sexta-feira, setembro 28, 2007

Solidão

Lendo um dos posts que a Renata escreveu - que fala das pessoas que escrevem para colunas de orientação médica e legal que todo jornal tem - fiquei, como dizer? - triste em ver como todos os comentários riam disso. Ah, sim, o texto é engraçado, e os comentários refletem a dúvida (quase uma piada) que a Renata expôs no fim: "Por que as pessoas continuam escrevendo esse tipo de carta para os jornais, se a resposta sempre é 'procure o seu médico'?"

Eu respondi: "As cartas não são falsas. Elas chegam naqueles envelopes aéreos, escritas a caneta (os mais caprichosos batem à maquina) e com a letra meio torta. Muitas com erros de português.

Sabe, desculpe, mas não é engraçado. O jornal publica apenas o essencial, mas quando você lê a carta toda nota que dali se desprende uma imensa solidão. São pessoas de meia-idade que não querem se mostrar dependentes dos filhos, vão ao médico sozinhas e ouvem um "vamos ver depois dos exames" que não explica o porquê da visão dupla, da dor no pescoço, dos vômitos constantes.

É o cara que fez a duras penas o Primeiro Grau, tem um emprego e um plano de saúde meia-boca cujo médico tem que atender muita gente, R$ 24 por cabeça.

As respostas às cartas são, na verdade, uma maneira de clarear a visão que o leitor tem de sua doença. Mas houve casos em que o médico me ligou e disse: 'Essa pessoa que escreveu essa carta está com câncer no estômago. E, pelos sintomas, é terminal. Como o médico dela não explicou nada?' E o que você faz?

É triste - uma pessoa que tem que recorrer à seção de um jornal para que alguém diga, finalmente, de que maneira ela poderá viver nos próximos meses."

Altas horas da noite ou naqueles momentos mortos do fim de semana, todo repórter de plantão já recebeu uma ligação de uma velhinha que quer comentar alguma notícia, ou perguntar o que vai ser a capa do jornal no dia seguinte. Me lembro de uma em particular que dizia que tinha sido "namoradinha" (palavras dela) do Roberto Marinho. Uma vez a seção do jornal em que eu trabalhava recebeu uma carta de uma moça de São Gonçalo endereçada à editora. Ela pedia apenas que minha editora respondesse "porque eu não tenho ninguém com quem conversar e preciso disso muito." Gente que não tem dinheiro pra pagar advogado ou um especialista e já enfrentou a humilhação de ficar horas à espera de um estagiário que acha tão divertido tirar duas horas de almoço. Ou é tratado feito incapacitado pelos filhos, ou tem vergonha de contar àquele médico tão cheio de pose que o remédio de R$ 200 não funcionou.

E você sempre se sente culpado porque simplesmente não pode resolver o problema que realmente está nas entrelinhas daquelas cartas.

3 comentários:

Fer Guimaraes Rosa disse...

isso eh horrivelmente triste. ;-(
mais triste ainda eh perceber que tudo, tudo mesmo vira piada e objeto de gozacao para alguns. um beijo pra voce,

anouska disse...

esse mundo é uma merda. é como diz a mary w: não adianta; ser feliz aqui, não vai rolar. é triste, viu. bjs

Renata disse...

poxa, eu não tinha mesmo idéia de que as cartas eram reais. pq eu leio o jornal todo só procurando coisas inventadas.

aí lembrei das histórias que meu pai conta de quando ele trabalhava nos correios e todo mundo abria as encomendas pra roubar as coisas de dentro e de quando alguém achava uma carta dentro da caixa e era sempre uma história triste.

e rolou toda uma culpa classe média de quem já nasceu com plano de saúde... eu nunca tinha visto por esse lado, tipo que eu não conseguia conceber a idéia de alguém ir ao médico, receber um diagnóstico e não perguntar nada. enquanto eu fico indo de médico em médico pra confirmar o que o primeiro disse.

mas é por isso que eu gosto tanto de blog, porque a gente sempre consegue ver o outro lado... :)