam cheias de pó na minha cabeça. Escrevo para mim mesma - listas de coisas a fazer, comprar, cancelar, providenciar, encomendar, imprimir, esquecer. Deixo as meninas na escola e vejo quantas crianças chegam em carrinhos, tão grandes já que quase fazem a lona do assento encostar no chão; quatro, cinco anos, com as inseparáveis chupetas que as mães não ousam tirar. Algumas fazem a parada obrigatória no baleiro, abastecendo a merendeira já estufada pelo saco de batatas fritas com as balas e chhicletes do dia. E eu então escrevo uma longa carta de agradecimento à minha mãe que, no seu jeito quieto, não seguiu o rigor hipócrita do meu pai e nos criou à base de muito leite, carne e verduras, num cardápio temperado a Mentex, Frutella e balas Soft.
No metrô, na ida e na volta, escrevo aos meus amigos, alguns já mortos, sobre como é feia a moda de sapatos de bico fino; que interessante era aquele rapaz chinês lendo um livro em mandarim; a expressão da moça que olhava, com inveja, o casal se beijando na sua frente, ou como todo mundo parece se esquecer, com seus iPods & assemelhados que, sim senhor, fazemos todos parte de uma mesma humanidade então não adianta fingir que não viu a velhinha século XIX entrando no vagão.
Chego em casa e encerro o dia perto da meia-noite. Durmo no sofá do meu quarto e quem me acorda é um dos cachorros, me lambendo a cara. Retomo a vida perto de uma da manhã - tomo banho, apago as luzes, checo as meninas; me deito no escuro e escrevo a derradeira carta, aquela para que comprei papel de carta, envelopes, que tomei coragem e perguntei "Você me dá seu endereço?". Uma carta que jamais tem menos do que três páginas, onde abro o coração de uma maneira que não faço nem para mim mesma.
De uma maneira desapaixonada, me dou liberdade de questionar a vida, falar do meu medo de envelhecer sem ninguém, da solidão em que construo todo os meus santos dias, das coisas que queria fazer e não consigo, daquilo que faço e não deveria, das minhas conquistas que, no silêncio da madrugada, não interessam a absolutamente ninguém.
Escrever essas cartas no papel que escolhi - papel linho, branco e macio - e não apenas dentro de mim. Um dia. Porque elas nunca terminam com um "Saudades" ou "Com carinho". Quando durmo, escrevo no fim da página "Depois a gente conversa".
*Jill Scott. Música que não consigo parar de ouvir.
quarta-feira, setembro 22, 2010
segunda-feira, setembro 13, 2010
Paz
Às vezes bastam dez minutos de silêncio e uma boa lembrança para rearrumar o mundo e trazer a existência de volta ao seu eixo.
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