terça-feira, fevereiro 12, 2008

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Desde que me separei, num momento tive que começar a me desfazer de coisas que para mim eram parte do que sou. Na semana passada vendi as minhas últimas jóias. Não tenho mais plano de saúde, e para continuar um tratamento caro tive que dar adeus à herança deixada pela minha avó paterna. Elas não foram as primeiras: para pagar a escola me desfiz, há alguns meses, do que minha avó materna me deixara.

Se há um aprendizado que eu jamais esquecerei - sendo a próxima ganhadora da megasena ou não - é que a gente chora e sente dor, mas o material é só isso: material. E não falo aqui da vertente espiritualista; falo de comida na mesa dos nossos filhos. Entre ter o que oferecer às minhas meninas no almoço e usar o colar de pérolas da minha avó, não há o que pensar.

Assim, já foram para a panela minhas jóias, meus livros antigos, CDs, DVDs, LPs, revistas em quadrinhos dos anos 70/80, aparelho de som, TVs, uma cama, dois colchões, antiguidades, roupas, sapatos, eletrodomésticos e miudezas sem conta. Hoje, um especialista veio buscar a coleção de moedas do meu avô - pagando, tenho certeza, uma ínfima parte do que ela realmente vale. Mas minhas filhas precisam comer.

E eu fiquei deprimida, claro. Chorei muito e me castiguei devorando um pote de sorvete de dois litros. E foi assim, com a garganta apertada e a boca cheia, que eu li, no blog de uma querida companheira de viagem - na web e na maternidade - que ela acabara de perder a mãe. Nessas horas, então, de nada valem moedas de prata do tempo do Império, pulseiras de ouro branco e platina, uma edição rara dos Lusíadas ou a coleção completa da obra de Billie Holiday.

Não valem nada, não adiantam pra nada, não significam coisa alguma. Não servem pra tapar o rombo imenso e dolorido que a gente sente quando alguém foi-se e nada podemos fazer.

Eu não sei o que dizer, Angélica. Aliás, comecei a escrever qualquer coisa nesse post pensando ainda como dizer o quanto eu sinto - e o quanto essa frase ("Eu sinto muito") é vazia. Eu sempre explico às meninas a cadeia natural da vida - vão-se os avós, depois os pais e então elas mesmas, mas aí elas já terão seus próprios netos para repetir a seqüência. Sua mãe conheceu sua filha - assim como minhas pequenas conheceram os avós, e por isso eu me regozijo. Mas sei que nada disso aplaca a dor ou dá importância ao que está à nossa volta. Nesse mar de escuridão fria que nos envolve, apenas uma luzinha mostra o caminho para voltar: nossos filhos.

Então, querida, que Joana ilumine sua volta. Estamos aqui, afinal de contas, por causa deles. E, provavelmente, sua mãe sabia disso. Todas as mães sabem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cheguei. E que notícia triste. É a Angélica do Bocozices, só pode. O que você disse é a mais pura verdade. São apenas coisas. Eu trouxe duas coisas pra você. Te enviarei assim que puder. Não são bonecas. Todas eram feias e não lembravam Cuba. Pareciam mais as baianas tradicionais de Salvador. Fique bem, queriducha. Sorvete faz parte da vida da gente.
beijos